Dirceu Lindoso: consciência dos oprimidos nas Alagoas

imagemGolbery Lessa – membro do Comitê Central do PCB

Faleceu Dirceu Lindoso, militante do PCB entre os anos 1950 e 1980, historiador e antropólogo alagoano. Teve uma vida e uma atuação pública, nos espaços da ciência e da política, exemplares. Sempre rejeitou o poder acadêmico e os bens materiais em benefício da liberdade de pesquisa e da adesão radical ao ponto de vista dos grupos étnicos silenciados e das classes oprimidas. Os negros quilombolas, os indígenas insurgentes, os mestiços estigmatizados, os brancos pobres da matas mucambeiras foram resgatados do esquecimento pelo espírito de Dirceu. Esse resgate, iniciado no livro “A Utopia Armada: rebelião de pobres nas matas do tombo real”, um clássico das ciências sociais, teve um forte impacto científico, cultural e político, pois fez aumentar a autoconsciência dos oprimidos no presente e, em consequência, fortaleceu os movimentos sociais e coletivos culturais contrários ao status quo em Alagoas.

Por essa brecha começou a passar toda uma reflexão sobre a cultura e a história da formação social alagoana fundamental para a superação, pela esquerda, do complexo de vira-latas que em determinadas quadras históricas se apodera de todos os povos. Começou-se a afirmar, sem cair numa alagoanidade ao gosto da classe dominante, sempre eivada de marechais, bispos e bacharéis, que essa parte do pais tem uma história e uma cultura incluídas nas do Nordeste e do Brasil, mas também com características próprias, singulares. E que é possível nos orgulhar da identidade e das lutas dos nossos ancestrais negros, indígenas, mestiços, operários, camponeses, imigrantes e brancos pobres. Ou seja, que existem várias Alagoas e podemos escolher aquelas mais justas, humanas e igualitárias para amar e reivindicar sem cairmos no bairrismo, sempre bronco, ridículo e reacionário.

Em cada época e formação social, em vários níveis de abstração, existe um máximo de consciência possível permitido pela configuração particular das relações sociais. Aceitar isso pressupõe, evidentemente, acreditar na noção marxiana de determinação social do pensamento, que foi muito bem aproveitada por G. Lukács e Lucien Goldmann, entre outros. Karl Marx expressou a consciência possível da sociedade regida pelo capital e apenas será superada em uma sociedade efetivamente comunista. Lenin traduziu a consciência possível da Rússia do início do século XX e Mariátegui cumpriu a mesma função no Peru. É possível deduzir, a partir dessas teses, que Dirceu Lindoso foi o indivíduo que até hoje melhor expressou a autoconsciência crítica das Alagoas, que melhor aproveitou as potencialidades científicas postas pelos olhares e as experiências dos grupos étnicos e das classes oprimidas. A escrita de Dirceu é a fala desses povos traduzida em linguagem científica, é a verdade histórica só acessível aos oprimidos, que não têm qualquer interesse na falsificação e no ocultamento das lutas de classe, gênero e etnia.

Mesmo sendo branco e tendo origens aristocráticas, Dirceu viveu e pensou como negro, operário, índio e pobre. Por esse motivo foi capaz de ser um gigante na ciência e na ética, se configurando em um indivíduo que viveu plenamente suas potencialidades por ter se harmonizado, via opção pelas classes oprimidas, com as necessidades universais do desenvolvimento humano. Hoje, é certo que Dirceu faleceu na sua dimensão biológica e como consciência individual, mas sua personalidade já se impregnou no imaginário do seu povo e sobreviverá em todas as gerações futuras.

Você ficará conosco para sempre, Dirceu, nosso guia intelectual e político, capitão de todas as matas mucambeiras, onde grassou, grassa e grassará a rebelião política e social dos oprimidos e injustiçados.