O PCB, o BOC e as eleições de 1928 e 1930

imagemOctávio Brandão discursa ao lado de Minervino de Oliveira em comício do BOC

Ricardo Costa (Rico) – membro do Comitê Central do PCB

Nos anos de formação, uma das mais importantes ações políticas do PCB foi a criação do Bloco Operário, fundado em janeiro de 1927 com o propósito de constituir uma “Frente Única Proletária” na luta contra o imperialismo, pelo reconhecimento da URSS por parte do governo brasileiro e em defesa de uma série de reivindicações econômicas dos trabalhadores. Segundo Moisés Vinhas, em seu livro O Partidão: a luta por um partido de massas (1922-1974), a entidade representou a “primeira tentativa sistemática de uma política de aliança” dos comunistas brasileiros.

No entanto, devido à limitada capacidade do PCB em organizar sua presença junto ao sindicalismo urbano, à falta de conhecimentos sobre a questão agrária no Brasil e à inexistência de um movimento autônomo e expressivo dos trabalhadores rurais à época, transformou-se, na prática, em legenda eleitoral dos comunistas, jamais se constituindo em uma organização de massas ou uma frente política que unificasse as ações do proletariado urbano e das “massas camponesas”, como previsto.

Numa época em que o Partido Comunista vivia na ilegalidade, o Bloco Operário serviu para que os comunistas elegessem, em 1927, um deputado para a Câmara Federal, o médico Azevedo Lima, que não era comunista. No ano seguinte, já sob a fachada do BOC (Bloco Operário e Camponês), foram eleitos Octávio Brandão e o operário Minervino de Oliveira para o Conselho Municipal do Rio de Janeiro. Em março de 1930, na última participação da sigla eleitoral, lançaram-se candidatos comunistas à presidência da República, ao Senado Federal e às assembleias legislativas, mas as votações foram muito pouco expressivas, e nenhum deles se elegeu. Como já vinha sendo muito criticado pelos próprios comunistas brasileiros e pelos membros da Internacional Comunista, o Bloco Operário Camponês foi imediatamente extinto.

As eleições municipais de 1928

Em 19 de agosto de 1928, o BOC, na condição de frente eleitoral composta por setores do proletariado, sob estímulo principal do PCB, então na ilegalidade, indicou Minervino de Oliveira e Octávio Brandão para disputar os cargos de intendentes (vereadores) no então Distrito Federal.

O Jornal A Classe Operária de 25 de agosto de 1928 continha extensa reportagem sobre o lançamento de Brandão e Minervino como candidatos no Rio de Janeiro, pela legenda do BOC. A matéria no jornal do Partido indicava a realização, na sede do Bloco Operário e Camponês, à Praça da República, nº 40, no domingo anterior, da assembleia extraordinária convocada para a escolha dos candidatos às próximas eleições para intendentes. Estavam presentes 16 delegados, representando os comitês eleitorais de diversas categorias de trabalhadores (ferroviários, tecelões, construção civil, sapateiros, metalúrgicos, gráficos, camponeses, operários da indústria alimentícia e de bebidas), assim como o Centro Político Proletário da Gávea e outros comitês de bairros e cidades (Engenho Velho, São Cristóvão, Niterói e Campos). Também estavam presentes a Coligação Operária de Santos e o Bloco Operário e Camponês de São Paulo. Além dos delegados, participaram da assembleia, na condição de convidados, trabalhadores das várias categorias citadas acima.

Após as intervenções e o debate travado entre os operários presentes, foi aprovada a chapa composta por Octávio Brandão, como candidato ao 1º distrito, e Minervino de Oliveira, para o 2º distrito. Foi discutido e também aprovado o programa político de campanha, sendo que algumas divergências ficaram de ser examinadas em outra assembleia.

Octávio Brandão foi anunciado da seguinte maneira:

“um nome fartamente conhecido nos meios operários de todo o Brasil e ainda fora do Brasil. Nascido no Estado de Alagoas, desde muito moço já mostrava sérias preocupações pelo estudo das questões sociais. Nos seus primeiros trabalhos, propriamente científicos … as condições sociais do homem e da terra … apareciam como temas a dominarem cada vez mais todos os outros.

Temperamento extremamente vibrátil, mentalidade apaixonada, com esta propensão irresistível para as causas gerais e colocado, na fase decisiva da sua formação, num período sobretudo dramático da história universal, com o aquele que marcava o fim da Grande Guerra e o início da Revolução Russa, Octávio Brandão, muito naturalmente, em rápidas etapas, acabou entregando-se de corpo e alma à causa do proletariado. Abandonou tudo para ser apenas isto, que é mais que tudo: um militante do movimento operário.

Em 1917, com apenas 21 anos de idade, suas atitudes provocavam, as primeiras perseguições da burguesia. Estas perseguições, agravando-se dia a dia, criaram-lhe em sua terra natal insuportável ambiente, forçando-o a uma deportação de fato. Em 1919, Octávio Brandão chegava ao Rio de Janeiro.

(…)

Trabalhador infatigável, sua atividade de escritor, de jornalista, de militante, exercida no curto espaço destes 10 anos, granjeou-lhe posição de justo e inconfundível destaque em nosso meio operário. (…) Com todo o seu enorme prestígio, em qualquer posto onde o proletariado o coloque, ele continuará a servir à causa operária, com a mesma fidelidade de sempre, e não a servir-se dela, como nunca se serviu.

Os operários do Rio de Janeiro não poderão ter melhor, mais firme, mais capaz, mais digno representante no Conselho Municipal do que este, que o Bloco Operário e Camponês apresenta como candidato pelo 1º distrito.”

Por sua vez, Minervino de Oliveira foi assim apresentado:

“operário marmorista desde a mais tenra idade, líder do sindicato dos marmoristas e um dos dirigentes da Federação Sindical. É militante operário desde 1913. O candidato do Bloco Operário e Camponês pelo 2º distrito nasceu no Rio de Janeiro em 1891. Aos dez anos foi trabalhar como aprendiz de tecelão na fábrica São João, em Alegria. Depois, sucessivamente, trabalhou como empregado no comércio, em fábricas de vidro e de móveis e em outros ofícios. Aos catorze anos, aprendeu o ofício de marmorista. Entrou para o Centro dos Operários Marmoristas em 1911 e nele ocupou várias vezes o cargo de secretário.

Colaborou nos seguintes jornais: Voz do Trabalhador, Spartacus, Voz do Povo, A Nação e A Classe Operária. No 3º Congresso Operário, em 1920, foi um dos delegados. Devido à sua dedicação ao proletariado, já amargou quatro vezes no fundo das masmorras policiais. Atualmente, é marmorista, redator de A Voz do Marmorista e secretário de atas da Federação Sindical.

(…)

Que outro qualquer candidato pelo segundo distrito poderá oferecer as garantias de Minervino? Em primeiro lugar, nenhum outro é operário. Em segundo lugar, nenhum outro se baseia num programa de classe independente. Em terceiro, nenhum outro tem sido organizador e jornalista proletário. Em quarto, nenhum outro tem sido militante proletário.

Nenhum operário, nenhum empregado, nenhum lavrador pobre, nenhum pequeno funcionário deve hesitar na escolha: é votar em Minervino de Oliveira, porque é votar na classe trabalhadora consciente! Pela vitória do Bloco Operário e Camponês!”

A campanha eleitoral do BOC foi realizada por meio de visitas e comícios dos candidatos e da militância nos bairros populares e fábricas. A repressão policial do governo acompanhou de perto toda a campanha. No dia 27 de setembro, um comício na porta do Arsenal da Marinha foi dissolvido à bala pela polícia, causando a morte de um operário e a prisão dos dois candidatos.

O voto não era obrigatório e o eleitorado, bastante reduzido: votavam apenas os homens, brasileiros, maiores de 21 anos, alfabetizados e alistados como eleitores. Apesar das adversidades e apuradas as urnas, constatou-se a vitória de Octavio Brandão pelo primeiro distrito. Ele recebeu 7.650 votos, sendo o 10º intendente mais votado. Já Minervino de Oliveira recebeu 8.082 votos, ficando na 13ª colocação, num total de 12 eleitos, no 2º Distrito, onde havia bairros de grande concentração operária. Uma apuração mais rigorosa daria a vitória a Minervino, mas as chances de um operário, comunista e negro assumir a cadeira eram muito reduzidas. Entretanto, antes da posse, um dos eleitos morreu num acidente, abrindo as portas do poder legislativo municipal para o segundo intendente do BOC, ou seja, Minervino de Oliveira.

Ao iniciar os trabalhos do ano legislativo, Minervino de Oliveira e Octávio Brandão, além de usar a tribuna para defender as lutas da classe trabalhadora, buscaram inaugurar uma nova maneira de fazer política, pois visitavam regularmente as fábricas e oficinas, os bairros operários e subúrbios pobres, além de fomentar a criação de novos comitês do BOC.

Por sua destacada atuação junto ao movimento operário e sindical, Minervino foi escolhido para presidir a mesa do Congresso Operário Nacional, evento realizado no Rio de Janeiro de 26 de abril a 1º de maio e que contou com delegações da Bahia, Ceará, Mato Grosso, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Neste congresso foi fundada a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). Minervino foi eleito secretário-geral da nova central sindical, a primeira dirigida pelos comunistas.

Em outubro de 1929, Octávio Brandão e Minervino foram presos em Niterói ao participarem de comício em apoio à greve dos operários da Fábrica de Tecidos e Manufatura Fluminense, apesar de haver decisão da Suprema Corte do país determinando a imunidade parlamentar dos intendentes. Mas os dois vereadores comunistas continuaram a ser perseguidos pela polícia, acusados de promover “propaganda subversiva e criminosa”. Nada disso, porém, foi capaz de refrear a atividade política de Brandão e Minervino. Ambos seguiram apoiando várias mobilizações operárias e prestando solidariedade ativa a diversas greves, sendo a mais notável a dos gráficos de São Paulo.

As eleições presidenciais de 1930

Entre os dias 3 e 5 de novembro de 1929 aconteceu, também no Rio de Janeiro, o I Congresso do BOC, que teve de ser clandestino porque a maioria dos intendentes negou o uso do prédio do Conselho Municipal para a realização do evento. De igual forma os donos de teatros, clubes e cinemas da cidade se recusaram a ceder seus espaços para a reunião dos trabalhadores.

Estiveram presentes mais de trinta delegados, representando 44 entidades de doze estados brasileiros. Foi aprovado um programa político que defendia a aliança do proletariado da cidade e do campo com as camadas médias, para impulsionar a revolução agrária e anti-imperialista.

Um dos pontos altos do Congresso foi a discussão em torno da candidatura à presidência da República. Para a tarefa, foi indicado o nome de Minervino de Oliveira. Seria a primeira vez na história do Brasil que um trabalhador – negro e comunista – disputaria o cargo. O ferroviário Gastão Valentim Antunes foi indicado para compor a chapa, na condição vice-presidente. O estivador Phenelon José Ribeiro foi apresentado como candidato a senador. Para as candidaturas a deputado federal, foram aprovados os nomes do gráfico Mário Grazzini e do advogado Paulo Lacerda.

A repressão policial se abateu de forma implacável sobre os congressistas no dia do encerramento do I Congresso do BOC, em 6 de novembro, sob o pretexto de que uma reunião de comunistas constituía ameaça à ordem pública. Dezenas de pessoas que participariam da sessão solene foram detidas, inclusive alguns jornalistas. A ação da polícia se repetiria no dia seguinte, na Praça Marechal Floriano, atual Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, para onde os comunistas convocaram um comício a fim de comemorar o aniversário da Revolução Russa e apresentar publicamente os candidatos do BOC à presidência da República.

Minervino de Oliveira aproveitou para, em seu discurso, protestar contra a arbitrariedade policial no dia anterior e para anunciar os nomes dos candidatos do BOC escolhidos durante o I Congresso. Quando Mário Grazzini ia usar da palavra, foi impedido pelos agentes policiais, que o levaram preso. Na sequência, a polícia resolveu dissolver o comício de forma violenta, atacando a multidão e atirando a esmo. Ao final, cerca de cem pessoas foram detidas e três feridas, das quais duas à bala.

A campanha dos comunistas, sob o slogan “Votar no BOC é votar pela Revolução!”, sofreu com a sistemática perseguição policial direcionada a seus militantes e candidatos. Afinal de contas, dentre as bandeiras políticas desfraldadas por eles, estavam: o reconhecimento da União Soviética, a anistia aos presos políticos, a autonomia do Distrito Federal, jornada de trabalho de 44 horas semanais, o voto secreto, o direito ao voto para as mulheres e os analfabetos e a redução do limite de idade para votar de 21 para 18 anos.

O próprio Minervino foi preso por diversas vezes, como em Ribeirão Preto (SP), quando presidia a realização de um congresso de trabalhadores agrícolas, e no bairro carioca de Bangu. Com as inúmeras fraudes do então “Café com Leite”, que gerou inclusive o Golpe de 1930 por parte de Getúlio Vargas, Minervino recebeu míseros 720 votos. Nas eleições anteriores, os candidatos do BOC haviam conseguido 1.922 votos apenas no Rio de Janeiro!

Mesmo após a chamada “Revolução de 1930”, a ascensão de Getúlio Vargas ao governo não representou refresco para a vida dos comunistas. Pelo contrário, a repressão continuou com tanta ou mais intensidade do que antes. Minervino de Oliveira teve praticamente cassado o mandato de intendente. Por contestar o governo golpista num comício na praça Mauá, foi mais uma vez preso e mandado para a Casa de Detenção. A anistia concedida por Vargas a seus adversários não colocou em liberdade o dirigente comunista, que permaneceu na cadeia, pois era visto como um preso político muito perigoso. Somente foi libertado em fevereiro de 1931, após quase 100 dias de prisão.

Quase nada se sabe sobre sua trajetória política e de vida após estes acontecimentos. Entretanto, o nome de Minervino de Oliveira já estava marcado na História: ao lado de Octávio Brandão, foi o primeiro parlamentar comunista no Brasil, além de primeiro candidato operário e negro à presidência da República.