A história esquecida da esquerda judaica antissionista
LavraPalavra
Por Benjamin Balthaser. Entrevista realizada por Sarah Lazare em 13 de julho de 2020, para o In These Times. Tradução de Otávio Losada.
Uma conversa com o estudioso Benjamin Balthaser sobre o antissionismo judeu da classe trabalhadora nas décadas de 1930 e 40.
A pressão do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu para anexar à força até 30% da Cisjordânia ocupada expôs a violência inerente à imposição de um Estado-étnico judeu sobre uma população palestina autóctone. A organização de direitos humanos B’Tselem relata que, em preparação para a anexação, Israel aumentou suas demolições de casas palestinas na Cisjordânia em junho de 2020, destruindo 30 naquele mês, um número que não inclui demolições em Jerusalém Oriental. Podemos ver o vazio e a esterilidade de nos alinharmos a um projeto imperial americano.
O roubo e destruição de casas e comunidades palestinas, no entanto, é apenas uma peça de um projeto colonial muito maior – e mais antigo. Como escreve a organizadora palestina Sandra Tamari, “os palestinos foram forçados a suportar as políticas de expulsão e apropriação de terras de Israel por mais de 70 anos”. Hoje, essa realidade evoluiu para um sistema de apartheid aberto: os palestinos em Israel são cidadãos de segunda classe, com Israel agora legislando oficialmente que a autodeterminação é apenas para judeus. Os palestinos na Cisjordânia e em Gaza estão sujeitos à ocupação militar, cerco, bloqueio e lei marcial – um sistema de dominação violenta possibilitado pelo apoio político e financeiro dos Estados Unidos.
Os antissionistas argumentam que essa realidade brutal não é apenas o produto de um governo de direita ou do fracasso em obter uma solução de dois estados. Em vez disso, ela se origina do próprio projeto sionista moderno, estabelecido em um contexto colonial e fundamentalmente dependente da limpeza étnica e da dominação violenta do povo palestino. Judeus em todo o mundo estão entre aqueles que se autodenominam antissionistas e que se opõem veementemente à alegação de que o estado de Israel representa a vontade – ou interesses – do povo judeu.
O In These Times conversou com Benjamin Balthaser, professor associado de literatura multiétnica na Universidade de Indiana em South Bend. Seu artigo recente, “Quando o antissionismo era judeu: subjetividade racial judaica e a esquerda literária anti-imperialista da Grande Depressão à Guerra Fria”, examina a história apagada do antissionismo entre a esquerda judia da classe trabalhadora nas décadas de 1930 e 1940. Balthaser é o autor de um livro de poemas sobre a velha esquerda judaica chamado Dedicação, e uma monografia acadêmica intitulada Modernismo Anti-imperialista. Ele está trabalhando em um livro sobre judeus marxistas, pensamento socialista e antissionismo no século XX.
Ele falou com o In These Times sobre as origens coloniais do sionismo moderno e a disputa da esquerda judaica com ele, alegando que é uma forma de nacionalismo de direita, é fundamentalmente oposto ao internacionalismo da classe trabalhadora e é uma forma de imperialismo. De acordo com Balthaser, essa tradição política enfraquece a afirmação de que o sionismo reflete a vontade de todo o povo judeu e oferece sinais para os dias atuais. “Para os judeus nos Estados Unidos que estão tentando pensar sobre sua relação não apenas com a Palestina, mas também sobre seu próprio lugar no mundo como uma minoria etnocultural diaspórica historicamente perseguida, temos que pensar de que lado estamos, e com quais forças globais queremos nos alinhar”, diz ele. “Se não quisermos ficar do lado dos algozes de extrema direita, do colonialismo e do racismo, há um recurso cultural judaico ao qual podemos recorrer – um recurso político ao qual recorrer”.
Sarah Lazare: Você pode explicar qual é a ideologia do sionismo? Quem o desenvolveu e quando?
Benjamin Balthaser: Algumas coisas precisam ser desemaranhadas. Em primeiro lugar, há uma longa história judaica que antecede a ideologia do sionismo que olha para Jerusalém, o antigo reino da Judéia, como um local de anseio cultural, religioso e, pode-se dizer, messiânico. Se você conhece a liturgia judaica, há referências que remontam a milhares de anos à terra de Sião, a Jerusalém, o antigo reino que os romanos destruíram. Tem havido tentativas ao longo da história judaica, desastrosamente, de “retornar” à terra da Palestina, a mais famosa, Sabbatai Zevi, no século 17. Mas na maior parte, ao longo de grande parte da história judaica, “Israel” foi entendido como uma espécie de anseio cultural e messiânico, mas não havia desejo de realmente se mudar fisicamente para lá, fora de pequenas comunidades religiosas em Jerusalém e, é claro, o pequeno número de judeus que continuaram a viver na Palestina sob o Império Otomano – cerca de 5% da população.
O sionismo contemporâneo, particularmente o sionismo político, utiliza esse grande reservatório de anseio cultural e texto religioso para se legitimar, e é aí que vem a confusão. O sionismo moderno surgiu no final do século 19 como um movimento nacionalista europeu. E eu acho que essa é a maneira de entender isso. Foi um desses muitos movimentos nacionalistas europeus de minorias oprimidas que tentou construir a partir das diversas culturas da Europa Ocidental e Oriental Estados-nação etnicamente homogêneos. E havia muitos nacionalismos judeus no final do século 19 e no início do século 20, dos quais o sionismo era apenas um.
Houve o Bund judeu, que foi um movimento socialista de esquerda que ganhou destaque no início do século 20 e articulou um nacionalismo desterritorializado na Europa Oriental. Eles sentiam que seu lugar era a Europa Oriental, sua terra era a Europa Oriental, sua língua era o iídiche. E eles queriam lutar pela liberdade na Europa, onde realmente viviam. E eles sentiram que sua luta pela libertação era contra governos capitalistas opressores na Europa. Se o Holocausto não tivesse destruído o Bund e outros socialistas judeus na Europa Oriental, poderíamos estar falando sobre o nacionalismo judeu em um contexto muito diferente agora.
Claro, houve experimentos soviéticos, provavelmente mais famosos em Birobidjã, mas também um muito breve na Ucrânia, para criar zonas autônomas judaicas dentro dos territórios em que os judeus viviam, ou em outro lugar dentro da União Soviética, enraizado na ideia iídiche de doykait, hereditariedade diaspórica e língua e cultura iídiche.
O sionismo foi um desses movimentos nacionalistas culturais. O que o tornou diferente foi que ele se enxertou no colonialismo britânico, uma relação explicitada com a Declaração Balfour em 1917, e realmente tentou criar um país a partir de uma colônia britânica – o Mandato Palestina – e usar o colonialismo britânico como forma de ajudar a estabelecer-se no Oriente Médio. A Declaração Balfour foi essencialmente uma forma de usar o Império Britânico para seus próprios fins. Em algum nível, você poderia dizer que o sionismo é uma mistura tóxica de nacionalismo europeu e imperialismo britânico enxertado em um reservatório cultural de tropos e mitologias judaicas que vêm da liturgia e da cultura judaica.
Sarah: Um dos fundamentos do sionismo moderno é ser uma ideologia que representa a vontade de todos os judeus. Mas em seu artigo, você argumenta que a crítica ao sionismo era na verdade bastante comum na esquerda judaica nas décadas de 1930 e 40, e que essa história foi amplamente apagada. Você pode falar sobre o que foram essas críticas e quem as fez?
Benjamin: A parte engraçada sobre os Estados Unidos, e eu diria que isso se aplica principalmente à Europa, é que antes do fim da Segunda Guerra Mundial, e mesmo um pouco depois, a maioria dos judeus menosprezou os sionistas. E não importava se você fosse um comunista, não importava se você fosse um judeu reformista, o sionismo não era popular. Havia muitos motivos diferentes para os judeus americanos não gostarem do sionismo antes dos anos 1940.
Há a crítica liberal do sionismo mais famosa articulada por Elmer Berger e o Conselho Americano para o Judaísmo. A ansiedade entre essas pessoas era que o sionismo seria basicamente um tipo de lealdade dupla, que abriria os judeus para a alegação de que não são americanos de verdade e que, na verdade, frustraria suas tentativas de assimilar a cultura americana dominante. Elmer Berger também encaminhou a ideia de que os judeus não são uma cultura ou um povo, mas simplesmente uma religião e, portanto, nada têm em comum uns com os outros fora da fé religiosa. Esta, eu diria, é uma ideia assimilacionista que surge das décadas de 1920 e 1930 e tenta se assemelhar a uma noção protestante de “comunidades de fé”.
Mas para a esquerda judaica – esquerda comunista, socialista, trotskista, marxista – sua crítica ao sionismo veio de dois lados: uma crítica do nacionalismo e uma crítica do colonialismo. Eles entenderam o sionismo como um nacionalismo de direita e, nesse sentido, burguês. Eles viam isso como em linha com outras formas de nacionalismo – uma tentativa de alinhar a classe trabalhadora com os interesses da burguesia. Houve na época uma conhecida derrubada de Vladimir Jabotinsky nas Missas Novas em 1935, em que o crítico marxista Robert Gessner chama Jabotinsky de um pequeno Hitler no Mar Vermelho. Gessner chama os sionistas de nazistas e a esquerda em geral viu o nacionalismo judaico como uma formação de direita tentando criar uma cultura militarista unificada que alinha os interesses da classe trabalhadora judaica com os interesses da burguesia judaica.
Essa é uma crítica ao sionismo. A outra crítica do sionismo, que acho mais contemporânea à esquerda hoje, é que o sionismo é uma forma de imperialismo. Se você olhar os panfletos, revistas e discursos feitos sobre a esquerda judaica nas décadas de 1930 e 40, verá que os sionistas estavam se alinhando com o imperialismo britânico. Eles também estavam bem cientes do fato de que o Oriente Médio foi colonizado, primeiro pelos otomanos e depois pelos britânicos. Eles viram a luta palestina pela libertação como parte de um movimento anti-imperialista global.
Claro, os comunistas judeus se viam não como cidadãos de um estado-nação, mas como parte do proletariado global: parte da classe trabalhadora global, parte da revolução global. E então para eles pensarem em sua terra natal como esta pequena faixa de terra no Mediterrâneo – independentemente de qualquer afinidade cultural com Jerusalém – seria apenas contra tudo em que acreditam.
Como o Holocausto começou para valer na década de 1940, e os judeus estavam fugindo da Europa de todas as maneiras que podiam, alguns membros do Partido Comunista defenderam que os judeus deveriam ter permissão para ir para a Palestina. Se você está fugindo da aniquilação e a Palestina é o único lugar para onde você pode ir, isso é natural. Mas isso não significa que você pode criar um Estado-nação lá. Você precisa se relacionar da melhor maneira possível com as pessoas que vivem lá. Houve um partido comunista da Palestina que defendeu a colaboração judaica e palestina para expulsar os britânicos e criar um estado binacional – o que, por uma série de razões, incluindo a natureza segregada do assentamento judaico, se mostrou mais difícil na prática do que na teoria.
De qualquer forma, a esquerda judaica nas décadas de 1930 e 1940 entendeu, criticamente, que a única maneira de o sionismo surgir na Palestina seria por meio de um projeto colonial e da expulsão dos palestinos autóctones (indigenous) da terra. Em um discurso de Earl Browder, presidente do Partido Comunista, no Hipódromo de Manhattan, ele declara que um estado judeu só pode ser formado por meio da expulsão de 250 mil palestinos, o que os participantes consideraram muito chocante na época, mas na verdade acabou sendo uma dramática subcontagem.
Sarah: Você escreveu em seu recente artigo de jornal, “Talvez a narrativa mais difundida sobre o sionismo, mesmo entre estudiosos e escritores que reconhecem seu status marginal antes da guerra, é que o Holocausto mudou a opinião judaica e convenceu os judeus de sua necessidade”. Você identifica alguns furos importantes nesta narrativa. Você pode explicar o que são?
Benjamin: Eu alteraria um pouco isso para dizer que estou realmente falando sobre a esquerda comunista e marxista neste contexto. Eu cresci em uma família de esquerda onde as opiniões estavam definitivamente divididas sobre a questão do sionismo – mas, no entanto, havia uma ideia generalizada de que o Holocausto mudou de opinião universalmente e todos se alinharam assim que os detalhes do Holocausto foram revelados, sionistas e antissionistas.
É inegavelmente correto dizer que sem o Holocausto provavelmente não haveria Israel, nem que fosse pelo simples fato de que houve um influxo maciço de refugiados judeus após a guerra, que sem dúvida teriam permanecido na Europa de outra forma. Sem esse influxo de judeus que poderiam lutar na guerra de 1948 e povoar Israel logo depois, é duvidoso que um estado independente de Israel pudesse ter sido bem-sucedido.
No entanto, uma coisa que achei mais surpreendente ao passar pela imprensa de esquerda judaica na década de 1940 – publicações do Partido Trotskista Socialista dos Trabalhadores, do Partido Comunista e escritos de Hannah Arendt – é que mesmo depois que o escopo do Holocausto foi amplamente compreendido, a posição oficial ainda era antissionista. Eles podem ter pedido que os judeus fossem autorizados a se reinstalar nas terras de onde foram expulsos ou massacrados, com plenos direitos e plena cidadania, permissão para imigrar para os Estados Unidos, ou mesmo permissão para emigrar para a Palestina se não houvesse lugar algum mais para ir (como era frequentemente o caso). Mas eles ainda eram totalmente contra a partição e o estabelecimento de um estado exclusivamente judeu.
O que é importante entender sobre aquele momento é que o sionismo foi uma escolha política – não apenas pelas potências imperiais ocidentais, mas também pela liderança judaica. Eles poderiam ter lutado mais arduamente pela imigração judaica para os Estados Unidos. E muitos dos líderes sionistas realmente lutaram contra a imigração para os Estados Unidos. Houve uma série de histórias relatadas na imprensa comunista judaica sobre como os sionistas colaboraram com os britânicos e americanos para forçar os judeus a irem para o Mandato da Palestina, quando preferiam ir para os Estados Unidos ou a Inglaterra. Há uma citação famosa de Ernest Bevin, o secretário do Exterior britânico, que disse que a única razão pela qual os Estados Unidos enviaram judeus para a Palestina foi “porque eles não querem muitos mais deles em Nova York”. E os sionistas concordaram com isso.
Embora isso possa parecer uma história antiga, é importante porque perturba o senso comum em torno da formação de Israel. “Sim, talvez pudesse ter havido paz entre judeus e palestinos, mas o Holocausto tornou tudo isso impossível”. E eu diria que esse debate depois de 1945 mostra que houve um longo momento em que havia outras possibilidades, e outro futuro poderia ter acontecido.
Ironicamente, talvez, a União Soviética fez mais do que qualquer outra força isolada para mudar as mentes da esquerda marxista judaica no final dos anos 1940 sobre Israel. Andrei Gromyko, o embaixador da União Soviética nas Nações Unidas, saiu em 1947 e apoiou a partição nas Nações Unidas depois de declarar que o mundo ocidental nada fez para impedir o Holocausto, e de repente há essa reviravolta. Todas essas publicações de esquerda judaica que denunciavam o sionismo, literalmente no dia seguinte, estavam abraçando a divisão e a formação do Estado-nação de Israel.
Você tem que entender que, para muitos comunistas judeus e até socialistas, a União Soviética era a terra prometida – não o sionismo. Este foi o lugar onde eles tinham, de acordo com a propaganda, erradicado o antissemitismo. O Império Russo foi o lugar mais antissemita ao longo do final do século 19 e início do século 20, antes do surgimento do nazismo. Muitos dos membros do Partido Comunista Judeu eram da Europa Oriental, ou suas famílias, e tinham memórias muito vívidas da Rússia como o cadinho do antissemitismo. Para eles, a Revolução Russa foi uma ruptura na história, uma chance de recomeçar. E, claro, isso foi depois da Segunda Guerra Mundial, quando a União Soviética acabara de derrotar os nazistas. O fato de a União Soviética abraçar o sionismo realmente enviou uma onda de choque ao mundo judaico de esquerda. A União Soviética mudou sua política cerca de uma década depois, abraçando abertamente o antissionismo na década de 1960. Mas, para este breve momento crucial, a União Soviética desceu firmemente a favor da partição, e isso parece ser o que realmente mudou a esquerda judaica.
Sem esse tipo de legitimação, acho que todos nós estamos começando a ver a esquerda judaica tal como existe retornar de uma forma importante às posições que originalmente ocupava, que é que o sionismo é um nacionalismo de direita e que é também racista e colonialista. Estamos vendo a esquerda judaica retornar aos seus primeiros princípios.
Sarah: Essa é uma boa resposta para algumas perguntas que eu queria fazer a você sobre a relevância da história antissionista para os dias atuais. Para muitas pessoas, o plano de Israel de anexar enormes quantidades de terras palestinas na Cisjordânia ainda mostra a violência do projeto sionista de estabelecer o domínio judaico sobre a população palestina. E estamos vendo alguns sionistas liberais proeminentes como Peter Beinart proclamar publicamente que a solução de dois estados está morta e um estado baseado em direitos iguais é o melhor caminho. Você vê agora como um momento importante para se conectar com a história do antissionismo judaico? Você vê aberturas ou possibilidades para mudar a mente das pessoas?
Benjamin: De certa forma, a carta de Beinart estava 70 anos atrasada. Mas ainda é uma virada cultural muito importante, na medida em que ele faz parte de uma instituição judaica liberal. Eu também diria que estamos em um momento histórico diferente. Nos anos 1930 e 40, você pode realmente falar sobre um tipo de sentimento revolucionário global e uma verdadeira esquerda judaica localizada em organizações como o Partido Comunista, o Partido Socialista dos Trabalhadores e o Partido Socialista. E você pode ver isso novamente na década de 1960. Estudantes por uma Sociedade Democrática, que também tinha um número considerável de membros judeus, apoiaram formalmente o antissionismo na década de 1960, junto com o Partido Socialista dos Trabalhadores, e formaram alianças com o Comitê de Coordenação Estudantil Não-Violento, que também havia contratado um oficial antissionista posição no final dos anos 1960. Você poderia pensar em uma estrutura revolucionária global na qual a libertação palestina fosse uma parte articulada – você poderia pensar na Frente Popular para a Libertação da Palestina e na Organização para a Libertação da Palestina como parte da estrutura dos movimentos revolucionários globais.
Hoje estamos em um espaço muito mais fragmentado. Na mesma nota, porém, estamos vendo o renascimento, ou talvez a continuidade, dos movimentos palestinos pelos direitos civis, com a sociedade civil palestina fazendo um apelo à descolonização – ambos fora de suas próprias tradições de libertação, mas também buscando modelos de a luta pela liberdade sul-africana. Para os judeus contemporâneos que são progressistas e se veem à esquerda, eles de repente estão percebendo que realmente não há mais centro, não há mais posição sionista liberal. O centro realmente caiu. E nos deparamos com esta decisão muito dura: ou você estará do lado da libertação ou estará do lado da direita israelense, que tem uma intenção eliminacionista e genocida que sempre foi lá, mas é claramente aparente agora. E então eu acho que pessoas como Beinart estão acordando e dizendo: “Eu não quero estar do lado dos algozes”.
A história da velha esquerda judaica e da nova esquerda judaica da década de 1960 nos mostra que isso não é novo. Qualquer luta de libertação virá dos próprios oprimidos, então o movimento de libertação palestino vai definir seus termos para as lutas. Mas para os judeus nos Estados Unidos que estão tentando pensar sobre sua relação, não apenas com a Palestina, mas também seu próprio lugar no mundo como uma minoria etnocultural diaspórica historicamente perseguida, temos que pensar de que lado estamos, e com quais forças globais queremos nos alinhar. Se não quisermos ficar do lado dos algozes da extrema direita, do colonialismo e do racismo, há um recurso cultural judaico ao qual podemos recorrer – um recurso político ao qual recorrer. Esta história da esquerda judaica antissionista demonstra que um importante papel histórico na diáspora tem sido a solidariedade com outras pessoas oprimidas. Esse é o lugar de onde temos obtido mais força historicamente. Portanto, não vejo isso como dizendo: “Não vamos reproduzir o Partido Comunista das décadas de 1930 e 1940”. Estamos dizendo: “Vamos produzir algo novo, mas o passado pode ser um recurso cultural que podemos usar hoje”.
Sarah: Quem ou o que é responsável pelo apagamento dessa história de antissionismo de esquerda judaica?
Benjamin: Eu não culparia o apagamento apenas na União Soviética ou no sionismo, porque também temos que pensar na Guerra Fria e como a Guerra Fria destruiu a velha esquerda judaica, e realmente a levou à clandestinidade e despedaçou suas organizações. Portanto, acho que também temos que ver como a virada para o sionismo foi entendida como algo que normalizaria os judeus em uma era pós-guerra.
Com a execução dos Rosenbergs, o Red Scare do final dos anos 1940 e 1950, e a efetiva proibição do Partido Comunista, que havia sido ao longo das décadas de 1930 e 1940 parte judeu, para grande parte do estabelecimento judaico, alinhar-se com o imperialismo americano era uma forma de os judeus normalizarem sua presença nos Estados Unidos. E espero que esse momento tenha passado em algum grau. Podemos ver o vazio e a esterilidade de nos alinharmos com um projeto imperial americano, com pessoas como Bari Weiss e Jared Kushner. Por que alguém como Bari Weiss, que se descreve como liberal, quer se aliar às forças mais reacionárias da vida americana?
É uma matriz sangrenta de assimilação e brancura que emergiu da suburbanização da Guerra Fria na década de 1950. Israel fez parte da barganha do diabo. Sim, você pode se tornar americano de verdade: você pode ir para boas universidades dos EUA, pode ingressar nos subúrbios, entrar na corrente principal da vida americana, contanto que faça uma coisinha por nós, que é o de volta ao Império Americano. Felizmente, com o surgimento de novas organizações de base nos Estados Unidos, entre judeus e não judeus que estão questionando o papel dos EUA no apoio ao sionismo, esse cálculo pode começar a mudar. Com a ascensão da Jewish Voice for Peace, IfNotNow, Democratic Socialists of America (DSA) e do Black Lives Movement, todos assumindo uma posição séria contra o apoio dos EUA ao sionismo, o bom senso na comunidade judaica começou a se mover em uma direção diferente, particularmente entre a geração mais jovem. A batalha está muito longe do fim, mas isso me deixa um pouco otimista em relação ao futuro.
SARAH LAZARE é editora web e repórter do In These Times. Twitter: @sarahlazare.