Intervenção militar no Rio de Janeiro: os reais interesses do Governo Temer
OLHAR COMUNISTA – 17/02/2018
O Governo usurpador de Michel Temer, ao lado de sua quadrilha ministerial, anunciou uma intervenção militar no Rio de Janeiro. Valendo-se dos artigos 34 e 36 do capítulo VI da Constituição Federal, dispositivo constitucional nunca usado, autoriza o Governo a intervir militarmente em casos de riscos “a integridade do território brasileiro, reorganizar as finanças de uma unidade da federação ou repelir uma intervenção estrangeira”. O decreto de intervenção precisa especificar a amplitude, o prazo e as condições de execução da intervenção e, se couber, trazer o nome do interventor. No caso do Rio de Janeiro, o general do Exército Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste, é cotado para assumir a segurança pública do Rio.
O discurso oficial do governo golpista é de que a intervenção tem como tarefa central combater a violência na cidade do Rio de Janeiro, a qual representaria grande ameaça à ordem pública. O curioso é que, nas estatísticas referentes a homicídios por 100 mil habitantes, medida de violência mais usada no mundo, segundo dados de 2015 do Atlas da violência do IPEA, o Rio tem uma taxa de 30,6 por homicídios por 100 mil habitantes. Só a título de comparação, Sergipe e Alagoas têm, respectivamente, taxa de 64,1 e 58,3 por 100 mil, ou seja, o dobro do Rio de Janeiro. Os números indicam ainda que não houve um crescimento da violência nesta época do ano em relação ao ano passado. Houve, sim, um alarmismo produzido pela mídia burguesa, com destaque para os jornais da Rede Globo, durante o carnaval. Com certeza para nublar a péssima cobertura do desfile das escolas de samba e, em especial, o desconforto causado na emissora pela crítica contundente da Paraíso do Tuiuti, que deixou os “comentaristas globais” sem saber o que dizer.
É óbvio que a violência no Rio de Janeiro é um problema grave, que atinge principalmente os trabalhadores e a população mais pobre, mas a verdadeira solução jamais virá por meio da militarização da cidade. Essa solução foi a mais aplicada nos últimos quinze anos, sem qualquer efeito que representasse uma mudança real na vida das pessoas comuns.
O Rio de Janeiro é, nos últimos anos, o maior laboratório de políticas de militarização da vida social no Brasil. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) já foram apresentadas como a grande solução para a violência com a militarização em escala industrial de morros e comunidades e hoje está claro que este programa faliu.
O uso do Exército e da Força Nacional de Segurança, nos momentos de “crise de segurança”, também é uma constante no Rio de Janeiro, seja durante eventos pontuais, como Copa e Olimpíada, seja em ocupações permanentes ou de longa duração como no Morro da Maré e no Complexo do Alemão. Essas políticas, longe de reduzir a violência, ampliaram as denúncias de assassinatos, espancamentos, estupros e todo tipo de violação dos direitos humanos por parte dos agentes do Estado. Somente no ano de 2017, 25% dos assassinatos foram cometidos pela própria polícia.
A medida adotada pelo governo Temer aprofunda a escalada autoritária adotada com mais ímpeto após o golpe que tirou do poder a presidente Dilma. Mas há uma tendência de longo prazo de reorganização do padrão de dominação do Estado burguês no Brasil, com maior participação do aparato militar no controle e regulação da vida social. Desde a época da consolidação do neoliberalismo com o Governo FHC até hoje a militarização da vida social cresce em ritmo vertiginoso: a polícia militar vem assumindo cada vez mais funções civis (como segurança de presídios, gestão de escolas, segurança de hospitais etc.), o sistema carcerário é ampliado , há o incremento da ação das forças militares na segurança interna, aumento da letalidade do Estado, maior vigilância dos órgãos militares de inteligência sobre movimentos sociais, partidos políticos de esquerda e ativistas, crescimento do aparato repressivo, a exemplo da criação da Força Nacional de Segurança (no primeiro Governo Lula), fortalecimento no Judiciário de uma lógica intensamente punitivista e militarista no funcionamento do Estado etc.
Essa tendência de reorganização militarizada do Estado é uma resposta ao caos social, sempre crescente, em que vive a maioria da população brasileira. Como o capitalismo dependente brasileiro, regime de acumulação baseado na superexploração da força de trabalho, não consegue oferecer nada próximo a um Estado de bem-estar social para amortecer os conflitos de classe, a tendência histórica de fundo é uma ampliação crescente do Estado penal como mediação de controle dos explorados e oprimidos. E nunca é demais lembrar: esta tendência se manteve também nos governos de Lula e Dilma, a exemplo da Lei Antiterrorismo, sancionada em março de 2016, antes do impeachment.
O decreto de Temer tem como propósito maior esconder sua incapacidade de superar a crise sistêmica do capitalismo através da aprovação da retirada de direitos da classe trabalhadora. Mesmo com a reforma trabalhista e a lei de terceirizações já em vigor, a anunciada retomada do crescimento econômico nunca vem. E há o evidente fracasso no caso da contrarreforma da previdência. Apesar de a resistência das ruas ser abaixo do ideal, a quadrilha no governo não consegue aprovar com facilidade essa pauta tão cara à classe dominante.
Como forma de esconder o seu fracasso, desviar a atenção da opinião pública e de quebra ainda “testar” um novo modelo jurídico-político de controle social, surge a intervenção militar.
Em um momento tão grave como este não cabe qualquer vacilação e dúvida. Esse decreto não tem como real motivação reduzir a violência ou garantir a segurança pública, até porque isto somente seria possível de acontecer num governo que atacasse as causas profundas do fenômeno: as desigualdades sociais. É uma cortina de fumaça para desviar o foco do desgoverno Temer e dos ataques desferidos contra a classe trabalhadora e o povo. Mas trata-se de um perigoso precedente que busca institucionalizar a criminalização da vida social, avançando no caminho do golpe e da destruição dos direitos políticos e das liberdades democráticas duramente conquistadas durante a luta contra a ditadura de 1964-1985.
Somente a luta organizada dos trabalhadores e dos movimentos sociais poderá frear esta escalada autoritária, reverter as medidas antipopulares de Temer e iniciar um novo processo político em nosso país, rumo ao Poder Popular e o Socialismo.
Ilustração: Créditos: Marcos Serra Lima/G1.