Cabo Daciolo e o Plano URSAL ou a história se repete como farsa

“Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” (K. Marx, in O 18 Brumário de Luís Bonaparte)

Humberto Carvalho

Quem assistiu aos debates dos presidenciáveis, pela Band, deve ter sentido que Álvaro Dias, Jair Bolsonaro e Cabo Daciolo estavam unidos para “bater” nos candidatos do campo progressista, Guilherme Boulos e Ciro Gomes, por diferenças ideológicas e políticas. Alckmim, embora do mesmo campo conservador daqueles primeiros, também foi alvo dos referidos conservadores, não por diferenças ideológicas, mas por um pragmatismo eleitoral, tendo em vista que Alckmim, ao que tudo indica, é o candidato do establishment.

Cabo Daciolo, deputado federal não muito conhecido, foi eleito pelo PSol e dele expulso quatro meses após assumir a cadeira no legislativo. Passou pelo PTdoB e agora se encontra no Patriotas. Foi notícia ao propor uma mudança na Constituição Federal, em seu primeiro artigo, aquele que diz que todo o poder emana do povo, para “todo o poder emana de Deus”.

No debate, o cavalheiro em apreço questionou Ciro Gomes sobre a participação deste no Fórum de São Paulo e sobre o plano URSAL (suposta União de Repúblicas Socialistas da América do Sul), sendo este plano, obviamente, uma fake news. Mas, exposto com uma convicção, seguindo a orientação do nazista Goebbels de que uma mentira mil vezes repetida, torna-se uma verdade, Cabo Daciolo falou sobre a URSAL como uma realidade incontestável, ademais de, dizendo-se cristão, expressar um ódio em relação aos comunistas e ao comunismo, apesar do cristianismo pregar a tolerância e “a paz na terra entre os homens de boa vontade”. Posso estar errado, mas penso que cristianismo e discurso de ódio são, como dizem os franceses,  choses qui hurlent de se trouver emsemble, ou, por outras palavras, imcompatíveis entre si.

Passada a estupefação, lembrei-me do Plano Cohen que também era uma farsa, mas, exposto como real, foi a causa última da decretação do Estado Novo que durou de 1937 a 1945, a ditadura Vargas. Para refrescar a memória, lembremos que o Plano Cohen foi uma espécie de ensaio escrito pelo então Capitão do Exército Olímpio Mourão Filho, que, na época, era integralista, destinado a eventuais estudos do Estado Maior sobre uma possível guerra contra-revolucionária. Mais, tarde, em 1964, Mourão Filho, já general, sublevou seus comandados em Minas Gerais contra o Presidente João Goulart.

Note-se que o nome – Cohen -, é de origem judaica e sua atribuição ao “plano” é revelador do racismo e do antissemitismo, atribuindo a um judeu uma arquitetação do “mal”, expressando o preconceito muito comum à época. Mas, em 1937, aquele documento destinado a possíveis exercícios militares, tornou-se “oficial” como uma descoberta de um plano sinistro pelos serviços de inteligência e sua divulgação permitiu a declaração do “estado de guerra”, com a suspensão dos direitos constitucionais. Alguns estados-membros da federação se opuseram à declaração, justificando intervenções federais e, em 10 de novembro daquele ano, Vargas deu o golpe, instituindo o Estado Novo, cancelando as eleições previstas para 1938, e concedendo uma Carta Constitucional, denominada popularmente como a “Polaca” porque seria inspirada na Constituição Polonesa de abril de 1935, quando a Polônia era liderada pelo general e ditador Josef Pilsudski e previa um executivo forte, em detrimento dos demais poderes.

Este escrevinhador ousa discordar, pensando que a Carta de 37, delineada pelo então Ministro da Justiça, Francisco Campos, o famoso “Chico Ciência” (que escrevinhou o também famoso Ato Institucional nº 1 de 1964), teve inspiração na Constituição Castilhista de 1891 (não esquecer que Getúlio Vargas foi um discípulo de Júlio de Castilhos).

Mas, isso é uma outra história…O que interessa é refletir se o suposto plano URSAL pode gerar efeitos como os gerados pelo também inventado Plano Cohen. A fabricação do plano URSAL se destina, por óbvio, a criar um clima, apesar de fictício, que justifique, diante do “perigo vermelho”, uma intervenção militar, com todas as suas consequências.

E um outro Mourão, também general, da reserva, candidato a Vice-Presidente da República, em sua primeira intervenção como candidato, revelou um profundo preconceito racial ao afirmar que nós brasileiros temos a “indolência do índio” e a “malandragem do negro”.  Se os brasileiros são indolentes e malandros, segundo o general, por que quer candidatar-se a participar de um governo que poderá gerir os destinos do nosso povo, indolente e malandro? Forçar os brasileiros a um trabalho semi-escravo, já prenunciado pela “reforma trabalhista”, e assim acabar com as alegadas indolência e malandragem, seria a resposta?

Junte-se a isso, a recente notícia da negativa de ingresso em um clube de veleiros a família do músico e velejador Duca Leidecker, cuja esposa é a Deputada Federal Manuela D´Ávila, pelo fato de serem comunistas.Alerta: o clima de ódio e preconceito se alastra pelo País.  Basta convencer que é verdadeira uma farsa como o plano URSAL, para nos levarem a um inferno histórico, transformando uma farsa, aquilo que poderia ser uma piada, numa tragédia, como aconteceu com o Plano Cohen.

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