É o fim do “Escola sem Partido”?
Imagem: Adnan Yahya
Uma importante vitória contra o projeto “Escola com Mordaça”!
Poder Popular MG
Por Fábio Bezerra*
No último dia 24 de abril, o Supremo Tribunal Federal julgou e declarou por unanimidade a inconstitucionalidade da legislação aprovada no município de Nova Gama, GO, que, a partir dos princípios do Movimento Escola Sem Partido, propunha a censura aos profissionais em educação com o propósito de se combater a chamada “ ideologia de gênero”.
Desde 2017 tramitam no STF diversas ações de inconstitucionalidade que versam sobre o mesmo tema.
Criado em 2004, o Movimento Escola Sem Partido (ESP) tem promovido uma verdadeira cruzada contra a liberdade de cátedra e, principalmente, contra a educação crítica e a diversidade temática que possa constar nos currículos e na didática do ensino.
O ESP, desde quando surgiu, tem focado sua ação contra o pensamento crítico, reproduzindo inverdades pedagógicas e estigmatizando e reduzindo de forma maniqueísta toda e qualquer expressão conceitual ou epistemológica que possa se contrapor a um determinado parâmetro tradicional e conservador.
Nesse aspecto, o ESP abrigou diversas vertentes de conservadorismo presentes em nossa sociedade e foi muito além da mera “preocupação” com a formação didática dos jovens estudantes.
O ESP conseguiu congregar desde terraplanistas e religiosos fundamentalistas avessos às perspectivas científicas, a ultraliberais e neofascistas que buscavam reprimir ou caluniar toda e qualquer perspectiva crítica e questionadora sobre a realidade social humana, chegando até ao moralismo comportamental censurando e criminalizando toda e qualquer discussão relativa a gênero, raça e etnia.
Tudo era taxado como “ideológico”, “doutrinário”, “subversivo” e “não natural ou convencional”, rebaixando-se o debate a meros procedimentos dualistas que segmentavam as posições entre o que é “certo” e o “errado”, entre o “bem” e o “mal”.
Além disso, os partidários do ESP atacaram docentes e Departamentos de Ensino, em especial das Universidades Públicas – procurando dessa forma desmoralizar essas instituições -, agrediram intelectuais progressistas e democratas, desdenharam de teorias científicas e promoveram intensas guerrilhas difamatórias pelas redes sociais e patrulhamento ideológico dentro e fora das salas de aula.
Os casos mais gritantes foram as investidas, muitas vezes ardilosamente planejadas e estimuladas por políticos da extrema direita em busca de prestígio entre suas bases, que manipulavam pais e mães a induzirem seus filhos(as) a promover provocações baixas em salas de aula com filmagens para posterior exposição difamatória e manipulada de professores(as) em redes sociais. Em especial docentes das redes públicas de ensino.
A partir de 2016 o ESP ganhou força e ampliou seu espectro político associando sua pauta de censura e criminalização pedagógica às pautas conservadoras que emergiram nesse período e foram assumidas por diversos partidos conservadores, tais como o PSL, DEM, Patriotas, entre outros, travando disputas em diversas câmaras municipais e assembleias legislativas.
O sensacionalismo midiático alimentado pelos preconceitos do senso comum, retroalimentando, por sua vez, esses preconceitos a um nível mais deletério ainda, foi sem dúvida, um dos principais instrumentos de persuasão e manipulação da opinião pública.
Os ataques a professores(as) das áreas de ciências humanas e de ciências naturais exprimiam muito mais do que posicionamentos conservadores a teorias críticas e científicas. Era sobretudo uma forma de desvalorizar essas áreas de conhecimento em favor da valorização de uma perspectiva produtivista, acrítica, com forte conteúdo moral fundamentalista, que por sua vez, foram utilizadas por aqueles(as) que destilaram argumentos sediciosos para tentar desprestigiar essas disciplinas durante a Reforma do Ensino Médio no Governo Temer.
Além disso, o ESP estabeleceu um modelo padrão de projetos que endossava a cruzada de ódio contra educadores(as) ativistas sindicais, as questões de gênero e também de Direitos Humanos, abrindo precedentes de perseguições e criminalizações diversas.
Não raro, inúmeras denúncias de abusos de autoridade e discriminação de todos os tipos foram registradas contra diretores(as) escolares e/ou Secretarias de Ensino ao sabor da lógica de “caça às bruxas” que imperou nos municípios e Estados onde os projetos inspirados no ESP foram aprovados.
Em suma, o ESP é parte de uma estratégia reacionária que combina o cerceamento à informação que se contraponha a um determinado status quo, o cerceamento ao debate e à reflexão crítica, associado a criminalização, chantagem, intimidação, perseguição e punição daquilo que não confere a manutenção de um determinado padrão conceitual sobre a realidade social, atendendo a determinados preceitos moralistas e ideológicos de matiz conservadora.
Mesmo com essa vitória importante, através de uma jurisprudência jurídica contra os projetos do ESP, isso não significa uma vitória final contra o retrocesso e a anticultura!
O ESP, em uma publicação recente em rede social, chegou a insinuar que agressões possíveis seriam o desfecho daqueles que queriam a censura nas redes de ensino contra educadores(as), o que revela a disposição truculenta e autoritária que é a essência desse agrupamento.
Além disso, com a pandemia do Covid-19, a tendência é que o ESP procure agora aproveitar o ensejo e apoiar a institucionalização, para o pós-pandemia, dos sistemas de ensino estilo “homeschool”, acoplados com o ensino à distância, o que, em suma, visa o mesmo intento de reprimir e ceifar toda e qualquer liberdade de cátedra e principalmente a possibilidade de acesso a informações que tratem, sem preconceitos e reservas moralistas, de temas relevantes à sociabilidade com base no respeito à diversidade e sobretudo a um ensino que forme cidadãos(as) questionadores(as) e conscientes de sua condição social a partir de determinado contexto histórico e político.
Entre tantos ataques e retrocessos vividos nos últimos anos, a votação ocorrida no último dia 24 de abril nos enche de esperanças e revigora o ânimo na luta contra o obscurantismo, o atraso cultural e o reacionarismo em curso no cenário conjuntural brasileiro.
Mas não podemos jamais computar esse acontecimento como se fosse a derrocada final da marcha conservadora. Até para que essa sensação de euforia e entusiasmo não se torne efêmera no transcurso das lutas que virão nos iludindo com a derrota do inimigo, festejando uma “vitória de Pirro”, devemos manter acesa a chama da resistência, da unidade e principalmente da atuação a mais ampla e contundente possível contra os intentos fascistas e os ataques à educação pública, gratuita, laica e democrática.
Ainda há muitas e muitas batalhas por vir. Venceremos!
* Professor de filosofia da tecnologia, membro da Rede Tecnologia de Extensão Popular e do Comitê Central do PCB.
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