A descomunização da Ucrânia e a ascensão do fascismo

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Por Nikos Mottas, editor da página In Defense of Communism

O processo da chamada “descomunização” na Ucrânia foi introduzido durante os primeiros anos da restauração do capitalismo na URSS e incluiu a calúnia e o apagamento de qualquer coisa relacionada ao período soviético e à construção do socialismo. Este termo também foi usado pelo presidente da Rússia capitalista de hoje, Vladimir Putin, em sua declaração anticomunista antes da invasão, dizendo caracteristicamente que “estamos prontos para mostrar a vocês o que a descomunização genuína significa para a Ucrânia”.

Não é coincidência que o anticomunismo seja uma característica comum tanto do regime neonazista de Kiev como da liderança da Rússia capitalista, em um momento em que os dois lados estão travando uma guerra sangrenta contra o povo em nome de suas classes burguesas. É claro que as bases para a ascensão do anticomunismo foram lançadas antes mesmo da vitória da contrarrevolução, através do renascimento do nacionalismo e de sua promoção por forças contrarrevolucionárias dentro do Partido Comunista da União Soviética, bem como pelos imperialistas ocidentais. Inicialmente, eles usaram a mentira de que a Ucrânia estava dando muito mais à União Soviética do que estava recebendo de volta e, portanto, era necessário um curso mais “autônomo”. Em seguida, adotaram o argumento de que a “economia de livre mercado” e a “descomunização” proporcionariam novas oportunidades para o “desenvolvimento nacional”.

Após a restauração do capitalismo no início da década de 1990, uma das principais preocupações da classe burguesa em ascensão era apagar as enormes conquistas que a construção socialista trouxe para o povo da Ucrânia. Ao mesmo tempo, o Estado e os capitalistas – muitos dos quais eram ex-membros do aparelho estatal e do PCUS que enriqueceram com o tsunami de privatizações – começaram a espalhar todas as mentiras usadas na Segunda Guerra Mundial pelos nacionalistas e colaboradores dos nazistas, como as notórias gangues de Stepan Bandera, especialmente no que diz respeito à grande fome de 1932-33, que eles retrataram como uma “tentativa consciente do estado soviético de exterminar o povo da Ucrânia”.

Com base nessas duas narrativas e com total apoio do imperialismo euro-atlântico, a tentativa de estabelecer o quadro institucional de “descomunização” na Ucrânia capitalista começou no final da década de 1990. Este processo incluiu a criminalização e perseguição da atividade comunista. Aqueles que questionaram a narrativa anticomunista fabricada do “Holodomor” estavam imediatamente enfrentando consequências legais. Claro, foi provado que a verdade histórica sobre a grande fome de 1932-33 é completamente diferente da propaganda anti-soviética estabelecida. As verdadeiras razões por trás da fome foram as sabotagens sistemáticas e prolongadas dos grandes agricultores Kulaks que reagiram à coletivização e à seca que atingiu a Ucrânia em 1931-32, combinadas com as fragilidades administrativas existentes no estado soviético.

Um marco na chamada descomunização é o marco legal estabelecido após o golpe de 2014 (“Euromaidan”) contra o presidente pró-russo Viktor Yanukovich. Forças nacionalistas e fascistas, como o “Setor da Direita” e o “Partido Svoboda”, que participaram do novo governo ucraniano, pressionaram por uma nova legislação em um esforço para criminalizar a ideologia comunista e proibir a atividade política dos comunistas. Ao mesmo tempo, os batalhões fascistas foram reorganizados, os neonazistas se juntaram às fileiras do mecanismo estatal e os ataques contra as pessoas que usam a língua russa aumentaram. Tudo isso aconteceu sob a cumplicidade dos EUA e da UE, que usaram a Ucrânia como um “cavalo de Tróia” contra seu concorrente, a Rússia.

Lembramos o papel ativo de alguns funcionários do governo dos EUA no Euromaidan, como a então Secretária de Estado Adjunta para Assuntos Europeus e Eurasianos Victoria Nuland e o então Embaixador dos EUA em Kiev Geoffrey Pyatt, mas também as reuniões do falecido senador republicano John McCain com líderes da extrema-direita ucraniana. Em 9 de abril de 2015, sob o primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk, o Parlamento ucraniano (Verkhovna Rada) aprovou uma série de leis sobre a “descomunização”, proibindo a promoção de símbolos relacionados aos “regimes totalitários comunistas e nacional-socialistas”. Ao usar a teoria anti-histórica e reacionária dos dois extremos, que arbitrariamente equipara o comunismo ao nazismo, o governo ucraniano tentou criminalizar tudo relacionado ao período soviético. É característico que entre as disposições básicas do projeto estava a designação da União Soviética como um “regime criminoso e terrorista”.

O objetivo principal era preencher as mentes e a consciência da geração mais jovem do país com a percepção de que a era soviética era “totalitária” e “desumana”, que o socialismo-comunismo era uma ideologia “diabólica”. A nova legislação proibia o uso de símbolos e meios de propaganda comunistas. Por outro lado, a atividade de grupos fascistas e neonazistas (como o notório Batalhão Azov) continuou, expandiu-se e até foi assimilada pelo mecanismo estatal. Em muitos casos, membros proeminentes de grupos nazistas foram designados para cargos nas forças de segurança do Estado, incluindo a polícia e o exército.

Mais especificamente, em 15 de maio de 2015, o então presidente Petro Poroshenko assinou um projeto de lei que incluía as seguintes disposições legais:

– Lei nº. 2558: “Sobre a condenação dos regimes totalitários comunistas e nacional-socialistas (nazistas) e a proibição da propagação de seus símbolos” — Isso incluiu a remoção de monumentos comunistas e a renomeação de locais públicos com nomes relacionados a temas comunistas.

– Lei nº. 2538-1: “Sobre o status legal e a honra da memória dos combatentes pela independência da Ucrânia no século 20” – elevando várias organizações, incluindo o Exército Insurgente Ucraniano, a Organização dos Nacionalistas Ucranianos e grupos pró-nazistas, ao status oficial que assegura benefícios sociais aos seus membros sobreviventes.

– Lei nº. 2539: “Sobre a memória da vitória sobre o nazismo na Segunda Guerra Mundial, 1939-1945”.

– Lei nº. 2540: “Sobre o acesso aos arquivos dos órgãos repressivos do regime totalitário comunista de 1917-1991”.

Em 2016, com a implementação da Lei n. 2558, as autoridades ucranianas adotaram as seguintes medidas: renomeação de 987 cidades/aldeias e 51.493 ruas, bem como a remoção de 1.320 monumentos dedicados a Vladimir Ilyich Lenin e 1.069 monumentos em homenagem a outros comunistas proeminentes, muitos dos quais foram vandalizados por grupos fascistas e pró-nazistas.

Em 24 de julho de 2015, o Partido Comunista da Ucrânia e todas as organizações comunistas foram proibidas. Quadros e membros do Partido Comunista e da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia foram perseguidos enquanto seus escritórios se tornaram alvo de inúmeras batidas policiais. Em perguntas apresentadas pelos deputados do Partido Comunista da Grécia (KKE) no Parlamento Europeu sobre as perseguições contra comunistas na Ucrânia, a Comissão da UE respondeu que “o acordo de parceria entre a UE e a Ucrânia é baseado em valores comuns, especialmente o pleno respeito a princípios democráticos, Estado de direito, governança sólida, direitos humanos e liberdades fundamentais”. Uma grande ironia, dado que, ao mesmo tempo, o parceiro da UE havia legitimado os ataques sistemáticos e a repressão estatal contra o Partido Comunista e sua ala juvenil.

Em uma declaração conjunta emitida em 11 de maio de 2018, vários partidos comunistas e operários denunciaram as tentativas das autoridades ucranianas de aniquilar o Partido Comunista. “Esses desenvolvimentos na Ucrânia são a escandalosa escalada de contínuos ataques intensos e perseguição aos comunistas ucranianos que começaram logo após o golpe de estado contra o governo democraticamente eleito em 2014, que também levou ao surgimento de grupos neonazistas e ultranacionalistas em todos os níveis do espectro político e social do país”.

Em outubro de 2018, o deputado de extrema-direita e membro do Partido Radical Mosiychuk Igor Vladimirovich lançou publicamente ameaças contra a vida do Primeiro Secretário do Partido Comunista Petro Symonenko. Em fevereiro de 2019, a Comissão Eleitoral Central recusou-se a registrar Symonenko como candidato às eleições presidenciais de 31 de março. Naquela época, o Partido Comunista denunciava em comunicado: “Esta é uma violação ilegal e inconstitucional dos direitos políticos de milhões de nossos cidadãos que compartilham nossas opiniões, professam os princípios do socialismo – os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade. Os objetivos perseguidos pela junta governante que proíbe o Partido Comunista de nomear seu candidato para as eleições presidenciais são óbvios. Nós, os comunistas, não abandonamos o nome de nosso partido, não abandonamos os símbolos, não traímos nossa ideologia”.

Em 19 de agosto de 2019, o Tribunal Administrativo de Kiev procedeu à proibição do jornal do Partido Comunista “Rabochaya Gazeta” (Jornal dos Trabalhadores), um dos mais antigos da Ucrânia. A decisão foi confirmada alguns meses depois, em novembro de 2019, pelo Tribunal Administrativo da Sexta Apelação.

O anticomunismo é uma ferramenta de manipulação

A principal conclusão é a de que 30 anos após a derrubada do socialismo na União Soviética, os povos da Rússia e da Ucrânia, que viveram juntos em paz por mais de 70 anos, agora estão derramando seu sangue lutando entre si. Este é o resultado da contínua propaganda anticomunista e nacionalista que prevaleceu em ambos os países durante as últimas três décadas. As gerações mais jovens, que não têm experiência acerca da era socialista, são especialmente vulneráveis à doutrinação anticomunista e anti-soviética e esse é exatamente o objetivo principal dos imperialistas: apagar as conquistas do socialismo da mente das pessoas e distorcer a história da União Soviética.

Os povos da Ucrânia e da Rússia poderão agora compreender, com mais clareza, os efeitos desastrosos da descomunização como componente inerente da barbárie capitalista.

Fonte: http://www.idcommunism.com/2022/03/ukraines-decommunization-and-rise-of-fascism.html

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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