Caó foi um campeão da unidade sindical!
Ivan Pinheiro*
Tive o privilégio de compartilhar muitas lutas e articulações políticas com o então camarada do PCB, Carlos Alberto de Oliveira, mais conhecido como Caó, que presidia o Sindicato dos Jornalistas enquanto eu era presidente do Sindicato dos Bancários, ambos no Rio de Janeiro. Caó faleceu neste 5 de fevereiro, após anos de uma doença que o afastou da política e do jornalismo.
Caó saiu do PCB em 1981, nos marcos do rompimento de Luiz Carlos Prestes, vinculando-se ao PDT de Brizola, com vários outros camaradas do Rio de Janeiro. Mas continuou amigo do PCB e sempre no campo da esquerda socialista. Como Deputado Federal, foi autor da lei que definiu a prática de racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, que ficou conhecida com Lei Caó.
Não conheci no movimento sindical brasileiro, ao qual me dediquei intensamente entre 1978 e 1985, nem de longe, nenhum militante com a capacidade de construir consensos e costurar unidade de ação como o Caó.
Orador hábil, brilhante e carismático, Caó salvou muitas reuniões e eventos do fracasso ou do racha, com argumentação política consistente, falando o que era necessário falar, usando a franqueza sem faltar com o respeito, conciliando sem abrir mão de princípios.
Numa época em que o PCB era a força política mais importante no movimento sindical brasileiro e desenvolvia uma linha de ampla unidade sindical (a face da política de frente democrática contra a ditadura no meio sindical), Caó foi decisivo em vários episódios em que, à direita e à esquerda, batiam os tambores da divisão.
Conto aqui um episódio, que poucos conhecem
Entre 2 e 6 de agosto de 1979, reuniu-se em Gragoatá (Niterói – Rio de Janeiro) o Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais, organizado pelo Cebrad – Centro Brasil Democrático, criado pelo PCB e então presidido por Oscar Niemeyer, que teve importante papel na luta contra a ditadura. Este encontro foi decisivo para a criação das Intersindicais Estaduais e da CUT. Mas foi apagado da memória do movimento sindical brasileiro pelos petistas, hegemônicos a partir da segunda metade dos anos 1980, em sua narrativa de que o movimento sindical só começou no Brasil quando surgiu o PT!
Na véspera do encerramento do Encontro, criou-se uma grande divergência entre os dirigentes sindicais do PCB e aqueles que, sob a liderança de Lula, davam os primeiros passos para a fundação do PT. Estes exigiam a inclusão na declaração final de propostas problemáticas para o PCB, como o apoio à criação de “um partido de trabalhadores” e a açodada marcação de prazos para a realização de uma greve geral e a criação da CUT.
No sábado, reunimos o comando do Partido no Encontro, ficando Caó responsável por redigir o anteprojeto do que viria a ser a Carta de Gragoatá, procurando mediar as divergências sem escondê-las, ou seja, um texto capaz de unificar a plenária final.
Tarde da noite, começamos uma demorada reunião bilateral com Lula, Olívio Dutra e outros, onde discutimos exaustivamente todas as divergências e que se encerrou com a assinatura de todos os presentes no texto redigido pelo Caó, sem qualquer emenda! A plenária de domingo acabou mais cedo do que o previsto, com a Carta de Gragoatá aprovada por aclamação!
Nesta homenagem ao camarada Caó, que presto aqui certamente em nome do PCB, transcrevo a Carta de Gragoatá para trazer à luz esse episódio decisivo para a reconstrução do movimento sindical.
Carta de Gragoatá
Reunidos de 2 a 6 de agosto de 1979 em Gragoatá, Niterói, no Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais, representantes de trabalhadores do campo e da cidade de todas as regiões do País expressam, após amplos debates sobre a situação político-institucional e econômica, o compromisso de luta pela conquista da democracia, inseparável da resolução dos problemas que afetam a vida sindical. Entendem, por essa razão, que é essencial para os trabalhadores a plena e integral restauração das liberdades democráticas – de imprensa, de expressão, de livre associação e organização partidária – assegurando-se a cada brasileiro o direito de escolha dos seus governantes.
Mas, para que a democratização realmente se efetive, consideram indispensável que os canais de participação política sejam abertos aos trabalhadores – de tal maneira que eles possam usufruir da liberdade e autonomia sindicais, do direito de greve e da estabilidade no emprego, convertidos em princípios constitucionais que venham a ser aprovados em Assembleia Nacional Constituinte, livremente eleita e soberana.
Embora tenha sido determinada em grande parte pela ação dos movimentos grevistas que romperam as barreiras legais à autêntica atividade sindical, a “abertura” com que acena o Governo procura reduzir os trabalhadores a condição de meros espectadores do entendimento entre as elites, que pretendem modelar as transformações políticas segundo seus interesses.
As manobras de marginalização da classe trabalhadora se evidenciam claramente no anteprojeto de reforma da Consolidação das Leis do Trabalho, que reproduz a filosofia corporativista da legislação vigentes, com o que se pretende perpetuar a subordinação dos sindicatos ao Estado.
Ao repudiar o anteprojeto da CLT, exortam os assalariados das diversas categorias a que, através da sindicalização e da organização nos locais de trabalho, fortaleçam seus sindicatos, os quais, no processo de luta pela conquista da autonomia e liberdade sindicais, deverão ser coordenados por uma Central Única dos Trabalhadores.
Pressionado pelo povo brasileiro, o Governo é forçado a recuar, enviando ao Congresso Nacional um projeto de anistia. Embora parcial e restrito, o projeto é resultado do avanço das forças democráticas e populares e devolve a cidadania política a milhares de brasileiros. Mais uma vez, porém, a ação governamental discrimina social e politicamente, colocando à margem dos benefícios da anistia muitos milhares de trabalhadores afastados de seus empregos pela brutal repressão que se abateu, nos últimos quinze anos sobre a classe operária. Comprometidos com a luta por anistia ampla, geral e irrestrita, que liberte todos os presos políticos e restitua às suas ocupações todos os brasileiros delas afastados por motivos políticos, esperam os representantes dos trabalhadores do campo e da cidade que o Congresso Nacional saiba refletir na discussão e votação do projeto do Governo o desejo do conjunto da sociedade: desmantelamento dos aparelhos de repressão, revogação das leis e medidas de exceção, em suma, a abolição do regime de exceção em todos os planos.
Com base no princípio da plena liberdade de organização de partidos políticos, inerente ao regime democrático, os representantes sindicais presentes a este Encontro defendem o pluralismo político. Por conseguinte, denunciam e se opõem firmemente às tentativas de extinção dos atuais partidos por força governamental, qualquer que seja o pretexto utilizado para este fim. A liberdade de organização partidária por que lutam deve assegurar aos trabalhadores, assim como às demais forças e classes sociais, o direito de se expressarem através de partidos políticos.
Ao condenar o “modelo econômico” vigente, alertam para o risco de que a política de “economia de guerra” venha, na realidade, a representar, a pretexto de combater a inflação, um instrumento de sustentação da política do arrocho salarial, resguardando, no entanto, os lucros dos oligopólios nacionais e estrangeiros.
Para enfrentar tal situação, deve-se começar, desde já, em todos os locais de trabalho, uma ampla campanha de mobilização e conscientização política sobre os significados sociais da estratégia de recessão econômica, de modo que os trabalhadores estejam preparados, se necessário, para recorrer à greve geral.
Entendem os representantes dos trabalhadores do campo e da cidade de todas as regiões do País que o efetivo combate à inflação repousa na recuperação da economia, fundada num programa de gastos em habitação popular, transportes coletivos e urbanos, educação, saúde, lazer e saneamento básico. Para isso, torna-se indispensável a promoção das reformas financeira e tributária.
Sustentam também que a dinamização da agricultura, com justiça social, só será efetiva com a promoção da reforma agrária.
Pelo progresso e bem-estar do povo brasileiro!
Pela unidade de todos os trabalhadores!
Gragoatá, 6 de agosto de 1979.
*Membro da Comissão Política Nacional do PCB