A questão agrária e a hegemonia do capital no campo

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Por Gabriel Colombo [1]

O elemento central da questão agrária contemporânea é a hegemonia do capital no campo. É o desenvolvimento do capitalismo na produção agropecuária, florestal e mineral que impõe a dinâmica dos conflitos por terra, ambientais e nas relações sociais de trabalho.

A compreensão deste problema exige o estudo da modernização da grande propriedade de terra, da diferenciação do campesinato, da renda da terra e das expropriações.

A partir de uma apresentação muito sintética destes aspectos, esta contribuição busca analisar o quadro dramático que é a questão agrária no Brasil hoje, em que o domínio do capital-imperialismo na agricultura expande as relações de trabalho assalariado, subordina o campesinato e a pequeno agricultura, impulsiona a expropriação das populações do campo e distancia a produção de alimentos, fibras e madeira do interesse dos trabalhadores.

Por fim, serão esboçados alguns elementos para superar esta situação sob uma perspectiva de construção do Poder Popular e da revolução socialista no Brasil. Cuja solução passa basicamente pela expropriação das terras griladas, limite à grande propriedade privada da terra, produção estatal e pública na agricultura voltada aos interesses dos trabalhadores, fortalecimento dos camponeses, indígenas e quilombolas, e respeito à diversidade sociocultural do campo brasileiro.

Modernização do Latifúndio e Empobrecimento do Campesinato

A opção para o desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro foi e é a modernização do latifúndio, definida por acordo pelo alto entre os grandes proprietários de terra e a burguesia industrial. As bases desta solução foram consolidadas durante a ditadura cilvil-militar e vigoram até hoje. São subsídios e isenções fiscais, perdão e reparcelamento de dívidas, apropriação privada das terras públicas ou grilagem legalizada, paralisação da reforma agrária, medidas legislativas como a legalização dos transgênicos, crédito aos monopólios agroindustriais, entre outros.

O poder político do denominado agronegócio é enorme para assegurar essas medidas e avançar com novas propostas. Possui a maior bancada do congresso nacional, a bancada ruralista, controla postos estratégicos no executivo, como o Ministério da Agricultura e a CTNBio (onde os transgênicos são aprovados para comercialização e estabelecidas as normativas para uso dos mesmos), e forte organização na sociedade civil, principalmente a CNA – Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária – e a Abag – Associação Brasileira do Agronegócio. A Abag, por exemplo, tem se empenhado na realização de campanhas para criar um consenso em torno do agronegócio e ocultar as contradições existentes na “grande produção rural”, como os conflitos por terra, crimes ambientais, uso de agrotóxicos etc. Nesse sentido, têm realizado a campanha “Agro é Tech, Agro é Pop, Agro é tudo” transmitida pela rede globo e o “Programa Educacional na Escola” na região de Ribeirão Preto, por exemplo.

A modernização da grande propriedade da terra no Brasil ocorreu no bojo do processo conhecido como Revolução Verde – em oposição às revoluções vermelhas que se espalharam pelo mundo. Foi fomentado pelos organismos internacionais, tendo à frente o Banco Mundial e os Estados Unidos, e uniu o capital monopolista da indústria química, de máquinas e genética para impulsionar a agricultura capitalizada em larga escala no planeta. Difundida por meio de um discurso de acabar com a fome nos países subdesenvolvidos, a Revolução Verde aprofundou a concentração da propriedade da terra, expropriou populações do campo, ampliou a escala de comercialização mundial de alimentos e concentrou a produção e circulação de alimentos nas mãos de poucos conglomerados agroindustriais.

A agricultura capitalizada no Brasil é hegemonizada pelos grandes conglomerados capital-imperialistas, que subordinam toda a dinâmica do campo à valorização do capital. E direcionam toda a produção para atender um mercado globalizado, com comercialização em bolsas de valores e em bolsa de mercados futuros, sem compromisso em atender as necessidades fundamentais dos trabalhadores.

O capital-imperialista apresenta-se no campo brasileiro fundamentalmente sob duas formas. Na produção de cana-de-açúcar (açúcar e álcool) e na silvicultura (papel e celulose), o capital-imperialista possui a propriedade da terra, produz a cana e a madeira, realiza a industrialização e a circulação [2] do açúcar e etanol, papel e celulose. Neste caso, o proprietário de terras, o capitalista da agricultura e o capitalista industrial são a mesma pessoa física/jurídica.

Deste modo, na cana-de-açúcar e na silvicultura o capital-imperialista detém a propriedade sobre todas as etapas do processo agroindustrial e a agricultura assume a forma plenamente capitalista de produção. Assim como, o trabalho assalariado, produtor de mais-valor, é hegemônico em toda a cadeia; o trabalhador tipicamente rural, morador do campo, sequer existe nestes casos, são trabalhadores urbanos que se deslocam para trabalhar nas lavouras ao invés de ir para as fábricas.

Na produção de grãos, carnes (bovina, aves e suína), café, suco de laranja, tabaco e alimentos para o mercado interno (arroz, feijão, trigo, milho, mandioca, leite, frutas e hortaliças), a agricultura está subordinada à indústria. Nestes casos, a agricultura em si é executada principalmente por capitalistas da agricultura (arrendatário ou capitalista-proprietário de terras) e por camponeses. O capital-imperialista está presente, sobretudo, no momento da industrialização e/ou circulação destas produções, subordinando a agricultura aos seus interesses.

A sujeição da agricultura à indústria permite a conservação de uma maior diversidade de tamanhos e formas de propriedade da terra e relações de trabalho, porém, todas dependentes e subordinadas à agroindústria e/ou aos monopólios de circulação de mercadorias. No entanto, na diversidade de relações desta agricultura, de modo geral, apenas os grandes e médios proprietários de terra e capitalistas da agricultura conseguem obter renda e mais-valor adequados para permanecerem nessas condições.

Para os camponeses e pequenos proprietários de terras, os conflitos emergentes desta relação entre agricultura e indústria assume um caráter mais dramático, principalmente em função dos contratos de fornecimento e preços pagos. A pressão da indústria os força a lançar mão de créditos bancários para capitalizar a produção e ao mesmo tempo aumentar o tempo de trabalho a fim de compensar os baixos preços recebidos pelos produtos. Essa situação reforça o processo de diferenciação do campesinato, que promove o empobrecimento de grande parte dos camponeses e a transformação de uma minoria em capitalistas da agricultura.

Ainda assim, nestes casos, o camponês e o pequeno agricultor ainda tem a possibilidade de efetuar uma produção mais diversificada, produzindo para subsistência e em parte para o mercado local. De forma que o território, nessa situação, apresenta uma diversidade maior quando comparado ao pleno modo de produção capitalista na cana e silvicultura.

O desenvolvimento tecnológico na agricultura permitiu a redução do tempo de trabalho socialmente necessário para produzir alimentos, fibras e madeira na grande propriedade capitalista, impondo uma condição de mercado perversa para o campesinato e pequeno agricultor. A dificuldade, mesmo impossibilidade, de adquirir os recursos sociais de produção tem estreitado as possibilidades de estes praticarem a agricultura na lógica mercantil. O fato é que o tempo socialmente necessário para a produção no campo diminuiu drasticamente e tem pressionado os camponeses e pequenos agricultores, aqueles que têm apenas a propriedade da terra e meios de produção defasados ou limitados.

Nessas condições de produção, parte dos camponeses que enfrentam o empobrecimento e a pressão do agronegócio deixam de produzir e optam pelo arrendamento de suas terras ou apenas reduzem o tempo dedicado à produção na propriedade. Em contrapartida, buscam vender sua força de trabalho no mercado formal e informal no campo e nas cidades, fazendo da terra um misto de local de moradia e trabalho.

No entanto, o desenvolvimento do capitalismo no campo ocorre de maneira ainda mais desigual em relação às cidades, principalmente dada a diversidade sócio-histórica do campesinato encontrada pelo capital em sua expansão. A capacidade de resistência e adaptação dos camponeses é, por isso, variada, resultando em espaços de manutenção e recriação do campesinato, mas já de forma subordina ao capital. Ainda, é preciso considerar que a necessidade do capitalista de assegurar uma taxa média de lucro e as diferenças de desenvolvimento tecnológico nos variados ramos da agricultura também abrem brechas para a manutenção e recriação do campesinato, novamente de forma subordinada ao capital e permeado pelas contradições do capitalismo.

Por fim, o desenvolvimento da agricultura capitalizada na grande propriedade privada do solo modificou a base material da luta pela terra, ao reduzir a importância do latifúndio improdutivo no cenário rural e subordinar a dinâmica do campo ao capital. Atualmente, podem ser grosseiramente distinguidos dois tipos de assentamentos rurais. De um lado, estão aqueles com agricultura consolidada, em alguns casos submetidos aos monopólios da indústria e do varejo, em outros com infraestrutura agroindustrial e logística para atender rotas alternativas de comercialização. De outro, estão os assentamentos e ocupações dos últimos 10-15 anos, isto é, realizados já sob a hegemonia do capital no campo, a maior parte dos assentamentos deste último período não apresentam características propriamente agrícolas, cumprem mais uma função de habitação em áreas periurbanas ou até mesmo rurais; os membros da família assentada vendem sua força de trabalho nas mais diversas condições, nas fazendas vizinhas e nas cidades próximas.

Renda da Terra

O interesse em apropriar-se deste tributo social pago ao proprietário de terras (Renda da Terra) é um dos fatores que impulsiona a apropriação privada das terras públicas e a expropriação de camponeses e populações tradicionais.

O capital tende a se apropriar da Renda da Terra por duas vias principais. Nas terras de elevada fertilidade e localizadas em regiões com infraestrutura desenvolvida, o capital apropria-se diretamente da Renda da Terra através da compra ou grilagem das terras. É o que ocorre, por exemplo, na produção de cana-de-açúcar, soja e pecuária de corte, isto é, uma unificação entre o capitalista da agricultura e o proprietário de terras.

Onde o valor da Renda da Terra é menor, o capital impõe a sujeição da renda da terra, buscando formas de extrair o excedente econômico do proprietário de terras. Nesses casos, o capital afeta diretamente o campesinato. É o que acontece, por exemplo, na produção para o mercado interno. Essa extração ocorre por vias diversas, como através dos juros sobre o crédito, preços baixos pagos pelos intermediários e integrando a produção (camponês-indústria, como na criação de aves e suínos e no cultivo do tabaco).

No bojo deste processo de sujeição da renda da terra ao capital, têm surgido empresas dos mais variados portes, captadoras de capital em fundos de investimento e bolsas de valores, voltadas para comprar e desenvolver terras, aprofundando o processo de capitalização da terra e subordinação da agricultura ao capital de forma integrada a circulação internacional de capital monetário.

Quanto mais subordinada ao capital, mais a agricultura responde à demanda mundial de commodities. Sem uma política agrária e agrícola voltada para o interesse dos trabalhadores, a liberalização da agricultura tem implicado em uma redução na área plantada e na produção de alimentos essenciais para a mesa do brasileiro, como arroz e feijão, e em expansão da produção de cana-de-açúcar e soja, por exemplo.

Expropriações

A expropriação dos camponeses é a essência do processo que cria a relação capitalista de produção. Desde a gênese do capitalismo até os dias de hoje, as expropriações, de forma desigual e difusa, criam a polarização social basilar do capitalismo: de um lado, criou e amplia a massa de trabalhadores livres necessitada de vender sua força de trabalho e produzir mais-valor, e, de outro, concentra os recursos sociais de produção nas mãos dos capitalistas.

As formas como essa expropriação ocorre hoje no Brasil são diversas. As terras indígenas, quilombolas e de posseiros sofre uma ofensiva brutal dos grileiros, proprietários de terra e mineradoras, processo que mantém as elevadas taxas de conflito pela terra no país em diferentes regiões, mas sobretudo na fronteira agrícola amazônica e na região de cerrado do centro-oeste.

Os projetos de infraestrutura do Estado, para atender os interesses do agronegócio e da indústria extrativa, ampliam a dinâmica das expropriações, também concentradas nessas regiões. São obras em execução e em projeto de rodovias, ferrovias, sistemas aquaviários, transposição de rios e hidrelétricas – atualmente com foco nos rios Xingu e Madeira.

Por fim, as unidades de conservação estão sobrepostas a uma diversidade de populações tradicionais que sobrevivem dos recursos das matas e rios. Como tais unidades possuem uma série de leis ambientais restritivas, acabam por impor graves limitações às práticas tradicionais que fundamentam a reprodução social de quilombolas, ribeirinhos, caiçaras, caboclos e extrativistas. Esse conflito tende a se agravar com o anúncio da privatização destes parques, a princípio, no estado de São Paulo.

Essas expropriações são conduzidas por interesse dos proprietários de terras e da burguesia industrial, com apoio das burguesias dos países imperialistas, todos ávidos por ampliar a concentração dos recursos sociais de produção e expandir as relações capitalistas para novas áreas do país. Para este fim, tramitam no Congresso uma diversidade de projetos de lei e propostas de emenda constitucional com o objetivo de legitimar estes avanços e retirar os direitos das populações indígenas e quilombolas à terra. Enquanto não resolvem o “impasse”, as classes dominantes lançam mão da polícia militar, da força nacional e de jagunços para ameaçar e hostilizar estas populações.

Para os indígenas, posseiros, quilombolas, ribeirinhos etc. esta situação é dramática. De modo geral, resistem bravamente à ofensiva expropriadora, mas encontram-se em escassas condições de reproduzir sua existência sob formas tradicionais, sendo quase inevitável buscar o mercado de trabalho e consumo para satisfazer parcialmente suas necessidades de reprodução social – necessidades de subsistência e necessidades adquiridas a partir da relação com a sociedade mercantil hegemônica.

Parte destes trabalhadores vive uma dupla situação de trabalho – de subsistência e assalariamento, também denominada de semi-proletarização. As condições em que os trabalhos assalariados ocorrem são as mais diversas, porém, predomina a inserção precarizada no mercado de trabalho, sem direitos, em condição informal, sazonal etc. A venda da força de trabalho ocorre para capitalistas e proprietários de terras de variados portes, do menor ao mais extenso. E, ainda, estas relações de trabalho são marcadas por preconceito e rascismo oriundos da sociabilidade burguesa.

Além de lançar novos contingentes de trabalhadores livres ou semi-livres no mercado, as expropriações impõe a forma capitalista de monopólio da propriedade da terra sobre as formas de propriedade camponesa parcelar ou comunal.

O Que Fazer?

Diante deste quadro, fica evidente que as alternativas para os camponeses, pequenos agricultores, populações tradicionais e trabalhadores rurais estão fechadas dentro do capitalismo. O capital se impõe de tal maneira a permear toda a agricultura, fazendo da relação capitalista de produção a centralidade e impondo a violência e subordinação do campesinato e populações tradicionais. As contradições existentes no campo são resultado da relação capital-trabalho, da subordinação do campesinato à valorização do capital e da tendência do capital de reduzir outras formas de propriedade da terra à propriedade capitalista da terra.

Neste momento, é necessário recuperar o que foi afirmado no XIV Congresso Nacional do PCB, em 2014:

42) […] As “tarefas clássicas em atraso”, como a reforma agrária, não são mais tarefas em atraso, mas tarefas deixadas para trás e que não serão realizadas nos limites de uma sociedade capitalista. As contradições objetivas que estão na base das demandas imediatas das massas trabalhadoras não se devem ao baixo desenvolvimento de forças produtivas capitalistas, mas exatamente pelo próprio desenvolvimento e natureza de uma sociedade hegemonizada pelo capital.

Por consequência, as lutas dos trabalhadores rurais e das populações do campo por suas demandas imediatas não devem estar atreladas a nenhuma ilusão de que é possível sanar estas reinvindicações dentro da ordem burguesa. Essas lutas devem assumir o caráter de acúmulo de forças políticas e organizativas como experiências de Poder Popular e não devem cair na conciliação com o Estado e com as classes dominantes, a fim de educar as massas do campo e deixar claro quem são nossos inimigos de classe.

A atual ofensiva do capital-imperialismo está abrindo um período de acirramento das contradições no campo, impulsionando as lutas dos trabalhadores rurais, camponeses, indígenas e quilombolas. O avanço das expropriações promoveu um aumento da resistência dos indígenas em defesa da demarcação de suas terras, partindo para a luta direta e retomada de suas terras; os quilombolas também têm protagonizado lutas pela titulação da propriedade comunal em algumas regiões, e em alguns casos em unidade com os indígenas. Assim como, tem potencial para reanimar as ocupações de terra, que sofreram uma redução durante os governos do Partido dos Trabalhadores.

Os camponeses e pequenos agricultores, por sua vez, estão se organizando contra às condições de trabalho resultante da subordinação à indústria. No Sul do país, por exemplo, os produtores de aves e tabaco direcionam suas reivindicações diretamente às empresas capital-imperialistas que os subordinam.

Os ataques aos direitos trabalhistas e a reforma da previdência vão afetar em cheio os trabalhadores rurais. Ainda, circulam no Senado projetos para flexibilizar especificamente a legislação do trabalho rural, principalmente com o objetivo de prolongar as jornadas de trabalho no período de safra. No entanto, a organização sindical dos trabalhadores rurais necessita avançar, tanto no sentido de uma atuação combativa e com independência de classe, quanto na sindicalização e amplitude do movimento. E ainda, carrega o desafio de incorporar as reivindicações dos camponeses e populações tradicionais que vendem sua força de trabalho em condições precárias.

É necessário somar forças a estas lutas e e ancorar as reivindicações imediatas à construção do Poder Popular. Outro passo essencial para resistir à ofensiva do capital-imperialismo é forjar a unidade entre essas três frentes – camponeses, pequenos agricultores e assentados; trabalhadores assalariados; e populações tradicionais. Isto passa pela superação de preconceitos, rascismos e sexismo imbuídos pela ideologia das classes dominantes, que cumprem o papel de criar uma cisão entre os trabalhadores do campo com base na ampla diversidade de condições e formas de trabalho existentes na agricultura – trabalhadores formais, informais, sazonais, camponeses, semi-proletários, indígenas, quilombolas etc.

Essa unidade no campo deve ser construída levando em conta ainda a necessidade de articular-se estrategicamente com os trabalhadores urbanos, a fim de construir o Bloco Revolucionário do Proletariado. Nesse sentido, o fim da cisão entre campo-cidade ou fim da diferenciação trabalhador-rural-trabalhador-urbano que tem ocorrido na produção de cana-de-açúcar e na silvicultura podem indicar um caminho que facilite esta unidade e a organização do Bloco.

Outra via de aproximação entre os trabalhadores do campo e da cidade pode ser a organização de formas alternativas de produção, circulação e consumo. Atualmente, existe uma diversidade de experiências do campesinato brasileiro nesse sentido (por exemplo, a venda direta, feiras da reforma agrária e circuitos curtos de produção e consumo), porém, em geral, se concretizam no sentido de criar condições mais favoráveis para os camponeses nos limites do capitalismo e estão ancoradas na venda para a classe média crítica à produção industrial, sem preocupação em construir um programa de superação da sociedade burguesa. Portanto, é preciso dotar essas experiências de um caráter anticapitalista, e criar novas, cuja base pode estar na relação entre a produção camponesa e o consumo dos trabalhadores urbanos – relação entre a organização dos camponeses e os sindicatos e associações dos trabalhadores, por exemplo [3].

Programa Político Socialista para o Campo Brasileiro

A política econômica para o campo capaz de lançar as bases para o socialismo tem que estar pautada na expropriação dos expropriadores, isto é, da grande propriedade privada da terra formada a partir da expropriação das populações do campo e grilagem das terras públicas. Ao mesmo tempo, deve subordinar o desenvolvimento tecnológico realizado pela expansão do capital no campo aos interesses dos trabalhadores e a uma política de preservação do solo, das águas e da biodiversidade. Por outro lado, deve viabilizar a produção camponesa e a reprodução social dos quilombos e povos indígenas – respeitando o desenvolvimento destas culturas sem produzir folclorismos.

Com base nos aspectos da questão agrária apresentados neste texto, pode-se apontar alguns pontos necessários ao programa político da revolução socialista:

1. Criar uma empresa estatal 100% pública com o objetivo de produzir e industrializar alimentos, fibras e madeiras segundo os interesses dos trabalhadores, cuja distribuição da produção esteja baseada em zoneamentos ecológicos e em técnicas que preservem o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores;

2. Expropriar as terras griladas e destiná-las para esta empresa estatal;

3. Limitar a propriedade privada da terra;

4. Demarcar as terras indígenas;

5. Titular a propriedade comunal quilombola;

6. Destinar terras para os camponeses que desejam produzir de forma cooperativizada;

7. Investir em infraestrutura para os assentamentos, quilombos e terras indígenas;

8. Fornecer condições especiais para instalação de agroindústrias sob o controle de cooperativas camponesas;

9. Executar as dívidas dos grandes proprietários de terras e arrendatários capitalistas através da tomada de terras e bens de produção.

10. Criar uma empresa estatal 100% pública para realizar um programa de preservação ambiental e recuperação de áreas degradadas

Material de apoio

Com o objetivo de dar fluidez ao texto, as referências bibliográficas utilizadas não foram citadas ao longo do mesmo. Mas é preciso dizer que baseiam-se amplamente no material a seguir.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira. A Mundialização da Agricultura Brasileira. Em: Ariovaldo Umbelino de Oliveira; Elizeu Ribeiro Lira; José Pedro Cabrera; Roberto de Souza Santos. (Org.). Território em Conflitos, Terra e poder. Goiânia: Kelps, 2014. p. 15-101.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Modo Capitalista de Produção, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: FFLCH/LABUR EDIÇÕES, 2007.

Conab – Companhia Nacional de Abastecimento. Indicadores da agropecuária. Observatório Agrícola, ano XXVI, nº 02, fev/2017.

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos. O mercado de trabalho assalariado rural brasileiro. Estudos e Pesquisas, nº 74, out/2014.

Lenin. Desenvolvimento do capitalismo na Rússia: o processo de formacao do mercado interno para a grande industria. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

Marx. Cap. 24 – A assim chamada acumulação primitiva de capital. Em: O capital, crítica da economia política (livro I): o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 785-833;

Marx. Transformacion de la plusganancia en renta de la tierra. Em: El capital: critica de la economía política (libro III): el proceso global de la producción capitalista. México: Fondo de Cultura Economica, 1978. p. 791-1034.

Virginia Fontes. Cap. 1 – Para pensar capital-imperialismo contemporâneo: concentração de recursos sociais de produção e expropriações. Em: O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. 3. ed. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010. p. 21-97.

[1] Secretário Político do PCB Piracicaba e Pré-Candidato ao Governo do Estado de SP.

[2] O capital-imperialista tem a propriedade da terra e produz a maior parte da produção que industrializa, ainda assim, com importância minoritária, arrenda parcelas de terras de outros proprietários e compra a produção de camponeses e capitalistas da agricultura.

[3] Essa foi uma proposta do camarada Marcos Abreu, de Americana/SP, quando conversávamos sobre os limites das experiências atuais de via alternativas de consumo.

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