EUA: a crise e seu impacto sobre a classe trabalhadora

imagempor José Valenzuela Feijóo*

Os processos que temos examinado afetam com força a classe trabalhadora estadunidense e fazem-no num sentido negativo: perdem-se empregos e níveis de vida. O tema merece um tratamento extenso que não vamos efetuar aqui. Mas pelo menos convém ensaiar uma abordagem mínima.

Comecemos pelo dado chave: entre 1979 e 2013 (fase neoliberal), a produtividade cresceu 64,9% e o salário real por hora trabalhada cresceu só 8,2% [1] . A defasagem é impressionante e indica-nos que foi dado um salto muito forte na taxa de mais-valia. Esta teria chegado a 4,21 em 2014, partindo de 1,7 em 1978. Em consequência, a relação mais-valia com Rendimento Nacional teria passado de 63% para um altíssimo 8,1% [2] . Trata-se de um traço inerente ao modelo neoliberal e que, por sua vez, está muito associado à forma que assume a economia mundial, à globalização em especial.

Para este caso, convém recolher dois comentários estadunidenses sobre os efeitos atuais da “globalização” no primeiro mundo. Jeff Faux assinala que com o NAFTA “emergem regras novas e radicais sobre o comércio internacional (…) as quais deslocam os benefícios de expandir o comércio para os investidores e os custos para os trabalhadores” [3] . Segundo Fred Goldstein, “enquanto a exportação de capital foi outrora utilizada nos países imperialistas para impulsionar um estrato superior da classe trabalhadora (a “aristocracia operária”, JVF), suavizar a luta de classes e promover a estabilidade social, com a nova divisão internacional do trabalho a exportação a exportação de capital está a ser utilizada, nesses países imperialistas, para rebaixar os níveis de vida dos trabalhadores, dizimar os estratos superiores dos trabalhadores e seções das camadas médias, destroçando a segurança no trabalho e os benefícios sociais” [4] .

No curto período neoliberal nos EUA [o país] parece começar a dar mostras de uma doença terminal. Há um processo de deslegitimação do sistema político que cresce cada vez mais. Os mitos do “sonho americano” começam a ruir. Do governo de Barack Obama, por exemplo, foi dito que “praticou o socialismo com a Wall Street (salvou-a da quebra, JVF) e o neoliberalismo com a classe trabalhadora”. O próprio triunfo eleitoral de Trump inseriu-se neste processo. Inclusive um estudo das Nações Unidas chegou a reconhecer que “a desconformidade de amplos setores médios dos países desenvolvidos é o resultado de anos de crescimento lento, forte desemprego – em particular o juvenil – estancamento ou deterioração salarial e pressões derivadas de correntes migratórios de uma magnitude que não se via desde fins da década de 1940” [5] .

Quais podem ser as perspectivas?

Significativamente, ao mesmo tempo que o regime se debilita e decompõe-se cada vez mais, as opções não parecem muito fortes.

A opção de um nacionalismo de direita de corte fascistóide começou a enfraquecer nos EUA: Donald Trump, que supomos que a encabeçava, vem-se enredando (e debilitando) na sua ânsia de resistir ao ataque feroz do establishment. Ainda que as bases sociais de apoio, atuais e potenciais, a este tipo de reordenamento estrutural continuem a estar ali. Mas estão ali sem ter uma clara e sólida direção e organização políticas. E não será demais sublinhar: esta opção, do ângulo das forças sociais que poderiam apoiá-la, continua a ser maioritária. Por outras palavras, o “caldo de cultura” para uma saída de corte fascistóide continua a estar presente. E não se deve esquecer que esta opção, e também a do continuísmo neoliberal, aponta para maior gasto militar e para a guerra como mecanismos de saída da crise. Guerra que muito provavelmente seria de tipo nuclear, o que colocaria um desafio muito maior: o de salvar a humanidade deitando abaixo o sistema capitalista.

A opção de um capitalismo democrático e progressista (estilo Sanders) tampouco parecer acumular as forças sociais necessárias para a mudança. Em parte não menor, pelas próprias vacilações dos seus dirigentes potenciais [6] .

Uma terceira rota, já de caráter socialista, pelo menos na sua orientação, parece ainda mais débil. Em todo caso, pensamos que no horizonte, ainda com perfis muito nebulosos, quase invisíveis ou “inaudíveis”, começa a sentir-se o chamado de uma exigência objetiva [7] de alcance vasto: superar o sistema atual e começar a interrogar-se sobre o que seria o socialismo no hemisfério norte. Se, como nos velhos tempo da grande planície, pusermos o ouvido na terra, muito provavelmente ouviremos esse rumor. Afinal de contas, é esta a única opção capaz de superar realmente os agudos problemas atuais.

1. Trata-se de dados referidos aos trabalhadores de produção excluindo supervisores. O dado foi tomado de J. Bivens, E. Golud, L. Mishel y H. Shierholz, “Raising America´s Pay. Why it’s Our Central Economic Policy Challenge”. Economic Policy Institute, Briefing Paper n° 378, June, 2014.

2. Sobre a metodología do cálculo da taxa de mais-valia ver José Valenzuela Feijóo, “¿De la crisis neoliberal al nacionalismo fascistoide?”, capítulo I. CEDA, México, 2017.
3 Citado por R. E. Scott, texto citado.

4. Fred Goldstein, “Low – Wage Capitalism”, pág. 57. World View Press, N. York, 2008. Do mesmo autor, ver “Capitalism at a Dead End”, World View Forum, N. York, 2012. Este, é um texto de divulgação.

5. Cepal, “La inversión extranjera directa en América Latina y el Caribe.2017”, pág. 25. Santiago de Chile, 2017.

6. Sobre esta alternativa, uma apresentação sintética em Jonathan Tasini, “The Essential Bernie Sanders and his Vision for America”, Chelsea Green Publishers, 2015.

7. Exigência objetiva não é o mesmo que exigência subjetiva. A primeira opera como una exigência do modo de produção: este já não é capaz de funcionar con os ritmos de crescimento da produtividade e com as pautas distributivas que possibilitam o uso racional dos recursos. Exigência subjectiva é a que demandam os atores sociais (classes e fracções de classe) envolvidos na vida social. Ou seja, esta última implica uma consciência de classe adequada, que reflita com um grau aceitável a realidade objectiva da situação. Ou seja, o que Marx denominava “classe para sí”. Se esta consciência não tem lugar e domina uma falsa consciência de classe, a base econômica pode estar a ruir mas a mudança política e social não acontecerá. Nestes casos: a base desmorona-se mas a variável política não resolve, encontramo-nos com um período que se pode denominar “pântano histórico”. Na Alemanha que vai de Lutero e Thomas Münzer até Bismarck observa-se uma situação relativamente semelhante.

*Economista, chileno, professor universitário no México.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/eua/valenzuela_eua_3.html

Categoria
Tag