A metamorfose da vacilação

imagemCharge: Mauro Iasi

Por H. Suricatto

A imprensa insiste em dizer que a esquerda está morta, que dela não se pode esperar uma oposição forte e consequente ao governo Bolsonaro, e que este por si só mina a “legitimidade” de seu mandato a cada entrevista ou Tweet, sem a necessidade de uma oposição centrada na atuação no Congresso. E que outras instituições acabam cumprindo esta oposição consequente, como o STF, parcelas do Congresso, governadores e outras entidades da sociedade civil, como a OAB e a CNBB. Note-se que a menção direta a partidos políticos é pouca, parecendo proposital, pois “os valores da democracia são universais e estão acima dos partidos políticos”.

Entretanto, algo é valido de se notar: a vacilação do PT diante do impeachment de Bolsonaro, palavra de ordem articulada por amplos espectros políticos, até por aqueles que foram seus aliados e o ajudaram a se eleger em 2018. Lula julga o impeachment precipitado neste momento [1] e que o ideal é que venha da sociedade – leia-se, instituições – e recomenda ao PT cautela [2]. Ao mesmo tempo, cada vez mais partidos políticos reivindicam o impeachment, ou a renúncia ou sei lá o que seja que tire o Bolsonaro da presidência.

Sobre como é uma divergência, em vários campos e mesmo dentro da esquerda revolucionária não há consenso. Entretanto, isso não convém discutir aqui, o que vale é expor qual é a estratégia petista por trás deste posicionamento. Se o PT já tinha uma estratégia de ver o Bolsonaro sangrar, para explorar os ataques realizados pelo Bolsonaro ao longo se seu mandato e voltar ao poder em 2022, com a saída de Moro do Ministério da Justiça e o potencial deste de prosseguir com uma
carreira política [3], a estratégia petista em não dar muito peso à saída de Bolsonaro neste momento ganha em coerência com seus objetivos de longo prazo.

Moro foi o principal algoz de Lula, nos processos da Operação Lava Jato, levando o ex-presidente à prisão em 2018, um inimigo dos petistas de peso até maior que Bolsonaro. Ter dois inimigos políticos “se matando” até lá [4] é interessante para os petistas, pois o desgaste de ambos pode o favorecer num futuro pleito eleitoral. Esta estratégia puramente eleitoral pode custar caro demais à classe trabalhadora e ao movimento operário brasileiro, se levarmos em conta o peso que o petismo ainda tem sobre diversas entidades dos trabalhadores como os sindicatos. A exemplo das manifestações contra as reformas trabalhista (2017) e da previdência (2019), quando entidades ligadas aos petistas deram pouco peso de maneira intencional na construção pelas bases destas
paralisações, propor uma solução dentro das instituições burguesas mantém massas de trabalhadores na ilusão da conciliação de classes. O oportunismo continua a todo o vapor.

Se o Golpe de 2016 foi uma demonstração clara da falência desta estratégia, a repetição desta estratégia é irresponsável neste momento em que Bolsonaro constantemente flerta com o golpismo e todas as ditas instituições democráticas vacilam em realizar uma ação mais contundente contra estes movimentos, como se viu no ato pró-intervenção militar de 19 de Abril em frente ao QG do Exército, com apenas inúmeros pronunciamentos em defesa do estado democrático de direito. O PT consegue se superar e se soma aos vacilantes “em defesa da democracia”, sem querer fortalecer em nenhum momento a democracia direta dos trabalhadores, seja nas entidades construídas por eles, seja no fortalecimento das experiências de democracia direta que estão surgindo nas periferias dos grandes centros urbanos, seja mesmo para organizar o “Fora Bolsonaro”.

Assim, como os ministros do STF dirigem frases fabulosas sobre os valores universais da democracia burguesa e não levarão até as ultimas consequências a defesa do estado democrático de direito – burguês, o PT, quando diz que apoia o “Fora Bolsonaro”, está, neste momento apenas na retórica. A esquerda classista estará atenta ao oportunismo. Colocar as bases que estão sob sua influência para confrontarem essa vacilação, tal como foi feita nas greves gerais recentes e nos ataques aos direitos historicamente conquistados através das lutas passadas e na precarização das condições de vida. Eles não levarão estas palavras de ordem para a prática se não forem pressionadas em todos os espaços onde são direções, pelos trabalhadores nos sindicatos, os estudantes na base das entidades estudantis, os moradores nos bairros onde o petismo é a força dirigente e/ou exerce uma forte influência. Devem ser pressionados a ir à luta, esse é o nosso papel, não há forma mais eficaz de combater o oportunismo senão o confronto contra os mesmos no momento em que a sorte do proletariado está em jogo.

Os ataques são graves demais para que suas soluções sejam jogadas para as eleições de 2022.

[1] – https://jc.ne10.uol.com.br/politica/2020/04/5607529-a-pedido-de-lula–pt-adota-
postura-cautelosa-sobre-impeachment-de-bolsonaro.html “a ausência de um movimento
mais enérgico sobre o impeachment de Bolsonaro por parte do PT – o que seria natural
dado ao espaço de oposição que os petistas possuem no Congresso Nacional -, pode ser
encarado com uma estratégia a longo prazo. De acordo com o cientista político Vanuccio Pimentel os desdobramentos da crise entre o presidente da República e o ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, podem ser muito mais interessantes para o PT, do que encarar de frente a proposta de impeachment neste momento”. O petista tardou a defender o impeachment: https://exame.abril.com.br/brasil/lula-defende-pela-primeira-vez-impeachment-de-bolsonaro/ somente em 26 de abril.
[2] – https://www.ultimoinstante.com.br/ultimas-noticias/lula-defende-impeachment-de-
bolsonaro-mas-diz-que-pedido-tem-de-vir-da-sociedade/317188/
[3] – https://oglobo.globo.com/brasil/apos-demissao-de-ministerio-moro-da-sinais-de-
que-vai-continuar-na-politica-24393433?fbclid=IwAR3vso0oDCmbXqAPKQs95M7kHgmaU35Vg_0k0gowHfFDadredX0A1AeGtHQ&quot. Moro também agiu politicamente ao deixar o governo e se cacifou para para ser candidato e alçar novos voos políticos, agora em carreira solo — afirma o cientista político Antonio Carlos Mazzeo da Universidade Estadual Paulista (UNESP). —É natural que inicialmente ele se retire para repensar o futuro, mas é provável que opte por
um futuro político.

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