As ilusões perdidas no jornalismo burguês

imagemPor Antônio Lima Júnior*

Nesta última segunda-feira (25), vimos mais um show de horrores na dramaturgia do jornalismo político brasileiro. O Roda Viva, exibido pela TV Cultura, no ciclo de entrevistas com os presidenciáveis, entrevistou a pré-candidata do PCdoB, Manuela d’Ávila. Antes de mais nada, não custa recordar que, enquanto jornalista e militante do PCB, tenho enormes divergências com o programa político do PCdoB e de sua candidatura à presidência da República. Entretanto, diante da cena lamentável da entrevista, é preciso se engajar contra o pseudojornalismo do programa Roda Viva exemplificado nesta edição.

Durante a entrevista, Manuela foi interrompida 62 vezes, um recorde que mostra o quanto a política é misógina. Uma mulher pré-candidata não tem o direito de expor sua linha de raciocínio sem ser ridicularizada como uma candidatura falha pelo simples fato de ser mulher e seguir a lógica de que é natural interrompê-la, diferente dos demais candidatos que passaram pelo programa anteriormente.

O PCdoB há muito abandonou o comunismo, usando o nome apenas para se cacifar na esquerda. Entretanto, o time de entrevistadores aparentemente estava mais preocupado em “combater o fantasma do comunismo”, com perguntas que nada tinham a acrescentar aos telespectadores sobre o programa de governo da pré-candidata. Figuras como Stalin, Mao ou Enver Hoxha foram excomungadas no programa pelo simples prazer da difamação e da informação estilo fake news que o jornalismo padrão tão fingidamente sabe combater, usando da mesma arma quando necessário para seus fins ideológicos. Afinal de contas, a grande imprensa tem um lado na luta de classes e a entrevista, em conjunto com a de Guilherme Boulos [1], foi bem clara: comunismo não é tema cabível para os meios de comunicação e para isso qualquer arma é válida, até mesmo a informação imprecisa que hoje é bem nomeada de fake news.

Feito um Balzac do século XXI, a entrevista assombrou mais um fantasma da grande imprensa: o mito da imparcialidade. Qual a justificativa para, em uma entrevista com a presidenciável, escalar Frederico d’Avila para a roda de entrevistadores, que apesar do sobrenome é um homem assumidamente coordenador de campanha de outro presidenciável, o antagônico Bolsonaro (PSL)? Os meios de comunicação mostram nesse pequeno movimento que seu interesse nada mais é que ver o circo pegar fogo e gozar com a crise política que vivenciamos, para depois apontar os problemas que ela mesmo criou. Hoje a imprensa corre atrás de apagar o fogo que ela atiçou com a imagem do Bolsonaro, como datilografei em um texto anterior [2]. Brincando com as palavras de Marx, concluo que o jornalismo liberal traz consigo o próprio coveiro da liberdade de imprensa.

Muito se discute hoje na academia sobre as transformações da imprensa pós-século XX. O que antes era uma imprensa que, apesar de burguesa, tinha como missão a construção da opinião pública, agora temos uma visão de mercado: a informação virou consumo e mera prestação de serviço. As notícias são reguladas não pelo grau de influência na sociedade, mas pelos parâmetros de mercado, naquilo que dá ou não dá audiência. E o Roda Viva é a prova de como o jornalismo padrão está padronizado nessa lógica. Convoca especialistas que não têm nenhuma especialidade que não seja buscar o confronto direto com o entrevistado, por um punhado de likes ou na tentativa de jogar cascas de banana para que alguém caia e torne-se o meme do dia seguinte.

Ciro Marcondes Filho, na sua clássica obra “O capital da notícia”, ainda no final dos anos 1980, alertava para o caráter de cultivo da passividade na produção da notícia, tendo como consequência a despolitização do real. Assim, não estão preocupados em informar, tampouco em esclarecer o público. Atraídos pelo grande palco das redes sociais integradas aos meios padrões, os meios de comunicação só buscam o prazer da referência e do alcance. Aqui vemos a necessidade de perder as ilusões com esses meios de comunicação que são apropriados pelos interesses da burguesia. Décadas de uma esquerda que negou a pauta da democratização dos meios de comunicação quando estiveram gerenciando o poder burguês, em paralelo à instrumentalização das alternativas de comunicação, mostram o fracasso dessa política de conciliação, que só alimentou o contra-ataque da burguesia com um jornalismo cada dia mais deplorável e mesquinho.

Para construir uma outra comunicação, a saída é construir a consciência de classe dos seus operários da palavra, que, sob a ótica da alienação de classes, reproduzem a ideologia dominante. Do jornalista que prefere escrever “invasão” ao invés de “ocupação”, até os especialistas que nada dizem de especial, temos um longo combate à frente. E nessa guerra, todas as armas são válidas: ocupemos a comunicação! Seja ela alternativa ou oficial, seja ela uma webguerrilha ou a de corpo-a-corpo. Façamos como Lenin, uma imprensa que corra todo o país, para informar os trabalhadores de acordo com seus interesses, sem o lucro do sensacionalismo que goza com as misérias do povo.

1. Boulos no Roda Viva: a abertura inicial para a reorganização da esquerda socialista https://jornalismoproletario.blogspot.com/2018/05/boulos-no-roda-viva-abertura-inicial.html

2. A imprensa como fermento para o fascismo https://jornalismoproletario.blogspot.com/2017/10/a-imprensa-como-fermento-para-o-fascismo.html

*Dirigente do PCB do Ceará