Educação, ciência e tecnologia para que projeto de nação?

imagemAllefy Matheus, militante da UJC-PI

Anteriormente, discutimos os cortes na educação e outros ataques no contexto da austeridade fiscal imposta pelas classes proprietárias (leia-se, parasitárias) no Brasil [1]. Pretendemos, aqui, levar o debate um pouco adiante: trata-se de discutir não apenas a situação conjuntural da educação, da ciência e da tecnologia, mas sim sua tendência ao longo do padrão de acumulação capitalista que se reproduz em nosso país desde os anos 90.

Primeiramente, adiantamos que o leitor ou leitora pode achar materiais com problematizações similares já publicados; veja-se, por exemplo, o artigo disponível em: http://ujc.org.br/a-destruicao-da-ciencia-e-tecnologia-no-brasil-e-a-necessidade-de-um-projeto-de-educacao-popular-e-socialista/.

Cabe-nos, então, prosseguir com a discussão.

O que significa discutir a questão da educação, da ciência e da tecnologia em termos de um ‘’projeto de nação’’? Trata-se de debatê-las como elementos de um projeto amplo de relações e instituições sociais no país, e pondo à mesa questões fundamentais como que educação, ciência e tecnologia são essas, como são elas? Que finalidade têm elas? A quem, consequentemente, elas beneficiam? Etc.

Desde já, portanto, é preciso afirmar que a produção nacional de educação, ciência e tecnologia se dá sob profunda hegemonia burguesa, inclusive naqueles centros universitários aclamados como estando ‘’os melhores entre os de toda a América Latina’’ [2]. É produção de conhecimento a serviço do capital, dedicando-se à geração de mão de obra e entregando para a ‘’iniciativa privada’’ os frutos de pesquisas científicas que poderiam ser de extremo benefício social, mas se convertem em fonte de lucros de monopólio.

Pior, talvez, é que mesmo essa privatização dos benefícios tornados possíveis pela produção social de conhecimento não se dá aperfeiçoando a estrutura produtiva nacional de forma a aumentar a produtividade social do trabalho aqui, pelo contrário: os próprios economistas burgueses, de diversas ‘’escolas diferentes’’, alardeiam a estagnação da produtividade do trabalho no Brasil [3].

Por que isso acontece? Em concordância com os estudos marxistas que buscam compreender a condição de subdesenvolvimento e dependência que caracteriza o Brasil (e todos os outros países latino-americanos, com exceção de Cuba, bem como países periféricos de outros continentes), cremos em uma conexão fundamental entre a situação da ciência, da tecnologia e da educação e o padrão de reprodução do capital aqui nas últimas décadas. Mais claramente: a forma concreta de reprodução ampliada do capital (e acumulação de riqueza privada) em nosso território nacional não se preocupa em promover a educação que corresponda às necessidades da vasta maioria da população, bem como de uma produção nacional autônoma de conhecimento científico e tecnológico.

A prova disso é a crescente importância do agrobusiness — um nome cinicamente pomposo para a acumulação capitalista baseada na renda da terra, envolvendo profunda violência contra os trabalhadores e os povos do campo — e, por outro lado, a decrescente importância da indústria na atividade econômica (da qual o PIB é um indicador razoável), bem como os crescentes lucros do setor bancário, mesmo em meio a uma crise profunda — ou seria como uma das causas da permanência da crise? [5]

Aliás, para sermos justos, mesmo a ‘’produção industrial nacional’’ tem, conforme estudo recentemente publicado, enorme coeficiente de importação em seus insumos [6], o que significa, dentre outras coisas, reduzida capacidade, para a indústria, de puxar geração de emprego e renda para os trabalhadores brasileiros, bem como de aumentar a produtividade social do trabalho.

Sintetizando, os grandes eixos de acumulação capitalista no Brasil das últimas décadas — o rentismo agromineiro, o rentismo financeiro, a produção industrial e, poder-se-ia citar também, o comércio — dispensam uma produção nacional autônoma de conhecimento científico tecnológico, seja por sua própria natureza, seja porque, quando lhes é de interesse a obtenção de novas máquinas e ferramentas mais eficientes ou novos processos produtivos, eles recorrem à produção estrangeira, isto é, às importações — tipicamente de países centrais.

A conclusão inevitável, para citar o camarada Jones Manoel em artigo mencionado acima, é que ‘’só com uma perspectiva estratégica renovada e ligada aos interesses e lutas das classes populares é que a problemática da produção de ciência e tecnologia poderá ser devidamente enfrentada no país no processo de construção socialista superando a dependência e o subdesenvolvimento. Nesse enfrentamento, desde já, é necessário ficar claro que a classe dominante, em seus mais diversos setores, nada tem a contribuir, mas são adversários a serem derrotados.’’

[1] https://pcb.org.br/portal2/23060/um-projeto-de-destruicao-nacional-e-a-necessaria-mudanca-de-rumo/

[2] http://ujc.org.br/as-universidades-brasileiras-sao-as-melhores-da-america-latina-melhores-para-quem/

[3] Veja-se, por exemplo, os trabalhos de economistas ‘’novo-desenvolvimentistas’’ como Luis Carlos Bresser-Pereira e Paulo Gala, e ‘’ortodoxos’’ como Pedro Cavalcanti Ferreira.

[4] https://istoe.com.br/estagnada-industria-tem-a-menor-fatia-do-pib-desde-o-final-dos-anos-40/

[5] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2018/06/18/internas_economia,689107/lucro-dos-bancos-cresce-em-2018-apesar-da-crise.shtml

[6] https://iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_929.html