Para além da terceira via e da falsa polarização

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Por Rodrigo Lima

É preciso superar o senso comum liberal que caracteriza Lula e Bolsonaro como extremos, com o falso discurso da polarização e que busca emplacar o termo “terceira via”, vazio politicamente e que não tem definição conceitual, servindo apenas para confundir e manipular a opinião pública.

A partir de uma análise marxista podemos compreender as pré-candidaturas a partir de suas posições na luta de classes, no conflito entre capital e trabalho e em seus compromissos ou antagonismos com a ordem social e política, situando-as nos campos da conservação, da reforma ou da revolução.

Linhas gerais que se expressam nos programas, operados por partidos políticos e liderados por políticos que personificam interesses e expectativas das classes, frações e camadas sociais.

Tomando estes critérios na análise entendo as pré-candidaturas a partir de três grandes campos: conservador (extrema-direita e direita neoliberal), reformista (social-liberal e social-democrata) e revolucionário (esquerda socialista).

A extrema-direita apresenta duas pré-candidaturas com viabilidade eleitoral, uma articulada pelo Partido Militar, cuja expressão é Jair Bolsonaro, e outra pelo Partido da Lava Jato, com Sérgio Moro como líder. Ambos comprometidos com o projeto ultraliberal, com o aprofundamento da subserviência do Brasil aos EUA, com a repressão e criminalização da pobreza e dos movimentos sociais e com a retirada de direitos dos trabalhadores.

Claro que existem nuances entre os representantes da extrema-direita, seja pelas bases sociais que os sustentam, seja pela tentativa de disputarem o papel de “paladinos da moralidade” e de melhores condutores das reformas para a burguesia, mas em essência representam o mesmo projeto.

No campo conservador também existem pré-candidaturas da direita neoliberal como as de Dória (PSDB), Simone Tebet (MDB) e Rodrigo Pacheco (PSD), com uma agenda liberal na economia, que em linhas gerais aponta para a manutenção do programa do Golpe de 2016 e que também articulam-se com a agenda repressiva da extrema-direita, mas que se diferenciam por apresentarem um discurso liberal em relação a agenda de costumes.

No campo reformista, a pré-candidatura social-liberal tem em Lula seu principal representante, com amplo favoritismo até o momento. As articulações políticas apontam que o PT e o ex-presidente estão construindo uma base de sustentação ainda mais à direita do que a engenharia apresentada nos mandatos petistas (2003-2016).

A costura de alianças com figuras e partidos que protagonizaram o Golpe sinalizam que o PT busca uma nova política de conciliação, agora sob as bases do programa “Uma ponte para o Futuro”. Ou seja, não há perspectiva de reversão das reformas neoliberais e de oposição aos interesses do capital financeiro. Até o momento não está claro qual será o programa a ser apresentado, mas a tendência é que Lula siga se equilibrando entre a busca do apoio e confiança do mercado (ou de boa parte dele) e a adesão das massas trabalhadoras, principalmente dos setores mais precarizados, com a promessa da retomada de políticas focalizadas de distribuição de renda, de geração de empregos com baixa remuneração e qualificação e de inclusão pelo consumo das massas.

A questão é que as condições para organizar este arranjo são muito mais adversas do que no início do século XXI. O espaço pra conciliação é inexistente numa economia sem perspectivas de crescimento econômico e com um estado estrangulado pelo teto de gastos, além da perda de sua capacidade de investimentos com o avanço das privatizações das estatais.

Ciro, como bem pontua Milton Temer, é um candidato da social-democracia. Sem dúvidas, posicionado à esquerda de Lula, com um programa que busca uma aliança entre o empresariado industrial, setores da classe média cada vez mais proletarizada e de segmentos da classe trabalhadora. A questão é que o neotrabalhismo de Ciro e seu Projeto Nacional de Desenvolvimento visa uma articulação com um capital produtivo nacional que não busca um pacto produtivo e desenvolvimentista.

As Federações Industriais, em especial a FIESP, já estão totalmente integradas e dominadas pelo poder do capital financeiro, sem o menor interesse em mudar o padrão industrial do país e reposicioná-lo na divisão internacional do trabalho.

No campo da esquerda socialista há boas possibilidades de construção de pré-candidaturas, como são os casos da UP e do PCB, que já anunciaram que apresentarão nomes na disputa presidencial. A questão é que, ainda que essas forças políticas tenham capacidade de mobilização e agitação nas ruas, no campo eleitoral ainda ocupam um espaço marginal.

O que pode mudar se houver acerto na linha política, com a construção de um programa que dialogue diretamente com as demandas urgentes da classe trabalhadora e que apresente a radicalidade necessária que o momento histórico exige.

As definições vão ficando claras e as forças do campo de esquerda que vacilam em suas posições tendem a ser ‘atropeladas’ pela conjuntura. Talvez o caso mais emblemático seja o do PSOL, que oscila entre compor o campo social-liberal e apresentar uma candidatura própria, com uma posição à esquerda.

Sem criar ilusões com eleições que são realizadas nos marcos da democracia burguesa, com claras limitações para avanços das forças populares no terreno institucional e representativo, as forças revolucionárias podem participar do processo eleitoral de 2022 denunciando o projeto burguês em curso (expresso nas políticas neoliberais e neofascistas) e divulgando as bandeiras anticapitalistas e anti-imperialistas, ampliando o debate estratégico sobre o Poder Popular e o Socialismo, sem perder de vista a construção de mediações que contemplem as demandas imediatas da classe trabalhadora.

O momento é propício para a elaboração de um programa revolucionário a ser debatido durante o processo eleitoral e para além dele, articulado às lutas populares que seguem por todo o país e que tendem a se intensificar diante do cenário da barbárie capitalista.

Delimitar e conceituar os partidos e personalidades que operam na conjuntura política a partir da luta de classes é o desafio para situar o que realmente estará em jogo no processo eleitoral de 2022, superando o falso debate sobre polarização e terceira via que tem permeado as discussões políticas no país.

Rodrigo Lima é professor no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Foto: Thomaz Silva/Agência Brasil Fonte: Agência Senado
Fonte: https://natrincheiradasideias.wordpress.com/2022/01/24/para-alem-da-terceira-via-e-da-falsa-polarizacao/

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