Nossa água contaminada
O Brasil é o maior mercado da Syngenta, e a empresa tem estado na mira de ativistas e reguladores há décadas / Andreas Frossard | Keystone
Pesticida da Syngenta contamina a água dos brasileirosAgrotóxico proibido na União Europeia é importado massivamente no Brasil e se encontra na água para consumo humano
BRASIL DE FATO
Igor Cardellini*
SwissInfo
A multinacional Syngenta, com sede em Basileia, exportou 37 toneladas de profenofós para o Brasil em 2018. A ONG investigativa suíça Public Eye vê isso como um negócio “imoral” – esse inseticida, proibido na Suíça desde 2005, é amplamente utilizado no Brasil para o controle de pragas de cebolas, milho, soja, café, tomate, algodão, feijão, batata, entre outros.A Public Eye publicou ontem seu relatório com base nos dados obtidos do Departamento Federal do Meio Ambiente. Se a venda deste produto no estrangeiro não for proibida, a ONG denuncia este “comércio imoral” e apela ao Parlamento para que “ponha fim a essas exportações tóxicas”.
“Este inseticida, que é usado principalmente nos campos de algodão, é extremamente prejudicial para os organismos aquáticos, aves e abelhas. É um neurotóxico poderoso (semelhante ao gás sarin) que pode afetar o desenvolvimento cerebral em humanos, especialmente em crianças”, disse Laurent Gaberell, chefe de agricultura e biodiversidade da Public Eye. No Brasil, o maior mercado da Syngenta, “resíduos de profenofós são encontrados na água potável de milhões de pessoas”.
A água envenenada do Brasil
Com base nos dados de 2018-2019 do programa de monitoramento de água do governo brasileiro, a Public Eye estima que em uma em cada dez amostras, os valores detectados são tais que a água em questão seria considerada imprópria para consumo na Suíça. Os estados de São Paulo e Minas Gerais são os mais afetados. Hoje, o mercado mundial de profenofós está estimado em 100 milhões de dólares. Estima-se que a Syngenta seja responsável por um quarto das vendas, segundo a Public Eye, usando dados produzidos pela empresa de pesquisa Phillips McDougall.
“A Syngenta não concorda com as descobertas da Public Eye”, diz Victoria Morgan, chefe das relações com a imprensa. Segundo ela, a ONG, no contexto da iniciativa das multinacionais responsáveis em particular, “está a conduzir uma campanha política”. Ela também diz que no Brasil, “o sistema regulatório é robusto”.
Autorização explícita
O Conselho Federal considera “desproporcional proibir completamente a exportação de pesticidas que não são autorizados para o comércio na Suíça”. Outras medidas que “dificultam menos a liberdade econômica” podem ser tomadas, disse o Conselho em 2018, em resposta a uma moção da deputada federal Verde Lisa Mazzone (Genebra) para impedir a exportação de pesticidas não autorizados na Suíça.
No entanto, devido aos “graves problemas de saúde ou ambientais” que estes produtos podem causar, o governo decidiu alterar as portarias relativas a certos produtos químicos. O Conselho Federal elaborou e submeteu à consulta um anteprojeto que prevê, entre outras coisas, que a exportação de determinados pesticidas perigosos, proibidos na Suíça, não exigiria mais apenas a obrigação de informar, mas a autorização prévia explícita do país importador.
“Esta é uma forma de transferir o fardo para os países importadores, mostrando que eles aceitaram explicitamente a importação de produtos perigosos para o seu território. Não vai mudar nada, já que estes pesticidas são autorizados nos estados em questão”, diz Gaberell. Considerando essa medida insuficiente, a Public Eye aponta “a responsabilidade da Suíça de não expor as populações de outros países a produtos considerados perigosos demais para serem utilizados na Suíça”.
Como lembrete, em novembro passado, o Relator Especial da ONU Baskut Tuncak instou Berna a proibir a exportação de pesticidas e outras substâncias cuja utilização é proibida na Suíça, lembrando que os Estados têm o dever de evitar a exposição a substâncias perigosas, incluindo pesticidas. Um dever que se estende para além das suas fronteiras.
Em seu documento de posicionamento em junho passado, a Syngenta declarou que rejeitava a ideia de autorização explícita, que introduziria uma “desvantagem competitiva” para as empresas. Além disso, para a multinacional, a seleção de cinco substâncias (atrazina, diafenthiuron, methidation, paraquat e profenofós) a serem submetidas a essa autorização é “arbitrária” e baseada em fontes e relatórios não referenciados. O despacho do Conselho Federal sobre um pacote de portarias, cujo conteúdo ainda não é conhecido, será apresentado ao Parlamento na Primavera.
A população provavelmente votará este ano na iniciativa para as multinacionais responsáveis, uma vez que não se chegou a um acordo entre as duas câmaras. O projeto básico visa responsabilizar as empresas domiciliadas na Suíça pelo respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente de suas filiais, e permitir que as vítimas levem os casos aos tribunais suíços.
A festa dos pesticidas
De acordo com dados publicados pelo Ministério da Agricultura do Brasil em outubro passado, o número de agrotóxicos liberados no país em 2019 passou para 382 – 57 a mais do que na avaliação anterior.
Quase metade dos princípios ativos de agrotóxicos liberados em território brasileiro são proibidos em países da União Europeia, conforme mostra o levantamento organizado por Gerson Teixeira, ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), publicado no fim de julho.
Nem todos os 497 princípios ativos autorizados no Brasil são passíveis de comparação com o quadro europeu. Isso porque 65 deles referem-se a substâncias derivadas e outros 79 não estão classificados pelas agências de saúde de lá.
Dos 353 princípios que sobram, 194 também são liberados nos países da União Europeia, e 155 são proibidos (44% do total).
Entre as substâncias liberadas no Brasil, 22 (ou 14,2%) são completamente banidas na Europa. Outros quatro princípios ainda estão sob análise, de acordo com o levantamento.
*Jornalista do La Liberté (Suíça)
Edição: SwissInfo