Itália: veto do presidente Mattarella faz cair o governo Liga 5 Estrelas

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Achille Lollo

Na tarde de domingo, dia 27 de maio, o noticiário das 18h30min do canal 48, “News 24 Ore”, da RAI-TV, interrompeu sua programação para anunciar a rápida despedida do primeiro ministro, Giuseppe Conte – que havia sido empossado somente no dia 22. Em seguida aparecia o presidente Sergio Mattarella que, durante 7 minutos, explicava aos italianos: «… Tenho posto meu veto para a nomeação do candidato para a pasta da Economia, Paolo Savona, porque ele não oferece garantias, no que diz respeito à questão europeia! […] Esperei pacientemente durante 83 dias umas solução por parte dos dois partidos, a Lega e o 5Stelle! […] Porém não posso aceitar pressões de nenhum tipo, por isso, em breve vou tomar as devidas providencias estabelecidas pela Constituição!»

Passada meia hora, o porta-voz da presidência anunciava: «… O presidente da Republica Sergio Mattarella, vai reunir-se, na segunda-feira no Palácio Quirinale, com o economista Carlos Cottarelli para formar um governo institucional…». Em resposta, Matteo Salvini da “Lega”, exigia do presidente a imediata fixação de eleições antecipadas, enquanto Luigi Di Maio do “5Stelle”, juntamente à Giorgia Meloni, a líder do partido pós-fascista “Fratelli d’Italia (Irmãos Italianos), no comício para a eleição do prefeito em Fiumicino, ameaçou: «… Vou pedir ao Parlamento de se manifestar sobre a crise de governo provocada pelo presidente Mattarella e pedir o Impeachment para destituí-lo!...».

Uma proposta que acendeu o ânimo dos eleitores dos “5Stelle” de Fiumicino, porém desqualificou aos olhos da maioria dos italianos o perfil político de Luigi Di Maio, porque pedir, neste momento, o Impeachment contra o presidente Mattarella é bastante grave, porém, fazê-lo juntamente ao líder do partido pós-fascista é ainda pior! Por isso, Matteo Salvini e toda a direção do partido “Lega” não se atreveram em tocar este argumento, que Silvio Berlusconi, como bom oportunista, logo explorou para aparecer nas televisões como o defensor do presidente e assim tentar retomar a liderança da direita, agora seriamente ameaçada por Matteo Salvini.

A estranha formação do governo Lega/5Stelle

Normalmente a agência noticiosa ANSA – eternamente ligada aos jogos de poder — nos seus artigos direcionados no exterior, costuma minimizar as posições extremistas, xenófobas, racistas e populistas das lideranças do partido “Lega”, para colar a etiqueta “antieuropa” nas costas do partido de Luigi Di Maio e fazer crer que todos os nove milhões de eleitores deste partido são inimigos da União Europeia, prontos a abandonar o Euro e desejosos de voltar à inflacionada Lira Italiana. Assim, a ANSA agrada as direções do PD (centro-esquerda cada vez mais diluído no social liberalismo) e a cúpula de Forza Itália, eternamente presidida por Berlusconi que, fisicamente odeia Di Maio e o partido “5Stelle”.

Portanto, é preciso esclarecer que quem introduziu severas propostas anti-europeias no chamado “Contratto di Governo 5Stelle—Lega” (isto é, o acordo preliminar entre os dois partidos) foi Matteo Salvini, que conseguiu encurralar Di Maio e a direção do “5Stelle” em um “aceita ou vamos para novas eleições”. De fato, em caso de novas eleições antecipadas, todas as previsões indicam que a “Lega” vai crescer até 28%, permitindo ao bloco dos partidos da Direita (Lega/Forza Italia/FdI) alcançar os 40% e assim poder fazer um governo majoritário.

Por sua parte, a eminência parda do “5Stelle”, representada pela empresa “Casaleggio&Associati (consultora para estratégias digitais), elaborou a “Plataforma Rousseau” que, na realidade, é «… um sistema operativo ideado por Gianroberto Casaleggio para centralizar em um único plano o debate político no seio do partido 5Stelle, as posições dos seus deputados, do nível municipal até o Parlamento e definir as decisões que devem ser tomadas”.

O problema disso tudo não é o fato da referida Plataforma trabalhar no seu sistema operacional as posições de dois milhões de simpatizantes, mas quem administra e controla esse sistema, quer dizer a Associação Rousseau, fisicamente representada apenas por duas pessoas: David Casalageggio, filho do falecido Gianroberto e Beppe Grillo.

Talvez sido por causa disso que Luigi Di Maio aceitou todas as imposições da “Lega”, mesmo sabendo que o presidente Mattarella não queria que o novo governo sustentasse posições anti-europeias, sobretudo na véspera do Conselho de Europa, antes da eleição do novo diretor geral do Banco Central Europeu e, sobretudo na véspera da reunião com a Comissão Europeia que controla o andamento orçamental dos países da União Europeia. De fato o presidente já havia informado Di Maio e Salvini que «… considerava inoportuna a candidatura de Paolo Savona para a pasta de Ministro da Economia, por ser o ideólogo do abandono do Euro e a consequente saída da Itália da União Europeia...». Mesmo assim quando o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, foi no Palácio Quirinale para o presidente Mattarella legitimar a lista dos ministros do novo governo formado pela “Lega” e o “5Stelle”, o nome de Paolo Savona era o primeiro da lista!

A dívida e a questão europeia no “Contratto di Governo

A posição assumida pelo presidente Mattarella foi logo considerada um ato de servilismo em favor das agências de “Rating” (Moodys, S&P’s, Fitch, Standard&Poor’s) e dos banqueiros que os grupos de investimento alimentam no “mercado” suas especulações provocando a desvalorização dos títulos da dívida pública. Porém, na rede e nos programas noturnos de algumas emissoras começaram a circular muitas informações que esclareciam os motivos do veto do presidente, a jogada política de Matteo Salvini e a inexperiência política de Di Maio. Argumentos que podemos assim resumir:

1— A divida externa pública da Itália, avaliada em 133% do PNB, chegou a 2.281 bilhões de Euro (cerca de 10.000 bilhões de reais) quando Matteo Salvini exigiu que Paolo Savana fosse o futuro ministro da Economia. De fato, durante dez dias a divida externa pública cresceu 250 milhões de euro por dia, visto que as declarações de Salvini haviam provocado uma baixa na compra dos títulos da dívida italiana e o aumento do “Spread”, de 115 para 265!

Este fato deve ter alarmado o presidente Mattarella, porque os títulos emitidos pelo Banco Central Italiano, normalmente, detêm um valor alto, visto que o Banco Central Europeu, no âmbito do programa “Quantitative Easing”, compra regularmente este títulos. é evidente que a queda se deu quando Salvini e Di Maio continuaram a apostar na nomeação de Paolo Savona, que sempre foi partidário da saída da Itália da União Europeia. Pois, voltando a usar a Lira, a dívida externa pública perderia toda a cobertura financeira do BCE com consequências desastrosas, que fazem lembrar a crise da Grécia de 2015 ou o “default” da Argentina.

2— No “Contratto di Governo” não havia soluções financeiras imediatas relacionadas com o rebaixamento da dívida. Pelo contrário, era previsto o aumento da dívida em 400% para realizar investimentos que em um segundo tempo, com o crescimento da economia permitiriam implementar importantes medidas de poupança. Por outro lado não foram previstas medidas alternativas para evitar a desvalorização dos títulos da divida publica italiana, e a explosão do “spread”, correndo o risco de provocar uma grande crise econômica.

3— O chamado “Plano B” de Paolo Savona era uma espécie de imposição à Comissão Europeia e ao BCE, onde o novo governo ameaçaria a saída da Itália do Sistema Monetário Europeu (EURO), caso os burocratas de Bruxelas não tivessem permitido o aumento da dívida como prevista pelo governo. No mesmo tempo havia a incógnita do possível referendum popular que o próprio Luigi di Maio, havia apresentado na campanha eleitoral afirmando: «… Com o Referendum os italianos podem decidir a necessidade de redefinir o futuro das relações com a União Europeia!.».

Porém, Matteo Salvini na melhor verbosidade populista e sem alguma preciosidade diplomática, conclamava nas praças «… Vão à merda Bruxelas e todos seus burocratas, a Merkel e o Euro, que são uma escória que quer comprar nossas vidas e nos tornar seus escravos! […] A União Europeia é abjeta porque a moeda única é a antecâmara do pensamento único! […] Hoje quem defende o Euro ou é um idiota ou é de má fé! […] Diante disso, na esquerda sorriem como os imbecis!  ».

E o centro-esquerda e a esquerda?

Na Itália a esquerda vive o pior momento de sua história, em virtude da fragmentação partidária, da falta de representação na sociedade e, o que é mais grave, com uma grande incapacidade de dialogar com os setores populares explorados e, portanto, de mobilizar as camadas juvenis. Hoje a esquerda permanece dividida em sete partidos. Destes, a principal formação é “Liberi e Uguali” (Livres e Iguales), uma cisão do PD que alcançou 3,39%, enquanto a nova formação “Potere Al Popolo” (Poder ao Povo), criada um mês antes das eleições juntando a “Rete dei Comunisti”, setores de “Rifondazione Comunista” e muitos agrupamentos do movimento popular, alcançou 1,13%. Os outros cinco partidos são milimétricos com uma média de 0,10% cada!

Entretanto, nesse deserto político, o elemento mais interessante é, sem dúvida, o surgimento de “Potere al Popolo”, que foi constituído sem a ingerência desta ou doutra tendência e com base num programa mínimo abertamente classista, em virtude da massiva participação dos sindicalistas da nova confederação USB.

A centro-esquerda fica restrita ao Partido Democrático, onde Matteo Renzi operou uma “modernização” capilar cancelando tudo o que estava relacionado com o PCI de Togliatti, a opção social-democrata de Berlinguer, de forma que o conceito de “estado do bem-estar social” e, sobretudo “a concepção da luta de classes” foram literalmente banidos.

Agora o PD é um partido autenticamente social neoliberal, cujo antigo secretário, Pier Luigi Bersani assim define: «O PD se tornou o partido de Matteo Renzi e da sua tendência! Com ele o partido não é mais democrático, não é mais social porque é cada vez mais neoliberal! Por isso nas últimas eleições perdeu 21% dos votos, baixando do histórico 40%, obtido nas eleições europeias de 25 de maio de 2014, para os atuais 18,72% com apenas 6.134.727 eleitores. A maioria dos votos perdidos foram para o 5Stelle e no partido da abstenção!».

Nesse contexto esquerda e centro-esquerda não têm nenhuma possibilidade de influenciar ou de propor a formação de um governo alternativo à Lega.

De fato, a chamada “Plataforma Rousseau” que define o rumo político do partido “5Stelle” não contempla alianças com o PD e tampouco com os partidos ou os movimentos de esquerda.  Portanto, o futuro permanece obscuro e incerto, com a possível vitória, em outubro, do bloco da direita, liderado, desta vez por Matteo Salvini, que, certamente haverá destronizado o octogenário Silvio Berlusconi.

Na prática o presidente Mattarella pretende inviabilizar a jogada política de Matteo Salvini. Por isso, interveio convocando no Palácio Quirinale o economista Carlo Cottarelli, ex secretário para o tratamento da dívida no governo de Enrico Letta (2013/2014) e, no passado, alto funcionário do Fundo Monetário Internacional. De fato, todos os analistas admitem que com a nomeação de um governo institucional liderado por Carlo Cottarelli os mercados devem ficar tranquilos, pelo menos, até as próximas eleições, em outubro ou em maio de 2019. Depois….. ninguém sabe ou se atreve a preconizar o que vai acontecer!

Achille Lollo, é um jornalista e videomaker italiano. No Brasil foi diretor das revistas “Nação Brasil” e “Conjuntura Internacional”. Correspondente na Itália do jornal “Brasil de Fato” e colaborador  do “Correio da Cidadania”. Com o professor Luciano Vasapollo realizou os documentários temáticos sobre Cuba, Venezuela, Argentina e Bolívia. Atualmente está preparando a trilogia “Tupamaros-Montoneros-PRT / ERP” e a longa metragem “Operação Condor, em nome do God Money”. Traduziu o livro sobre Ernesto Che Guevara “Vámonos, nada más …”.