A luta das mulheres na conjuntura internacional

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Contribuições do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro ao Congresso da Federação Democrática Internacional de Mulheres

Coordenação Nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro

As mulheres trabalhadoras e toda nossa classe estão sendo massacradas por uma pandemia gerada pela relação predatória do capital com a natureza, que ainda se estende devido à condução indevida dos Estados capitalistas e a desigual vacinação em nível global em prol da lucratividade burguesa. O aprofundamento da crise mundial do capital em sua fase monopolista é acompanhado por guerras entre capitalistas pelo controle de fontes energéticas, mercados e massas de trabalhadores/as. Corrida armamentista, militarização, disseminação de bases e frotas navais, ameaças de guerra, chantagens e sanções, agressão militar direta ou indireta são traços da face bélica do imperialismo, principalmente da maior potência imperialista, os Estados Unidos. Temos sofrido e morrido nas guerras imperialistas, em abortos clandestinos, nas filas dos sistema de saúde, nos campos de refugiados, em movimentos migratórios e nos trabalhos mais precarizados. Isso demonstra o aprofundamento das contradições insolúveis do capital, comprovando os limites históricos do regime capitalista.

O capitalismo segue com mais rapidez a tendência de mundialização dos mercados e da produção, com a alta concentração e centralização do capital forjando grandes conglomerados e empresas trans e multinacionais que operam mundialmente. Cada vez mais são introduzidas novas tecnologias na produção, processo este que só fez reforçar, nas últimas décadas, a tendência à queda nas taxas de lucros e o movimento de financeirização da riqueza. Enquanto poucos milionários acumulam a maior parte das riquezas, uma imensa massa da população mundial, principalmente nos países periféricos, sofre com a fome e com a insegurança alimentar.

Em muitas partes do mundo, a pandemia esteve relacionada a recessões brutais e prejudicou o acesso aos alimentos. No entanto, mesmo antes da pandemia, a fome e a desnutrição já estavam se aprofundando. Isso foi ainda maior em nações afetadas por conflitos, extremos climáticos e recessões econômicas.

Erradicação da feminização da pobreza juvenil

Diante da pandemia de Covid-19, as medidas tomadas pela grande maioria dos países foram direcionadas aos interesses do mercado e pouco ou nada garantiram seguridade social e econômica para a classe trabalhadora, impactando sobretudo as mulheres, em especial as mulheres jovens de países periféricos do sistema. Houve um agravamento dramático da fome mundial em 2020, relacionado ao aumento da pobreza e da precariedade das condições de vida da classe trabalhadora em geral.

Em todo o mundo, cerca de 1,3 bilhão de pessoas são multidimensionalmente pobres (sem estruturas de saúde, educação, saneamento, moradia, adequados), sendo que as mulheres e os grupos étnicos e povos originários são os mais afetados pela pobreza que aumentou consideravelmente durante a pandemia. Quase 85% vivem na África Subsaariana (556 milhões) ou no Sul da Ásia (532 milhões). Cerca de dois terços das pessoas multidimensionalmente pobres (836 milhões) vivem em famílias em que nenhuma mulher ou menina completou pelo menos seis anos de escolaridade (Dados do PNUD, 2021).

Estima-se que cerca de um décimo da população global – até 811 milhões de pessoas – passam fome, estando concentrada principalmente nos países da periferia global. Mais da metade de todas as pessoas subalimentadas e desnutridas (418 milhões) vivem na Ásia, mais de um terço (282 milhões) na África e 60 milhões na América Latina e no Caribe. A desigualdade de gênero no acesso a alimentos se aprofundou: para cada 10 homens com insegurança alimentar, havia 11 mulheres com insegurança alimentar em 2020 (comparados a 10,6 em 2019) (Dados da UNICEF, 2021).

A desnutrição é uma das piores faces da pobreza de crianças e jovens. Em 2020, estima-se que mais de 149 milhões de crianças menores de 5 anos sofriam de desnutrição crônica, ou eram muito baixas para sua idade, mais de 45 milhões tinham desnutrição aguda, ou eram muito magras para sua altura e quase 39 milhões estavam acima do peso.

Como uma das regiões com maior desigualdade no mundo, a América Latina e Caribe tiveram um aumento significativo na pobreza e extrema pobreza em 2020, alcançando níveis que não foram observados nos últimos 12 e 20 anos, respectivamente, bem como houve piora nos índices de desigualdade e nas taxas de ocupação e participação no mercado de trabalho, sobretudo das mulheres. A taxa de desocupação regional situou-se em 10,7% no final de 2020 (aumento de 2,6 pontos percentuais em relação a 2019). A queda generalizada do emprego afeta principalmente as mulheres jovens, trabalhadoras informais e migrantes. (Dados do Panorama Social da América Latina, CEPAL).

Outra face da pobreza é o trabalho infantil. No início de 2020, 160 milhões de crianças estavam trabalhando – um aumento de 8,4 milhões de crianças desde 2016. Isso equivale a quase 1 em cada 10 crianças em todo o mundo. Ainda segundo as estatísticas, entre 2016 e 2020, o número de crianças de 5 a 17 anos que realizam trabalhos perigosos, isto é, todo trabalho suscetível a prejudicar a saúde, segurança ou moral, subiu para 79 milhões ( Dados da OIT).

A feminilização da pobreza, em todas as fases da vida, está diretamente relacionada aos processos imperialistas, colonialistas e ao avanço predatório do capitalismo no mundo, em especial nos países periféricos. O tripé capitalismo, racismo e patriarcado se articula com mais intensidade nos momentos de crise promovendo a piora nas condições de vida da ampla maioria da população em benefício do 1% que concentra a maior parte da riqueza global e que se beneficia com a retirada de direitos trabalhistas, sociais, previdenciários, com o aumento do desemprego, da miséria e da fome, com a precariedade ou ausência de políticas de saúde e seguridade social e econômica.

Precarização do trabalho

Apesar das lutas constantes das mulheres, a divisão sexual do trabalho, mesmo com novas características, se mantém como elemento central para a reprodução da força de trabalho e do capital. As mulheres continuam ganhando menos que os homens, mesmo acumulando mais tempo de estudos em diversas profissões. Por outro lado, o cuidado doméstico e dos filhos ainda é exercido majoritariamente por mulheres, que acumulam múltiplas jornadas. Quando estudam e se organizam politicamente, essa sobrecarga é ainda mais ampliada. A seletividade excludente na admissão de empregos devido à maternidade, o cuidado familiar exclusivo (a maioria das chefes de família são mulheres) e a ocupação dos postos de trabalho mais precarizados são outros problemas centrais para as mulheres.

A juventude é um momento crucial da vida, em que jovens começam a perceber as suas aspirações e tem possibilidade de assumir sua independência econômica. A crise global do capital tem dificultado a conquista do emprego para as jovens em termos de: i) aumento do desemprego, subemprego e condições precárias de inserção no mercado de trabalho; ii) empregos de menor qualidade para aquelas que encontram trabalho, iii) maior desigualdade no mercado de trabalho iv) transições da escola para o trabalho mais longas e inseguras, e v) afastamentos prolongados do mercado de trabalho.

Outro aspecto a ser considerado é a intensificação do trabalho, que atinge as trabalhadoras precarizadas, submetidas a aceitar condições de trabalho mais difíceis, mais penosas e salários mais baixos. Um exemplo disso são os empregos em telemarketing e call centers, que têm uma grande rotatividade de empregados, intensificação do trabalho, excesso de horas trabalhadas e baixos salários. Esses trabalhos são desenvolvidos em cabines isoladas, sob um rigoroso controle e cobrança intensa por metas, com a consequente perda do sentido de solidariedade entre as trabalhadoras.

As mulheres ainda são maioria nos trabalhos relacionados ao cuidado, como entre as trabalhadoras da saúde e no trabalho doméstico. O serviço doméstico é um dos trabalhos mais precários e com baixos salários no mundo e a única possibilidade de emprego para milhares de jovens. Na Região da América Latina e Caribe, cerca de 91,1% das pessoas que realizam trabalho doméstico remunerado na região são mulheres. Das 14,8 milhões de trabalhadoras domésticas contabilizadas na região em 2019, 72,3% não têm acesso a um emprego formal. Para 725.000, os níveis de proteção legal são insuficientes ou inadequados e 10 milhões carecem de cobertura devido à não aplicação das leis e políticas em vigor. ( DADOS DA OIT)

Esses trabalhos mais precários e rotativos dificultam ainda mais a organização das mulheres e jovens trabalhadoras. A organização sindical, que poderia ser um espaço para organização pela luta por direitos e por melhores condições de vida e trabalho, tem sido cada vez mais desarticulada e perseguida por governos reacionários e pelo conjunto de mecanismos burgueses. A precarização também limita o acesso a esses espaços, pois os empregos são cada vez mais rotativos e instáveis. Por outro lado, os sindicatos têm tido cada vez mais dificuldades de existirem e se manterem como um espaço de luta e organização.

Por outro lado, a lógica liberal do empreendedorismo e empoderamento agem na contramão da emancipação das mulheres da classe trabalhadora ao deslocarem a superação das opressões, fundadas na estrutura social de classes, para a criação de alternativas individuais atrelada aos interesses do capital. O liberalismo busca cooptar as lutas históricas das mulheres vendendo a ideia do empreendedorismo como solução para um problema coletivo, criando ilusões de que é possível mudar a situação histórica de opressões pela via do mercado. Sabemos que essa é mais uma estratégia do capital para manter a dominação de classes e que as reais transformações das nossas vidas só serão efetivas a partir da organização coletiva e da revolução socialista.

Por isso, a Federação Democrática Internacional de Mulheres se coloca na luta por salários iguais para trabalhos iguais, pela garantia de direitos trabalhistas e condições dignas de trabalho para as jovens e para toda a classe trabalhadora. Nos colocamos contrárias a todas as formas de trabalho precarizadas, que tem atingido principalmente as mulheres no mundo. Defendermos a organização sindical como espaço fundamental de lutas das mulheres de nossa classe e o direito das mulheres se organizarem politicamente em qualquer país do mundo.

Igualdade no acesso à educação

Em torno de 62 milhões de meninas deixam de frequentar uma sala de aula diariamente devido a fome, pobreza, trabalho infantil, casamento forçado, falta de segurança e saneamento básico. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), metade delas nunca mais voltará à escola. Dois terços dos 758 milhões de analfabetos do mundo são mulheres.

A falta de escolaridade leva a um alto índice de mortalidade de mulheres e também a um alto índice de natalidade e, consequentemente, a níveis ainda maiores de mortalidade infantil e mortalidade no parto. Além da gravidez, as meninas sem informação adquirem doenças sexualmente transmissíveis mais cedo e mais facilmente. Sem educação a vida sexual é mais precoce e sem proteção.

A falta de educação também deixa as jovens mais expostas a violências sexuais diversas e a trabalhos mais precários. A grande maioria das vezes é na escola que as meninas saberão que o corpo delas deve ser respeitado, que precisam se proteger de doenças e, principalmente, como se proteger de gravidezes precoces.

Há países africanos e asiáticos que ainda negam a educação de uma maneira geral para as meninas: as razões podem ser culturais, sociais, religiosas ou por simples falta de estrutura.

Quanto maior o nível educacional das mulheres, alerta a Unesco, menor é o número de casamentos envolvendo crianças. Uma menina que completa o ensino fundamental tem 14% menos chances de se casar precocemente. Com o ensino médio terminado a porcentagem aumenta para 60%. Os benefícios sociais da escola são extraordinários.

Há países da África e Ásia que a educação ainda é negada para meninas, devido a razões culturais, sociais ou simplesmente, por falta de acesso. Na Somália, por exemplo, estima-se que 95% das garotas entre 7 e 16 anos, nas comunidades mais pobres, nunca tenham ido para a escola. Na Nigéria, há mais de 5 milhões de estudantes do sexo feminino fora da sala de aula.

Por outro lado, o trabalho infantil também dificulta o acesso à escola, além de prejudicar as crianças física e mentalmente, restringir seus direitos e limitar suas oportunidades futuras. De acordo com relatório do UNICEF, há 100 milhões de crianças que ainda não recebem aulas presenciais. Milhares podem estar em risco de não retornar à escola por falta de recursos familiares e programas de apoio do Estado que auxiliem essas famílias para que não tenham que recorrer ao emprego de seus filhos e suas filhas.

Defendemos que os governos aumentem os gastos com serviços públicos e, especialmente, em proteção social. Deve-se garantir o acesso universal à educação gratuita e de boa qualidade para ambos os sexos, com a reabertura das escolas de forma segura, medidas de segurança e saúde que permitam proteger estudantes, famílias e professores. Por outro lado, é defendemos que a educação seja um direito garantido para todas as mulheres, crianças e jovens do mundo e que haja uma rigorosa fiscalização para impedir o trabalho infantil. É inadmissível ainda existirem crianças e jovens que não podem acessar a educação.

Processos Migratórios

A mistura letal de guerras, COVID-19, pobreza, fome, desemprego e emergências climáticas agravou a situação humanitária dos deslocados, a maioria dos quais estão hospedados em países da periferia global. A tendência ao aumento do deslocamento forçado continuou em 2021 – com números globais superando 84 milhões ( Dados da Agência da ONU para Refugiados ). A pandemia agravou as restrições de fronteiras, devido a transmissibilidade da COVID – 19, o que aumentou a limitação do acesso ao asilo em muitos locais.

Os conflitos internos, dos quais muitos são estimulados e provocados pelo capital – imperialismo e pelas potências imperialistas, geram grande parte dos refugiados. No primeiro semestre de 2021, grande parte dos deslocamentos internos ocorreram na África, inclusive na República Democrática do Congo ( 1,3 milhão) e na Etiópia ( 1,2 milhões). As violências em Mianmar e no Afeganistão também forçaram milhares de pessoas a deixarem suas casas entre janeiro e junho de 2021.

As dificuldades socioeconômicas foram agravadas pela pandemia, o que agrava a situação de dominação e violências às refugiadas, deslocadas internamente e apátridas. Milhões dessas jovens dependem de empregos precários na economia informal, muitas das quais trabalham em condições análogas ao trabalho escravo. Em alguns contextos onde as famílias são atingidas por conflitos, desastres, insegurança e pobreza crescente, as meninas são retiradas da escola para trabalhar, casar e, nos casos mais extremos, para serem vendidas.

A desigualdade de gênero é intensificada pelos deslocamentos forçados. Existem um aumento mundial de relatos de violência de gênero, como violência doméstica, estupros, casamentos forçados e trabalho infantil. A violência sexual sempre foi uma arma usada para a submissão e controle de mulheres e crianças. Milhares de mulheres imigrantes ou refugiadas estão expostas à fome e a privações diversas, que as colocam em situação ainda mais grave de vulnerabilidade à violência sexual. Essas violências são realizadas tanto por homens nas situações de conflitos, pessoas responsáveis pela travessias ou por militares que estão trabalhando nas fronteiras ou em situações de conflito.

Nesse momento, presenciamos a crise na Ucrânia, que chegou a seu auge no dia 24 de fevereiro, quando a Rússia iniciou operações militares no território ucraniano, tendo como pano de fundo a expansão da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) para o leste europeu, o avanço de governos reacionários e de cunho fascista pelo mundo, a luta pela independência das Repúblicas de Donetsk e Lugansk, que enfrentam há oito anos os ataques fascistas de Kiev e as disputas capitalistas na região. Os interesses dos EUA e da União Europeia em conter o fortalecimento internacional do bloco China-Rússia se expressa na expansão da OTAN, que já está presente em 14 países da região, formando um cerco militar nas fronteiras russas. A reação do antissoviético Putin, apresentada como se tivesse fins humanitários, pode ser importante para derrubar os neonazista de Kiev, porém, representa os interesses capitalistas e expansionistas russos na região. Essa guerra já está aumentando o número de refugiadas e dificultando as condições de vida na região. A única solução para esse conflito passa pela luta independente da classe trabalhadora em nível mundial contra o imperialismo dos EUA, da OTAN e o sistema capitalista.

A Federação Democrática Internacional de Mulheres se coloca contrária a todas as guerras imperialistas e toda a exploração capitalista, que produz processos migratórios e refugiados em todo o planeta. Nos colocamos contrárias a todas as violências de gênero, sejam elas às refugiadas ou a qualquer mulher no mundo. Nesse momento é fundamental nos colocarmos contra toda a ofensiva neonazista, como a que ganhou o governo da Ucrânia e tem violentado as/os trabalhadores/as das Repúblicas de Donetsk e Lugansk. Lutamos pelo fim da OTAN e de toda a sua ofensiva contra a classe trabalhadora do mundo.

CONCLUSÕES

As relações sociais de classe, sexo/gênero e raça/etnia estão historicamente interligadas ao desenvolvimento do capitalismo, portanto, não podem ser analisadas e compreendidas separadamente. A vida das mulheres trabalhadoras, cis e trans, LBTs, PcDs, do campo e da cidade, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, das periferias urbanas estão no centro das lutas da Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM). A mediação entre as pautas imediatas, que perpassam a manutenção da vida e melhores condições de trabalho, alimentação, saúde, educação, moradia, transporte e a estratégia socialista, orientam nossa organização e a construção do poder popular.

Para erradicar totalmente a pobreza e sua feminilização, garantir o acesso pleno e universal à educação para mulheres, com relações de trabalho dignas, não fundamentadas na divisão sexual do trabalho e que contemplem as especificidades de mulheres mães, PcDs, e toda diversidade que compõe as mulheres da classe trabalhadora, é fundamental enfrentar as raízes desses problemas que se encontram nas relações sociais de classe, sexo/gênero, raça/etnia. Em outras palavras, é preciso derrotar o capitalismo para construir uma sociabilidade que permita nossa libertação.

FONTE DE DADOS:
https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/relatorio-da-onu-ano-pandemico-marcado-por-aumento-da-fome-no-mundo

The State of Food Security and Nutrition in the World 2021

Conflitos, crise climática e Covid-19 agravam desigualdades para mulheres e meninas deslocadas


https://www.cepal.org/es/publicaciones/46687-panorama-social-america-latina-2020
https://conexaoplaneta.com.br/blog/mais-de-60-milhoes-de-meninas-nao-tem-acesso-educacao-no-mundo/#fechar