Guerra Fria, anticomunismo e armamentismo
Marco César – militante do PCB de Osasco (SP)
Existe uma memória difusa sobre a Guerra Fria, que tende a enfatizar a irracionalidade da corrida armamentista e de seu suposto fundamento doutrinário: a mutual assured destruction, popularizada na expressão mad world. De acordo com esse entendimento, os EUA ( Estados Unidos da América) e a URSS ( União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) teriam se despido de quaisquer preocupações com a sobrevivência da raça humana, uma vez que ambos estariam dispostos a armarem – se continuamente, presumivelmente para garantir a paz !
O imaginário do ensandecimento geral também reduziu os conflitos entre os EUA e a URSS a meras disputas por áreas de influência . O desdobramento dessa hipótese colocou os dois Estados na mesma situação, farinhas do mesmo saco, cujo único objetivo seria a perpetuação de seus respectivos interesses, nessa ou naquela região.
O historiador Eric Hobsbawm abordou o problema dessa forma. Duas superpotências que se assenhoraram de algumas áreas de influência e procuraram mantê-las a todo custo. Assim, enquanto os objetivos geopolíticos estivessem preservados, para ambos os lados, a Guerra Fria jamais esquentaria, exceto em situações pontuais, como teria ocorrido, de acordo com Hobsbawm, em meados dos anos 70, período das revoluções anticoloniais na África e da Revolução Iraniana. ( HOBSBAWM, 1999 ; Cia das Letras, p. 242)
Se mudarmos a abordagem e considerarmos a Guerra Fria como um prolongamento da luta de classes no plano internacional , as conclusões a que chegaremos serão bem diversas. Para tanto, a análise de alguns pontos são essenciais.
O primeiro diz respeito ao processo de demonização da URSS e de construção do consenso em torno do anticomunismo. O sucesso da construção do imaginário anticomunista desdobrou–se em outras questões. Primeiramente, justificava a cruzada do ocidente contra a “cortina de ferro”. Em segundo lugar, enraizava uma percepção de nação, particularmente nos EUA, que estigmatizava os movimentos sociais enquanto expressões de sabotagens comunistas contra o americanismo. Finalmente, a demonização da URSS e o espraiamento do anticomunismo constituíram a base política de legitimação dos pesados investimentos na indústria armamentista, situação que alavancaria a acumulação de capital nos EUA, mas seria consideravelmente prejudicial à construção do socialismo na URSS.
Em segundo lugar, para os EUA, a legitimação ideológica da cruzada contra o “terror vermelho” deu ensejo às condições políticas necessárias à formação do complexo industrial-militar, o que significou a consolidação de um vínculo estrutural entre os gastos militares e o crescimento da economia estadunidense, além de implicar em outra forma de pressão sobre a URSS, que se via na contingência de acompanhar os gastos militares dos EUA, não tendo, porém, os mesmos recursos. Com o tempo, ficou claro que o enorme fluxo de investimentos no complexo industrial-militar representava também uma estratégia de estrangulamento econômico da URSS.
No que diz respeito à URSS, a situação apresentava-se um pouco mais complexa. A II Guerra Mundial explicitou o potencial de desenvolvimento de uma economia socialista e planificada . Contudo, se a performance da União Soviética demonstrou a tenacidade do socialismo, também suscitou atitudes mais hostis dos EUA e da Inglaterra. A este respeito, devemos considerar inclusive o impacto político das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Os artefatos atômicos implicaram em uma tragédia para os japoneses, que em poucos dias perderam por volta de 160 mil vidas. Entretanto, ao mesmo tempo, teve o caráter de demonstração de força por parte dos EUA, além de se tornar uma grande preocupação para a URSS, que se encontrava na mira do programa nuclear estadunidense.
Nesse contexto, enquanto as nações da Europa Ocidental se reconstruíam e intensificava-se a acumulação de capital nos EUA, a URSS viu-se obrigada a participar de uma disputa que consumia muitos dos seus recursos e direcionava suas forças produtivas à corrida armamentista. A longo prazo, os problemas colocados por tal “escolha” influenciariam o processo de restauração capitalista no início dos anos 90, que foi consideravelmente impulsionado pelos problemas que a Guerra Fria criaram ao longo de quase 50 anos.
Anticomunismo e Belicismo
Na construção do imaginário belicista e anticomunista merece destaque a atuação do ex-primeiro britânico, o notório conservador Winston Churchill. O ex-premiê saíra derrotado nas eleições para o parlamento britânico no ano de 1946. Político experimentado, adulado pela imprensa estadunidense, sagaz em suas frases de efeito e visceralmente anticomunista, Churchill teve importante papel na orientação militarista da política externa dos EUA, então sob o governo de Harry Truman.
A Churchill, aliás, coube o papel de tomar a iniciativa através de um discurso proferido a 5 de março de 1946, na cidade de Fulton, Missouri. Foi nessa ocasião que a expressão “cortina de ferro” foi utilizada pela primeira vez, na condição de alusão aos países socialistas da Europa centro-oriental. A sugestão de que os países europeus do bloco socialista viviam apartados do resto do mundo em virtude da onipresença do Exército Vermelho, ou de uma “cortina de ferro”, já nos coloca diante do primeiro fato relevante da Guerra Fria: a disposição dos Estados capitalistas em construírem um forte sentimento anticomunista em suas populações, ainda que tal construção fosse sustentada por boa dose de mentiras e uma gigantesca e multifacetada máquina de propaganda.
O que temos aqui é o prolongamento de um conflito no qual as omissões históricas tornaram-se constantes. Mas qual o sentido e os propósitos da ofensiva ideológica promovida pelas nações capitalistas, especialmente pelos EUA ?
Não podemos pensar que a questão se restringia à desqualificação do oponente. Ainda que a demonização da União Soviética e do bloco socialista fosse importante, igualmente relevante era a utilização da propaganda anticomunista para obstruir quaisquer focos de oposição interna, tanto nos EUA, quanto na Europa Ocidental.
No que diz respeito aos EUA, a propaganda ideológica de Estado remonta aos anos 1930. No ano de 1932, o Congresso Nacional estadunidense aprovara a liberdade de organização sindical. Incontinenti, o Departamento de Relações Públicas do Estado e um consórcio de grandes empresas, capitaneadas pela Ford, deram início a uma luta sem tréguas contra os sindicatos. Baseados no mito do “americanismo” e na rotulação de todas e quaisquer lutas sociais como expressões do diversionismo e da desarmonia, o mito do americanismo implicou em efeitos deletérios para o movimento sindical estadunidense, isolando-o e deslegitimando-o (CHOMSKY, 2019, Martins Fontes, p.p 23 – 26).
Tal política não se reduzia à desqualificação dos sindicatos. Ora explícita, ora implicitamente, a propaganda associava toda e qualquer forma de agitação política à vaga ideia de “terror vermelho” que insidiosamente somava-se com as bases morais do americanismo.
Posteriormente, durante a II Guerra Mundial, a pregação ficou ligeiramente adormecida. Terminada a guerra e o governo Roosevelt, foram reativados e aperfeiçoados os mecanismos capazes de produzir a histeria anticomunista; que agora, combinada com o terror nuclear, ensejou uma cultura do medo, cujo resultado expressou-se no apego irracional à tecnologia de guerra, o que se afastava de qualquer preceito ético ou de qualquer preocupação com o futuro da humanidade. Estava formado o que Herbert Marcuse chamou de homem unidimensional ( MARCUSE, 1982;ZAHAR, p.173).
No conjunto, os valores xenófobos e marciais penetraram os poros da sociedade estadunidense, de modo que a alternância entre republicanos e democratas jamais representou o menor obstáculo aos gastos astronômicos com a indústria armamentista, incluindo-se aí a produção de armas nucleares. Hoje, o complexo industrial-militar ainda exerce o papel de um dos principais centros dinâmicos da economia e tem peso significativo na pauta de exportações dos EUA.
A cruzada antissoviética e a corrida armamentisa
Outro aspecto importante refere-se à questão dos desacordos entre EUA e a União Soviética enquanto expressões do caráter de classes da Guerra Fria, que se traduzia no claro desejo de aniquilação da URSS, seja pela força das armas, seja pelo estrangulamento econômico.
A II Guerra Mundial demonstrou às forças do Eixo e também aos Aliados que a URSS, além de recursos naturais consideráveis, possuía uma forma de organização econômica capaz de redirecionar rápida e eficientemente o conjunto das forças produtivas para as necessidades imediatas, inclusive para produção bélica. Os fundamentos dessa flexibilidade residiam no controle estatal dos meios de produção e no planejamento centralizado da economia. Para os que observaram atentamente, a pujança revelada pela URSS demonstrava exatamente a vitória dos preceitos da Revolução Russa em todo o seu território.
Mas o pior pesadelo das potências ocidentais era o prestígio que a URSS vinha obtendo, de modo a servir de exemplo para vários povos e nações, inclusive na Europa Ocidental. De outro lado, para os EUA e para as nações alinhadas com sua política externa, tratava-se de destruir essa incômoda referência, fosse através do cerco ao seu território ou pelo sufoco econômico que a corrida armamentista pretendia provocar. Em pouco tempo, tal orientação foi ganhando corpo, mesmo sem o menor indício de hostilidades futuras por parte da URSS. A questão era outra, tratava-se de conter ou desqualificar as conquistas que uma eventual revolução socialista poderia trazer a outros povos do mundo. A URSS, mais do que um poderoso inimigo, era um poderoso estímulo que deveria ser combatido em todos os planos: no militar, no econômico, no político, no diplomático e no ideológico.
Enquanto os EUA aqueciam a Guerra Fria, a corrida armamentista intensificava-se, incluindo-se, evidentemente, a produção de armas nucleares. Por outro lado, após o discurso de Churchill em 1946 e do primeiro teste nuclear soviético em 1947, ficava claro que quaisquer acordos teriam que necessariamente passar pela ONU ( Organização das Nações Unidas) .
O historiador estadunidense J.P Morray (MORRAY, 1961; ZAHAR) fez extenso apanhado de documentos produzidos pelo Comitê de Segurança da ONU, bem como das várias comissões de desarmamento que foram se formando enquanto as tensões progrediam. Além da documentação escrita, Morray coletou inúmeros discursos proferidos no plenário da ONU e também fora dele. Desde o início observa-se que partiram da URSS as propostas mais consistentes no sentido de conter a produção de armas nucleares e reduzir o beneficiamento de materiais radioativos para fins militares. Invariavelmente, as propostas soviéticas ou eram vetadas nas comissões especiais ou no plenário da ONU. Os vetos dos representantes estadunidenses, sempre secundados pelo Reino Unido e frequentemente pela França, baseavam-se na alegação de que o fim do programa nuclear seria impraticável se a URSS não se despojasse de todos os seus armamentos convencionais.
Para a União Soviética essa exigência seria muito problemática, uma vez que a definição de uma zona de segurança, livre de hostilidades contra o território soviético, tornava-se cada vez mais improvável. De um lado havia a questão da reorganização do Estado polonês, cuja autoridade, sediada em Lublin, estabelecera-se com a chegada do Exército Vermelho. Na prática, foram os partidos operários e populares da Polônia, juntamente com o Exército Vermelho, que expulsaram os nazistas, de modo que seria inconcebível para a URSS e para os partidos populares a aceitação de um governo antissoviético e anticomunista, cujas principais lideranças permaneceram no exílio durante a ocupação nazista.
Na verdade, tal problema repetiu-se em toda a linha fronteiriça da URSS com a Europa Ocidental, incluindo-se a Alemanha. No caso da Alemanha, a sua divisão em duas áreas, oriental e ocidental, respectivamente sob controle da URSS e dos EUA, fora estabelecida no encontro de Potsdam e ratificada na Criméia e em Yalta. Na ocasião em que a divisão foi estabelecida, acordou-se o desarmamento total da Alemanha. Porém, os EUA, aberta ou clandestinamente, vinham despejando armamentos convencionais na Alemanha Ocidental, não obstante as constantes denúncias da URSS e de outros países membro da ONU. O resultado desse conflito foi a construção do famigerado muro de Berlin, que teve um caráter claramente defensivo.
Os casos da Polônia e da Alemanha são apenas dois de vários outros episódios de instrumentalização de oposições antissoviéticas ou anticomunistas nos países fronteiriços à URSS, mesmo naqueles em que as administrações ficaram sob responsabilidade soviética , como eram os casos da Hungria, Romênia e Tchecoslováquia.
Diante desse quadro, qual solução poderia ser construída? Para os EUA, as alternativas eram mais simples. Tratava-se basicamente de continuar com os programas de estímulo à produção armamentista, incluindo-se a produção de bombas atômicas.
Para a URSS o problema se apresentava diversamente. Para a defesa do Estado, não poderia abrir mão do aparelhamento do Exército Vermelho, nem do programa nuclear, ou, mais para frente, da corrida espacial. Entretanto, o esforço armamentista lhe pesaria mais, por fragilizada que se encontrava após duas guerras externas e uma guerra civil, sem contar o peso do atraso secular de sua economia, cuja correção se iniciara muito recentemente, com a Revolução de 1917. Nesse sentido, a questão central residia muito mais na preservação do Estado do que em qualquer aventura militar, como a ocupação da Europa Ocidental, por exemplo.
Como em todos os processos revolucionários, também a URSS encontrou-se numa situação em que a otimização dos seus sistemas de defesa era condição necessária ao enfrentamento da contrarrevolução. Como observa Lênin em “O Estado e a Revolução”, a manutenção de um exército revolucionário sempre foi uma necessidade de todas as revoluções diante de reações previsíveis das antigas classes dirigentes e de todos os demais inimigos internos e externos do Estado. A Guerra Fria, nesse sentido, foi apenas uma confirmação da tese leniniana. Tratou – se de um problema previsível historicamente e do qual não se podia fugir ( LENIN, 1980; Alfa e Ômega, p.p. 234 –239).
Um grande negócio para os EUA e um problema para a URSS
Como já foi observado, a URSS vinha de uma guerra civil e de duas guerras mundiais que devastaram seu território, destruíram muito do seu parque industrial e arruinaram sua agricultura. Contudo, enquanto os demais países da Europa faziam sua reconstrução sob os olhos vigilantes dos EUA e com o apoio econômico do Plano Marshall, a URSS, combalida como estava, viu-se na situação de continuar dirigindo boa parte de seus recursos econômicos para um novo esforço de guerra.
A situação dos EUA era muito vantajosa. Seu território não foi afetado durante o período das duas grandes guerras; ademais, dentre as nações imperialistas do bloco aliado, foi a que teve menos baixas em vidas humanas. Simultaneamente, o esforço de guerra estadunidense deu-se numa conjuntura de ampla oferta de capitais, numa economia já desenvolvida e integrada. Ao mesmo tempo, os gastos estatais em armamentos foram gradualmente acostumando alguns setores da economia aos crescentes dispêndios estatais em armamentos. Apenas para que tenhamos uma ideia, em 1948, tais gastos foram da ordem de 103.9 bilhões de dólares, cifra que se elevou para 442.3 bilhões no ano de 1953 e , com pequenas oscilações, continuaram crescendo durante todo o período da Guerra Fria. Notemos que a produção de armas, quaisquer que sejam, provocam o crescimento de economias complementares, sobretudo nas indústrias de componentes e mineradora, de modo que a política de gastos militares do Estado representaram e continuam representando, não o interesse de uma, mas de várias frações da burguesia.
Essa outra dimensão da Guerra Fria foi percebida pela URSS. Em 1951, no plenário na ONU, Malik, delegado da URSS na ONU no período de Leonid Brejnev, observou que a resistência dos EUA às medidas efetivas de desarmamento devia-se aos vínculos entre o Estado e a indústria de armamentos, incluindo-se aí o beneficiamento de material radioativo e a produção de bombas nucleares (MORRAY, 1961; ZAHAR, p.p. 210 – 211).
As economias estadunidense e europeia otimizaram a produção de bens de consumo, muitas vezes utilizando as tecnologias derivadas da indústria bélica. Em que pesem os enormes progressos científicos e tecnológicos da URSS, a sua economia, por outro lado, patinava num tipo de crescimento de caráter extensivo, carente de inovações tecnológicas na indústria civil e com sérias limitações no atendimento de necessidades básicas da sua população. Não por acaso, um dos fundamentos da perestroika, já nos meados dos anos 1980, era o estabelecimento de outro padrão de crescimento econômico, intensivo e centrado na produção de bens de consumo.
A reversão da economia soviética à nova orientação sugerida pela perestroika dependia, no entanto, do redirecionamento dos investimentos da indústria bélica para a produção civil, o que supunha o arrefecimento da corrida armamentista, reduzindo assim o padrão de gastos estabelecido pela Guerra Fria ( GORENDER, 1993; Atual Editora, p.p. 80 –82).
Bem que Gorbachev tentou! O premier soviético envidou uma série de esforços e propostas no sentido da redução dos arsenais estadunidense e soviético. Na verdade, o premiê tentava uma forma de convivência com o bloco capitalista/imperialista que soava algo patética. Enquanto a direção política do estado soviético tentava mostrar-se mais confiável, movimentos revolucionários anticapitalistas e anti-imperialistas pipocavam na América Latina e no Oriente Médio. Evidentemente, num cenário como esse, não se poderia esperar qualquer recuo dos EUA; aliás, muito ao contrário, o que se viu foi a intensificação dos investimentos no complexo industrial-militar estadunidense, simbolizado pelo projeto guerra nas estrelas de Ronald Reagan.
O que não escapou aos EUA foi o esgotamento econômico da URSS, motivado sobretudo pelo peso da corrida armamentista, que tornava-se cada vez mais insuportável, dando ensejo, internamente, ao crescimento da oposição restauracionista.
Basicamente foi a defesa do Estado socialista que determinou a entrada da URSS na corrida armamentista, entretanto, se tal situação estimulou a acumulação de capital nos EUA, ela também contribuiu decisivamente para a ruína econômica da URSS. Por sua vez, o declínio econômico reduziu o apoio dos trabalhadores, além de suscitar o aparecimento de lideranças demagógicas comprometidas com a restauração capitalista ( SADER, 1997; Paz e Terra, entrevista de Ernest Mandel ).
A Guerra Fria foi, portanto, a expressão evidente da luta de classes no plano internacional, que mais para frente, no início dos anos 90, assumiu o caráter de oposição interna à sobrevivência do Estado socialista. Se no percurso os interesses burgueses se entrelaçaram com os gastos dos Estados capitalistas, isso não invalida uma outra verdade: a de que o objetivo era o fim da URSS.
Em busca de uma nova Guerra Fria
Seria de se esperar que o fim da URSS reverteria a orientação belicista dos EUA e seus aliados. Não foi o que aconteceu, pois as vantagens dos capitalistas da indústria de armas e de outros setores direta ou indiretamente a ela vinculados já se encontravam profundamente arraigados, notadamente nos EUA. Os Estados, encontravam-se organicamente vinculados a tais interesses, enquanto o capital financeiro, bem como vários setores da indústria civil, também estavam enlaçados com as demandas do complexo industrial-militar. Nesse quadro, fazia-se necessário um novo inimigo e se a URSS já não contava mais, que a propaganda de Estado criasse outro!
Dessa fase em diante intensificou-se o combate ao narcotráfico e a ao terrorismo. Marcada por traços evidentes de racismo e xenofobia, a propaganda estadunidense, inclusive no setor de entretenimento, colocou uma placa de terrorista pendendo nos pescoços de todos os povos muçulmanos do Oriente Médio, enquanto as campanhas contra o narcotráfico estigmatizavam os povos afrodescendentes e nativos da América Latina.
Na verdade, as intervenções estadunidenses no Oriente Médio, sempre secundadas por Israel, bem como o aparelhamento de alguns exércitos latino-americanos, tinham como propósitos a manutenção dos gastos militares e o controle político-militar em regiões sobre as quais o tacão de ferro do imperialismo já se fazia presente.
São situações assim que explicitam a falta da União Soviética como fundamento material para a contenção da agressividade imperialista em todo o mundo. A ausência do Estado Socialista criou um vácuo que o imperialismo não hesitou em ocupar pelo uso da força , como nos Balcãs, no Oriente Médio, na África e na América Latina.
A União Soviética perdeu a Guerra Fria? Difícil responder. Pode-se dizer que a sua ausência desequilibrou a política internacional em favor do imperialismo. Ainda assim, não se podem negar os retrocessos, dentre os quais o simbólico. A esse respeito, a “derrota” traduziu – se na eliminação de um exemplo que alimentava ideologicamente e apoiava materialmente projetos de autodeterminação, liberdade e igualdade pelo mundo todo. Em suma, a restauração capitalista significou um revés para todas as lutas populares, assim como para a luta socialista. Derrota definitiva? Não, pois como sabemos, o fim da História é apenas um mito.
Bibliografia
CHONSKY, NOAN . Mídia – Propaganda Política e Manipulação. São Paulo : Martins Fontes, 2019.
HOBSBAWN, E.J., Era dos Extremos – O Breve Século XX, 1914-1991. 2ª edição, São Paulo : Cia das Letras, 1999.
GORENDER, JACOB. O Fim da URSS. 3ª edição, São Paulo : Atual Editora.
LENINE, V.I. Obras escolhidas, vol. II. São Paulo : Ed. Alfa e Ômega, 1980.
MARCUSE, HERBERT. A Ideologia da Sociedade Industrial – O Homem Unidimensional. 6ª edição, Rio de Janeiro : ZAHAR Editores, 1982.
MORRAY, J.P. Origens da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1961.
REIS FILHO, DANIEL AARÃO ; FERREIRA, JORGE E ZENHA, CELESTE (ORGS). O Século XX – O Século das Crises. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2005.
SADER, EMIR. Vozes do Século – Entrevistas da New Left Review. Rio de Janeiro/São Paulo, 1997