James Petras: “Grandes tempos virão”
A análise de James Petras, 2 de outubro de 2017
Falando sobre o massacre ocorrido neste domingo, 1° de outubro, nos Estados Unidos, o professor e sociólogo James Petras disse em sua coluna semanal de análises da realidade mundial na CX36, “o massacre em Las Vegas, Nevada, é mais um exemplo das dezenas de ações similares que vimos com mais de 500 mortos a partir de massacres cometidos por pessoas desequilibradas. E, talvez, possamos incluir o fato de que muitas pessoas com problemas mentais têm pouca possibilidade de tratamento, porque a privatização da medicina e das clínicas eliminaram a possibilidade de tratar os problemas que nos levam a estes acontecimentos”.
James Petras também falou sobre a situação que se vive na Catalunha e a respeito dela, disse, “devemos observar como vai se aprofundar primeiros nos próximos dias para ver em que grau a repressão de Rajoy está radicalizando o povo, radicalizando a luta e criando condições de superpolarização, o que poderia resultar em algumas coisas insólitas no próximo período”.
A seguir, transcrevemos a análise que você poderá voltar a escutar aqui: http://www.ivoox.com/
Diego Martínez: Estamos em contato com o sociólogo James Petras, para nós sempre uma felicidade. Petras, bem-vindo aos microfones da Radio Centenario. Bom dia…
James Petras: Bom dia! Muito obrigado. Temos muitas coisas para discutirmos.
DM: Petras, creio que podemos começar com o que acontece unas últimas horas aí, nos Estados Unidos, com o tiroteio – ou melhor dizendo – com este massacre, mais de 50 mortos…
JP: Sim, a primeira consideração é o fato de que um indivíduo pode andar nas ruas e em qualquer outro lugar com armas pesadas e agir por sua conta. Não existe nenhuma restrição para que qualquer louco, qualquer terrorista possa conseguir fuzis automáticos e realizar seus crimes.
Podemos dizer que o massacre em Las Vegas, Nevada, é mais um exemplo das dezenas de ações similares que vimos com mais de 500 mortos a partir de massacres cometidos por pessoas desequilibradas.
E, talvez, possamos incluir o fato de que muitas pessoas com problemas mentais têm pouca possibilidade de tratamento, porque a privatização da medicina e das clínicas eliminaram a possibilidade de tratar os problemas que nos levam a estes acontecimentos.
Então, a falta de regulação de armas, a falta de tratamento mental, a falta de responsabilidade dos políticos resultaram em múltiplos massacres. Nos últimos 3 anos, assistimos a três grandes massacres e veremos outros mais, porque os Estados Unidos são um país que possui muitas oportunidades para qualquer um que queira conseguir armas em qualquer loja que as tenha sem nenhum controle.
DM: Bem, Petras. O Estado Islâmico assumiu a autoria, no entanto muitos já consideram que tudo o que ocorre no mundo é atribuído ao Estado Islâmico, não?
JP: Sim. Neste caso nem tanto. Vimos que existem muitos massacres, inclusive a maioria, são produto de desequilibrados nos Estados Unidos ou são produto de direitistas que utilizam os massacres como uma forma de fazer uma política.
Os casos de islâmicos são muito limitados e minoritário. No caso particular, devemos identificar o assassino como uma pessoa solta, seja ela muçulmano, direitista ou desequilibrado.
DM: Certo. Petras, o que você acha de falarmos sobre a Catalunha, onde ontem se viveu uma jornada história? Estão vivendo um momento histórico. Como você analisa o que aconteceu ontem e como ficou posicionada a situação?
JP: Vimos a grande mobilização do povo na Catalunha, a auto-organização, a formação de organização de bairros, de pessoas que estão envolvidas em seu bairro que lançaram.
É um grande salto adiante porque esta auto-organização de militância, esta combatividade, este espírito de luta poderia ter maiores consequências, para além da independência. Poderia gerar um povo organizado que poderia impor uma política diferente, antineoliberal, não só anti-Madri, mas anticlasses dominantes.
É falso colocar o problema simplesmente como entre Catalunha e Espanha. O que está por trás deste grande protesto não é simplesmente o fato de que Rajoy, o Primeiro Ministro da Espanha, é um direitista anti-independentista. É também um grande corrupto, é também um grande apoiador do neoliberalismo que colocou mais de 30% da população da Catalunha na pobreza.
Devemos pensar para além dos clichês que falam da Catalunha como um país rico. Tudo é relativo. Existem muitos pobres, muitos desempregados. Mais de 30% da juventude não tem futuro na Catalunha sob a política neoliberal dos governantes.
Temos também o fato de que entre os principais líderes do Partido Popular (PP) de Rajoy, existem muitos corruptos que chegam até o topo da política. Assistimos também aos grandes escândalos sobre a questão dos votos.
Em outras palavras: democracia, corrupção, autoritarismo, pobreza, neoliberalismo que concentra as rendas no setor financeiro, são também geradores da insatisfação do povo. A independência unifica muitas forças, porém, tem, para além da independência, os que querem avançar na situação econômica e social.
Poderíamos apontar outra coisa: que a luta continua, para além do referendo e da declaração. Para esta terça-feira os sindicatos planejaram uma greve geral que envolveu diretamente a classe trabalhadora, os empregados e todos os que estão no setor privado e público contra a política econômica e o problema de autodeterminação.
É outro fator que devemos considerar. Enquanto a repressão aumenta, também a militância se estende para além dos independentistas, incluindo todos os setores de trabalhadores, assim como os catalães, os não catalães e os demais que vivem na Catalunha.
E poderia ter um impacto para além da Catalunha, uma vez que a luta das classes populares, a classe trabalhadora, poderia começar a impactar na Espanha, onde sentem os mesmos problemas sociais, mas o mesmo sobre a independência.
Hernán Salina: Sim. Sobre isso, James, vamos perguntar… Bom, caso se concretize a questão da Catalunha, este seria o primeiro caso de uma mudança no mapa político de um país sem um conflito bélico na Europa Central. Totalmente diferente do que ocorreu na Iugoslávia, antes Tchecoslováquia e vendo o que acontece a nível de União Europeia, deixar tudo isto se desenvolver porque tornar a Catalunha um mal exemplo, não?
JP: Bom, temos o caso da Escócia, que poderia buscar a independência da Inglaterra. E temos também o caso de Quebec, no Canadá, onde tinham voto libre e a possibilidade de se separar, só uma pequena diferença decidiu o resultado.
Eu acredito que é a forma com que as classes médias tentam se separar, porque pensam que com seus próprios esforços poderiam solucionar os problemas sociais e econômicos. Porém, na realidade, o problema vai mais além da independência. É o conteúdo de classe na política que é a força motora de muitos descontentamentos que mobilizaram o povo. Não é coincidência que na Espanha exista uma taxa de desemprego de mais de 40% entre os principais participantes na luta atual, que são os jovens. Jovens sem emprego com trabalho temporário, contratos de lixo e mais outras coisas que se juntam sob a bandeira da independência.
Creio que é o fator que poderia ser um detonante nos outros países que não têm problema de independência, mas que sentem o impacto da luta em particular. As comissões autônomas poderiam abrir outro caminho para além dos partidos e sindicatos.
DM: Especula-se com a possibilidade da saída por parte de Rajoy do governo após ter ficado, de alguma maneira, em uma situação frágil?
JP: É um processo longo, é uma longa marcha. Passo a passo a luta está se radicalizando e bastante rápido, porém também devemos considerar que o resto da Espanha não se moveu, a Europa tampouco, os sindicatos, as organizações populares não responderam.
Então, devemos observar como vai se aprofundar primeiros nos próximos dias para ver em que grau a repressão de Rajoy está radicalizando o povo, radicalizando a luta e criando condições de superpolarização, o que poderia resultar em algumas coisas insólitas no próximo período.
DM: Bem, Petras. Na semana passada, na segunda-feira, falávamos sobre as eleições na Alemanha, sobre os resultados e sobre como ascenderam e descenderam as diferentes forças políticas. Durante a semana, ocorreram aproximações de Merkel com Macron. Como se entende esta nova política que Merkel tem que realizar de associações internas e também externas com outros líderes políticos?
JP: Macron quer aprofundar a integração na União Europeia, quer fomentar o protecionismo para fora da Europa e aprofundar os laços liberais eternamente.
Porém, a Alemanha não quer aprofundar uma integração que poderia aumentar as obrigações econômicas da Alemanha para com os demais associados na União Europeia. Então, o setor mais alemão está contra o aprofundamento da integração de Macron e vão questionar os esforços de Merkel de aproximar-se dele.
Macron também tem que enfrentar o fato de que em sua própria coalisão existem divisões atuais sobre muitas de suas medidas. Então, devemos reconhecer que Macron é um personagem a quem falta uma base sólida de apoio, particularmente acerca da lei trabalhista, mas que também está tentando privatizar e estrangeirizar a economia. Macron abriu a porta para uma invasão de capitais que vem dos Estados Unidos e vem da Europa, vem de qualquer parte menos das indústrias que poderiam fortalecer o emprego na França.
Também temos os liberais na coalisão com Merkel que não são a favor do euro-protecionismo que pede Macro. Então, temos muitas divisões que não esclarecem sobre as perspectivas de uma aliança franco-alemã.
HS: Petras, um apontamento final sobre algo local, porém que se relaciona a Cuba. Sobre local, me refiro aos Estados Unidos. Na sexta-feira, recebemos a notícia que os Estados Unidos retiraram a metade de seu pessoal diplomático de Cuba, por conta do episódio das denúncias de ataques sônicos a seu pessoal que o governo cubano repudiou, investigou e esclareceu estar isento de qualquer responsabilidade. Além disso, os Estados Unidos recomendam a seus cidadãos que não viagem para Cuba. O que existe por trás destas medidas?
JP: Ninguém acredita em nada destas coisas, provocam gargalhadas em qualquer um que entenda os Estados Unidos.
O sônico, o problema de que falam, é um complô da CIA que cometeu muitas ações similares para buscar um pretexto para romper relações com Cuba. Trump tinha anunciado que ia mudar as relações antes do suposto ataque sônico e agora está cumprindo, isso é algo que devemos entender. Não existe nada de complô nem influência cubana sobre o som. Eu creio que é 99% certo que é um projeto da CIA para buscar um pretexto e terminar com as relações diplomáticas e econômicas com Cuba.
Ninguém, ninguém crê que os cubanos estejam envolvidos para perder bilhões de dólares de turismo e outras coisas mais.
É um complô da CIA que tem antecedentes. Temos a prova de que Trump queria romper relações. Todos os beneficiários disso são os direitistas americanos que estão envolvidos nesta aventura.
DM: Bem, Petras. Como sempre fazemos, queremos perguntar pelos temas que você habitualmente está trabalhando.
JP: Bom, tocamos em muitos dos temas, porém faltam dois. Por exemplo, o fato de que na Argentina continuam ocorrendo mobilizações pelo assassinato clandestino de Santiago Maldonado no sul da Argentina e a incapacidade de Macri em conter as mobilizações.
E o outro tema é o ocorrido em Porto Rico, onde o povo permanece sem água, sem comida, sem energia elétrica, sem possibilidade de sobreviver; e as instituições norte-americanas atuam com muita demora, muita incapacidade, muita incompetência, criam enormes problemas ao povo porto-riquenho. Além disso, mostram que os Estados Unidos canalizam 700 bilhões para as guerras, mas não têm reservas suficientes para reconstruir a vida normal de um povo cidadão em sua própria colônia.
DM: Muito bem, Petras, Agradecemos o contato. Para nós é muito útil, sobretudo para a grande audiência que não é somente a que nos escuta agora, ao vivo, mas a repercussão que gera esta sua coluna nesta rádio. Mandamos um forte abraço e como sempre muito obrigado.
JP: Um abraço para vocês e para os ouvintes. Grandes tempos virão.
Fonte: http://www.radio36.com.uy/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)