Argentina: um golpe de estado institucional
Eduardo Barcesat
O decreto de necessidade e urgência denominado “Desburocratização e Simplificação” atropela, segundo o olhar do constitucionalista, a divisão de poderes da República.
Desafiando a institucionalidade, o Governo Nacional acaba de abrir as comportas da divisão de poderes mediante a emissão, imediata publicação e entrada em vigência do Decreto 27/2018 (B.O. 11-01-2018), grosseiramente denominado “Desburocratização e Simplificação”.
Trata-se, quando não, de um decreto caracterizado como de “necessidade e urgência”, que invoca, porém não cumpre com as cobranças estabelecidas pelo art. 99, inc. 3º da C.N.
Recordemos o texto desta norma, como diz respeito aqui: “… O Poder Executivo não poderá, em nenhum caso, sob de nulidade absoluta e insanável, emitir disposições de caráter legislativo. Somente quando circunstâncias excepcionais tornarem impossível seguir os trâmites ordinários previstos por esta Constituição para a sanção das leis, e não se trate de normas que regulem matéria penal, tributária, eleitoral ou o regime dos partidos políticos, poderá ditar decretos por razões de necessidade e urgência, que serão decididos por um acordo geral de ministros que deverão referenda-lo, conjuntamente com o chefe de gabinete de ministros…”.
Agora, com um Congresso da Nação convocado a sessões extraordinárias pelo próprio PEN, o que é que impede as Câmaras do Congresso da Nação advoguem o tratamento de um projeto de lei que modifica – e derruba – a estrutura institucional do Estado de Direito, cujo pilar basal é a divisão de poderes?
A resposta é simples: não existe nenhuma razão de necessidade e urgência; simplesmente é mais efetivo, brutalmente efetivo, apropriar-se do domínio legislativo conferido ao Congresso da Nação que, vale recordar, é o primeiro dos três poderes que regula a Constituição Nacional, e que é o que melhor expressa, pela representação proporcional, o mapa da vontade política da República Argentina e o princípio da soberania do povo.
O art. 36 da C.N., uma das incorporações mais destacadas da Reforma Constitucional do ano de 1994, estabelece o dever de obediência à supremacia da Constituição Nacional, condenando da forma mais severa possível no ordenamento jurídico, os golpes de estado. E, embora seja claro, quando a usurpação do poder político é cometida de fora dos três poderes que formam o Governo Federal, bem cabe, na interpretação constitucional, examinar qual é a situação do dever de obediência à supremacia da Constituição Nacional quando a quebra do respeito e resguardo às incumbências dos poderes que integram o Governo da Nação é cometido por um Poder Executivo que transgredi, franca e abertamente, os limites de suas incumbências constitucionais, para apropriar, usurpar, as que competem aos outros poderes; no caso, as do Poder Legislativo da Nação.
É uma grosseria institucional a justificação que se ensaia no DNU 27/2018: “…que encontrando-se em recesso o HONORÁVEL CONGRESSO DA NAÇÃO, o transcurso do tempo que inevitavelmente envolve o trâmite legislativo implicaria um importante atraso na emissão das normas em questão, o que dificultaria o cumprimento efetivo dos objetivos do presente Decreto…”.
Parece que a falta de memória do conjunto integrado pelo Presidente da Nação Argentina, o Chefe de Gabinete de Ministros e o conjunto dos Ministros que, necessariamente, devem referendar a assinatura do Presidente, leva a que esqueçam que o Congresso da Nação se encontra em sessões extraordinárias, não existindo urgência alguma para “criar um atalho” para o trâmite de debate e sanção das leis. Nem muito menos habilitar que um simples decreto postergue ou suspenda a vigência da Constituição Nacional.
Além disso, de uma primeira leitura do extenso DNU, surge evidência que introduz modificações na normativa penal, processual penal e tributária, que estão expressamente vedadas ao Poder Executivo Nacional, sob sanção de nulidade absoluta e insanável (art. 99, inc. 3º, C.N.).
Estamos, sem dúvidas, ante um golpe de estado institucional perpetrado no momento mais débil para as instituições da república, e quando o Governo nacional acusa o impacto de seu crescente descrédito pelo debate sobre a reforma previdenciária, a repressão exercida sobre o povo da nação e o inquestionável fracasso do projeto econômico.
Recordemos, finalmente, que o próprio art. 36 da C. N. reconhece a todos os cidadãos o direito de resistência quando se desrespeita a supremacia da Constituição Nacional.
A oposição denunciou que é “uma tentativa de limitar a atividade parlamentar”
Pedirá a revogação do mega decreto de Macri
O deputado Agustín Rossi antecipou que a Frente para a Vitória (FpV) proporá a revogação do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) que, com a desculpa de “desburocratizar o Estado”, flexibiliza os controles para as empresas que descumprem a legislação trabalhista e permite entre outras coisas embargos diretos sobre as contas-salário, o que estava proibido, e outorga benefícios às empresas e ao setor financeiro. “Está claro que o presidente Mauricio Macri zomba do Parlamento”, denunciou.
O legislador nacional assegurou que pedirá que a Comissão Bicameral analise o decreto do Poder Executivo redigido com base na OCDE que, em 22 capítulos e 192 artigos, modificou mais de 140 leis e normativas.
“A lei de tratamento legislativo dos DNU indica que enquanto as câmaras não o repudiarem, o decreto está vigente. Assim, nas sessões ordinárias (que se iniciam em 1° de março) vamos pedir que o tema seja tratado no pleno para poder revoga-lo”, assegurou.
Além disso, Rossi qualificou esse decreto “a jato” publicado ontem no Boletim Oficial como “uma tentativa de limitar a atividade parlamentar” por parte do governo de Cambiemos. Defendeu também que essa norma “tem alguns itens que são claramente prejudiciais”.
Entre eles, citou o poder das entidades financeiras de “embargar as contas-salário” e, também, a mudança do destino dos investimentos do Fundo de Garantia de Sustentabilidade da ANSES. Essa norma estabelecia que os fundos deviam “ser direcionados para os investimentos produtivos, de maneira que as contribuições possam gerar vagas de emprego”. Agora, este processo ficou orientado ao sistema financeiro”, criticou.
Também questionou a modificação das licenças de importação. “Isto terá um impacto negativo na indústria nacional”, atestou. Também questionou o artigo que flexibiliza os controles às empresas que transgredem a legislação trabalhista. “Todas são questões que estão sendo exigidas (ao Governo) pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) para fazer com que a Argentina ingresse” a esse organismo e, também, “para liberalizar o comércio”.
No diálogo com a rádio La Patriada, o deputado nacional por Santa Fe estimou que, devido à extensão do DNU, o Governo “certamente vinha trabalhando há muito tempo” no texto. Sua hipótese é que foi feito assim para dar se sobrepor ao Congresso. “O oficialismo tem uma maioria instável em termos políticos”, e por este motivo, a gestão macrista “tentará limitar a atividade parlamentar”, concluiu.
Macri, melhor aluno de Menem: copiou texto de decreto de 1991
O governo copiou quase exatamente um parágrafo de um decreto de Menem. A única modificação feita na versão macrista foi a frase “economia popular”.
O extenso Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) N° 27/2018, publicado na quinta-feira no Boletim Oficial, além de possibilitar que os bancos possam embargar as contas-salário dos trabalhadores, abrir a porta a novas demissões no Estado e estabelecer novas medidas flexibilizadoras, também veio com um revelador dado de cor. Um parágrafo inteiro foi praticamente copiado de um decreto de 1991, promulgado pelo ex-presidente Carlos Saúl Menem.
A denúncia esteve circulando no Twitter e chegou aos meios de comunicação.
Nas considerações do decreto 2284/91, de 31 de outubro de 1991, se apresentava: “Que tendo iniciado a Nação uma nova fase de sua história política e econômica, caracterizada pela consolidação dos princípios constitucionais em todos os planos e a instauração de uma economia popular de mercado, a permanência de normas ditadas em outro contexto constitui um fator de atraso e entorpecimento do desenvolvimento nacional”.
No DNU de Macri, se diz: “Que tendo iniciado a Nação uma nova fase de sua história política e econômica, caracterizada pela consolidação dos princípios constitucionais em todos os planos e a instauração de uma economia pujante, competitiva e transparente, a permanência de normas ditadas em outros contextos constitui um fator de atraso e de entorpecimento do desenvolvimento nacional”.
O decreto de 1991 desregulou o comércio interior e exterior e liquidou as juntas reguladoras de carnes e grãos, que evitavam picos de preços no mercado interno. Foi parte de uma política de privatizações e flexibilização trabalhista a todo custo, que levou a números históricos os índices de desemprego e indigência na Argentina.
Agora, Macri se “inspira” em seu antecessor neoliberal para iniciar um novo corte de postos de trabalho e recursos estatais e beneficiar empresários que têm trabalhadores na ilegalidade. Além disso, permite embargar as contas-salário dos trabalhadores, uma medida que beneficia os Bancos e credores.
A cópia, é claro, veio com uma cota de edição, e não precisamente para torna-lo mais amigável que a de Menem, mas pelo contrário. Aonde no texto de 1991 dizia “economia popular de mercado”, para tentar mostrar o avanço neoliberal de maneira mais simpática para o povo trabalhador, Macro substituiu por “economia pujante, competitiva e transparente”, evitando assim qualquer confusão sobre os objetivos do governo.
Fonte original: Socompa, Página12, Tiempo Argentino.
Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2018/01/12/argentina-sobre-el-megadecreto-de-macri-un-golpe-de-estado-institucional-la-oposicion-pediran-la-derogacion-del-mega-decreto-macri-mejor-alumno-de-menem-copio-texto-de-decreto/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)