Pobreza menstrual e luta anticapitalista
Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro
No último mês de maio, a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) publicaram o relatório intitulado “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, que trata do impacto da falta de dignidade menstrual na vida de jovens que menstruam no país. Apesar de ser um assunto em ascensão, a necessidade do debate se faz urgente devido a complexidade e a multidisciplinaridade do tema, tendo a raiz da sua erradicação na luta anticapitalista.
Pobreza menstrual é o termo utilizado para designar um fenômeno que denuncia a desigualdade social, racial e de renda, sendo caracterizado pela falta de recursos, infraestrutura e conhecimento para lidar com a própria menstruação. Essa violação de direitos tem um aspecto significativo na vida de jovens, sejam meninas, meninos trans ou não-binários, que menstruam; entretanto, o relatório apresenta dados somente em relação à situação das mulheres cisgêneras acerca do tema.
Segundo o relatório, 713 mil meninas (4,61% do total da pesquisa) não possuem acesso a banheiros ou água encanada em seus domicílios. Outro dado alarmante trata do acesso a itens básicos para higiene no ambiente escolar, como papel higiênico, água e sabonete ou mesmo um banheiro em condições de uso, em que 4 milhões de meninas (38,1% do total das estudantes) não possuem pelo menos um dos itens. De modo geral, constatou-se que 1 em cada 4 mulheres cis no Brasil sofrem com a pobreza e indignidade menstrual.
Muitas e muitos jovens que menstruam da classe trabalhadora não tiveram, em algum momento de suas vidas, ou não têm recursos para comprar produtos higiênicos voltados para o período menstrual, tendo que usar como alternativas folhas de jornal, meias, roupas velhas, terra ou outros, colocando em risco a sua saúde e se privando de acessar espaços públicos e/ou direitos sociais, como educação. Dessa forma, é frequente o caso em que as pessoas que menstruam deixem de frequentar certos lugares por essa limitação em conter seu fluxo e realizar sua higiene durante a menstruação. Assim, a sociedade patriarcal sustentada pelo sistema capitalista segrega e exclui menstruantes, impedindo que ocupem lugares de destaque, ou impossibilitando a ascensão dessas em diversas esferas: profissional, acadêmica, etc.
É preciso considerar que a pobreza menstrual está inserida em um contexto mais amplo de desigualdade social, racial e de gênero no país, além de uma política desastrosa de direitos sexuais e reprodutivos. A falta de acesso a políticas de educação sexual e reprodutiva adequadas também tem um impacto sobre a dignidade menstrual daqueles que menstruam. Não poder acessar informações sobre o sistema reprodutivo, o corpo que menstrua e o processo menstrual pode acarretar práticas inadequadas nos cuidados de higiene ocasionando alergias, irritações e, até em casos mais extremos, óbitos.
É importante ressaltar a desigualdade socioeconômica como um dos principais fatores para a permanência da indignidade menstrual, sendo impossível sua erradicação sem o fim da pobreza. Atualmente, 14 milhões de famílias vivem em situação de extrema pobreza no Brasil, ou seja, têm uma renda familiar per capita de até R$89,00. Nos últimos sete anos, segundo a Fundação Getúlio Vargas, enquanto a renda da metade mais pobre da população caiu cerca de 18%, somente o 1% mais rico teve quase 10% de aumento no poder de compra. Hoje são mais de 14 milhões de desempregados e 6 milhões de desalentados (que desistiram de buscar emprego) no país, enquanto 34 milhões de brasileiros estão em empregos informais.
Além desse enorme contingente de trabalhadores e trabalhadoras brasileiros vivendo hoje em condições precárias, sem acesso a emprego e renda, há ainda um desmonte da proteção e das políticas sociais no país, especialmente com a Emenda Constitucional 95 de 2016, as reformas da previdência e trabalhista. Educação, saúde, seguridade social e outros serviços públicos cada vez mais precarizados e não dando conta de atender às necessidades da população brasileira, especialmente aquela que mais precisa desses serviços.
Esse cenário dificulta e por vezes impede o acesso aos itens que não são considerados essenciais, como os produtos de higiene menstrual. Eles não são itens presentes nas cestas básicas distribuídas pelas políticas de assistência social; não são disponibilizados em escolas ou Unidades Básicas de Saúde através de uma política pública coordenada nos municípios, estados ou nacionalmente; não estão previstos nos itens que possuem redução de impostos para se tornarem mais acessíveis. Nas políticas econômicas do país, absorventes e outros itens de higiene menstrual não são considerados como essenciais e recebem uma alta tributação (a carga tributária total dos absorventes é de 27,5%), encarecendo o produto e limitando ainda mais o seu acesso. Há apenas duas legislações que minimamente contribuem para ampliar o acesso a tais itens, a lei estadual do Estado do Rio de Janeiro nº 8924 de 2 de julho de 2020, que inclui absorventes femininos como item na cesta básica e a lei municipal nº 6603 de 3 de junho de 2019, que dispõe sobre o fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas públicas do Município do Rio de Janeiro (cuja implementação não vem sendo garantida pelo executivo).
No último período, especialmente durante o Governo genocida de Bolsonaro-Mourão, vimos um desmonte em tais políticas. A atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Regina Alves, que se embasa ideologicamente pela doutrina fundamentalista cristã, tem atuado na contramão da efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos, e criado campanhas que pregam a abstinência sexual como política pública no lugar de políticas de educação sexual para as crianças e jovens, nas escolas, nas unidades de saúde ou nos serviços de assistência social. Dessa forma, a direita avança na tentativa de barrar a informação sobre nosso próprio corpo, nossas escolhas e nossas liberdades, além de utilizar a desinformação como forma de controlar a classe trabalhadora e minar nossa consciência de classe. Uma vez que a extinção da pobreza e indignidade menstrual estão intimamente ligadas à luta de classes: construção do socialismo e emancipação do proletariado!
Nós, do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, estamos presentes na luta das mulheres por condições dignas de vida, incluindo dignidade menstrual. Desde o início do ano passado, em diversas cidades do país, o Coletivo tem se somado ao Partido Comunista Brasileiro e seus demais coletivos nas brigadas de solidariedade às famílias e pessoas mais atingidas pela pandemia da COVID-19, organizando campanhas de doação de alimentos, roupas, produtos de higiene e limpeza e gás de cozinha. Para tentar amenizar os efeitos desastrosos da pobreza menstrual, nas cestas que distribuímos mensalmente, há absorventes descartáveis.
Apesar de não ser a melhor alternativa do ponto de vista ambiental, precisamos levar em consideração a realidade das famílias que atendemos, muitas das quais sem acesso a meios de higienizar coletores e outros itens. Defendemos e lutamos por políticas imediatas que melhorem a vida da classe trabalhadora como um todo, como, entre outras, emprego com salários dignos e estabilidade, saúde e educação públicas e gratuitas que estejam a serviço do povo, moradia digna, segurança alimentar e nutricional e plenos direitos sexuais e reprodutivos.
No entanto, essas ações não são suficientes para alterar o quadro da pobreza menstrual e garantir dignidade às pessoas que menstruam. É necessário ir às raízes da desigualdade social e derrubar esse sistema social que se baseia na opressão e exploração de nossa classe. Somente um futuro socialista, em que as trabalhadoras e os trabalhadores decidam os rumos de suas vidas vai garantir condições dignas para nossa existência.
POR UMA VIDA DIGNA ÀS PESSOAS QUE MENSTRUAM!
POR PLENOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS!
POR EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICAS A SERVIÇO DOS INTERESSES DO POVO!
POR UM FUTURO SOCIALISTA!