Os Guarani e a contínua agonia e morte nas margens das rodovias
Sem a demarcação das terras, as comunidades Guarani Mbya vivem sob as lonas e sob as rodas dos caminhões nas margens das rodovias, estaduais e federais, no Sul do país.
Cotidianamente repetem-se nos acampamentos indígenas as situações de dor, sofrimento e morte. Desta vez foi vitimado, pelas rodas de um caminhão, Lucas Fernandes (na foto), de apenas 36 anos de idade. Homem que lutava, juntamente com sua comunidade, pela possibilidade de ter uma vida longe do asfalto e da morte prematura.
O acidente ocorreu do Km 299 da BR-290, município de Caçapava do Sul, no acampamento que recebe o nome da Terra Indígena Irapuá (na foto abaixo). Palco de inúmeras injustiças, ameaças, expulsões, abandono e exclusão.
Na tarde de sábado, 30 de julho, quando Lucas atravessava a rodovia com o objetivo de tomar um ônibus para visitar seus parentes, que habitam outro acampamento do povo Guarani, há 30 quilômetros do Irapuá, acabou sendo atingido por um caminhão que trafegava em alta velocidade.
A vida de Lucas foi ceifada antes mesmo dele ter tido a possibilidade de pisar dentro da pequena área demarcada pela Funai e reconhecida pelo Ministério da Justiça como sendo terra Guarani Mbya.
Lucas morreu porque a única opção que o Estado lhe ofereceu foi a de viver na exclusão. Exclusão da assistência em saúde, educação, saneamento básico; a possibilidade de poder beber um copo de água potável. Exclusão da terra mãe.
Os fazendeiros, que em sua maioria são grileiros, receberam do ESTADO o direito a propriedade dentro de terras indígenas. Eles não aceitam a existência dos Guarani, não admitem a possibilidade de que tenham direitos e obrigam, através das artimanhas políticas e jurídicas, que as vidas indígenas sejam expostas às variadas formas de violências.
Lucas morreu sobre o asfalto da rodovia e à margem do direito – não apenas da estrada. O excluíram de tudo e, apesar de ser filho da terra, não há sequer uma cova para enterrar seu corpo – levado para uma distância de trezentos quilômetros, na área Guarani do Cantagalo, município de Viamão, uma pequenina terra onde há um cemitério para as vidas que são brutalmente arrancas.
No Rio Grande do Sul as terras indígenas, menos de 90, estão com os procedimentos de demarcação paralisados. E essa foi uma determinação do governo federal para beneficiar os políticos da bancada ruralista e por não querer enfrentar a judicialização de seus atos administrativos. No estado são ínfimos os hectares de terras regularizados e apesar disso a oposição a esse direito constitucional é intenso.
Dos 281.730,223 km² do território do Rio Grande do Sul, menos de 0,5% são reivindicados como área indígena. Ou seja, 99,95 % das terras estão sendo destinadas a propriedade privada ou para outras finalidades. Mas, mesmo assim, é comum a utilização de expressões e argumentos de que os “índios” atrapalham o desenvolvimento econômico do Estado – esse que passa pelas estradas ceifando vidas de forma trágica.
O líder Kaingang, já falecido, Augusto Opé da Silva costumava dizer que se um estado não consegue se desenvolver com mais 99 % de seu território, não será o 1 % de terras indígenas o responsável por sua ineficiência. Há algo de estranho nesse argumento, dizia o líder de saudosa memória.
Lucas morreu em consequência de uma política de Estado que é racista, administrado por governos genocidas e que historicamente são acobertados ou protegidos por parlamentares e juízes igualmente racistas.
Até quando? Esta é a pergunta que fica nas mentes e almas daqueles que vivem sob as lonas e sob os rodados de caminhões. Lucas, Guarani Mbya, perdeu a vida, mas sua trágica morte não será em vão. Será semente na luta por justiça.
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