Lições da pandemia

imagemJorge Cadima – ODIARIO.INFO

Como haverá algum tempo disponível durante o confinamento, é importante ir acompanhando a informação que vem de muito lado, e ir retirando lições. Sobre os pés de barro das grandes potências capitalistas, a vulnerabilidade das suas economias, a extrema desigualdade das suas sociedades e a desumanidade dos interesses que as comandam. Sobre o fato de não se poder contar com a sua “solidariedade” para nada. Muito pelo contrário.

A pandemia terá um impacto tremendo. Põe a nu, e agrava qualitativamente, realidades sociais, econômicas e políticas. A marca de classe é evidente.

Antes de os EUA se tornarem o campeão mundial da pandemia, o Financial Times (6.3.20) antevia que a epidemia «poderia se alastrar aí mais depressa do que nos outros países», devido ao «alto número de pessoas sem seguros [de saúde], a inexistência de licenças médicas pagas e uma classe política que minimizou o risco». Na superpotência imperialista, onde não existe sistema público de Saúde, «mesmo aqueles que têm [seguros] podem ter dificuldades em pagar as contribuições que garantem esses cuidados». O New York Times dizia que o fechamento de escolas na cidade seria «um último recurso», pois «há cerca de 750 000 crianças pobres, incluindo cerca de 114 000 sem abrigo [!]. Para esses, a escola pode ser o único local que garanta 3 refeições quentes por dia e cuidados médicos, ou mesmo a lavagem da roupa» (9.3.20). O COVID-19 veio depois.

Na Itália, o epicentro da epidemia foi a região industrial da Lombardia. Mas como conta a jornalista Alba Sidera numa revista espanhola (ctxt.es, 10.4.20), «por incrível que pareça, a zona [Val Seriana, em Bergamo] com mais mortos de coronavírus por habitante na Itália – e na Europa – nunca foi decretada zona vermelha» devido às pressões dos grandes industriais da região. «Quem tem interesse em manter as fábricas abertas são, em alguns casos, os mesmos com interesses nas clínicas privadas». Foi apenas sob a ameaça de uma greve geral, perante as trágicas dimensões da epidemia, que foi decretado o encerramento das atividades não essenciais. Mesmo assim, a lista inicial de atividades essenciais incluía «a indústria armamentista e de munições» e os call-centers publicitários.

Em apenas 3 semanas, 17 milhões [!] de trabalhadores ficaram sem emprego nos EUA. As ajudas são escassas. Mas para o grande capital o dinheiro nunca falta. Já foram oficialmente reservados quase 5.000.000.000.000 de dólares. Como em 2008, o Estado vai pagar e endividar-se, mas o dinheiro público servirá para a banca lucrar e quem trabalha se endividar: «Embora os governos e bancos centrais forneçam grande parte do dinheiro, está se pedindo às financeiras que funcionem como ‘correia de transmissão’ para assegurar que o apoio chegue às empresas e consumidores que dele mais necessitam» (FT, 1.4.20). A Reserva Federal está comprando tudo, sem limites, para «evitar a derrocada dos mercados» (FT, 24.3.20). É a «’nacionalização’ dos mercados de títulos […] com muitas grandes empresas aproveitando para vender» (FT, 24.3.20) e até o «apoio ao mercado das dívidas de alto rendimento das grandes empresas» (FT, 9.4.20). O Zé Povinho que pague. As emergências servem também para isso.

A «guerra das máscaras» evidencia o salve-se quem puder, e também os efeitos de destruir a produção nacional. Mas não só: «a Alemanha irá proteger as empresas nacionais da tomada de controle pelo estrangeiro» (reuters.de, 20.3.20). Explica o Ministro de Estado da Baviera: «se a maior parte da economia da Baviera e da Alemanha acabar nas mãos de estrangeiros […] não terá sido apenas uma crise sanitária, mas uma alteração profunda da ordem econômica global […] temos que nos precaver». A realidade da ‘solidariedade Europeia’ é isto. A entrega da nossa soberania e da nossa economia é um crime.

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2420, 16.04.2020