Sobre a tarefa pedagógica dos comunistas — Parte 1

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Por Marcelo Hayashi, sociólogo e militante do PCB em São Carlos (SP)

Foto de Marcelo Hayashi: ato da Comunidade Renascer em Piracicaba (SP)

Há muito tenho refletido sobre a questão apresentada no título deste escrito. Pretendo tratar aqui de questões e reflexões que talvez não se encerrem apenas nesse texto. Falarei sobre a necessária mudança educacional e pedagógica (pois são coisas diferentes) no Brasil, com base na necessária mudança ideológica e, sobretudo, estrutural de nossa sociedade. Dirijo-me a toda classe trabalhadora deste vasto país, mas principalmente aos e às camaradas que cerram as fileiras revolucionárias, e que erguem as indiscutíveis bandeiras anticapitalistas e anti-imperialistas.

Antes de mais nada, preciso colocar você, leitor e leitora, a par do que será essa série de textos. Bem, é impossível eu ir direto ao ponto sobre a tarefa dos e das comunistas sem antes trazer alguma perspectiva concreta e metodológica sobre o tema. Pretendo fazer isso sem grandes rodeios, mas com muita dialética, e trazendo alguns pontos que considerei serem importantes. Não pretendo abarcar todas as questões, problemáticas e reflexões que podem (e com certeza devem) fazer parte dessa discussão. Gostaria de fazer isso, mas por questões de tempo e de necessidade de um estudo mais aprofundado, não as farei neste momento.

A intenção é que um texto vá complementando o outro, conectando ideias, fazendo surgir novas reflexões e questionamentos por onde esse texto chegar. Por isso, convido você desde já a acompanhar os próximos escritos para refletir e discutir junto comigo, assim fazendo avançar a teoria e a prática de forma conjunta.

A questão educacional é um tema candente em todo âmbito político de nossa sociedade. Por um lado, é utilizada como moeda de troca por votos pelos políticos que representam a burguesia nacional e internacional. Ainda daquele lado do “muro”, há aqueles que defendam a educação como via principal de mudança social; reza a lenda que é através dela, e apenas ela, que o mundo será transformado. Poético, esperançoso, bonito, porém desconexo com a realidade. Por outro lado, deste lado do “muro”, há uma análise mais correta e acertada, e de fato materialista: de que a educação é fundamental para a mudança estrutural, mas com a consciência da equivocada posição em defendê-la como central na luta.

A Educação (com E maiúsculo, até para denominar o que, no senso comum, subentende-se por colocar a educação como algo puramente institucional) deve ser defendida com unhas e dentes. Ela é um dos principais focos de ataque e desmonte nas últimas décadas (quiçá desde sempre no Brasil), ataques esses orquestrados de forma única pela burguesia. Um dos maiores responsáveis por essa política é o bilionário Jorge Paulo Lehmann, que possui diversas empresas e investimentos no setor privado da educação. Uma representante bem conhecida dessa política é a agora deputada federal Tábata Amaral, fundadora do movimento “Mapa Educação”, e exemplo meritocrático da classe dominante por ter “vencido” e ter sido “salva” pela educação.

O erro que reside na ideia daqueles que defendem a educação como central no processo de mudança social é justamente reflexo do reformismo, prática que se tornou corriqueira pela esquerda progressista e neoliberal. O reformismo prega que as mudanças serão realizadas pelos meios institucionais, “curando” seus problemas administrativos, de gestão e de governabilidade. Através dessa prática, efetiva-se a ideia de que mudanças democráticas, dentro do capitalismo burguês, serão o fio condutor da resolução de todo problema social. Pois não há ideia mais equivocada que essa: como pode um sistema podre ser recuperado? A falsa ideia de democracia criada pelo capitalismo nos isola do cerne real do problema, pois o que se diz democrático encontra seus próprios limites, e limita seu potencial, dentro do sistema hegemonizado pela burguesia.

É interessante notar como essa discussão surge no Brasil, principalmente pelo que se constitui como a maior potência educacional e de orgulho do nosso povo: a academia. Por academia podem entender que me refiro às universidades, suas pesquisas, a ciência e a tecnologia desenvolvidas nesse meio. O francês Pierre Bourdieu, em um texto que se tornou clássico na academia, descreve como se dão as formas de dominação ideológicas dentro do campo de pesquisa, através do conceito de hegemonia de Antonio Gramsci. Pois é factível dizer que tal aplicação do conceito pode ser utilizado para análises diversas em situações diversas na busca por exemplificar como a hegemonia burguesa do capitalismo se desdobra nas sociedades atuais. No questionamento levantado no parágrafo anterior (“como pode um sistema podre ser recuperado?”) é possível ver como o positivismo, corrente sociológica utilizada como base científica de diversas vertentes e ramos da ciência burguesa, se exemplifica na
prática.

O positivismo reside, entre outras coisas, na transposição de uma questão biológica de forma pura para as análises sociais. “Bom se a sociedade está podre, basta reformá-la antes de seguir em frente, igual faríamos com uma peça de madeira”. Mas uma sociedade nunca será igual a uma madeira. E sim, há quem defenda isso fazendo comparações com objetos inanimados e animais, como se a sociedade fosse algo estático ou como se a humanidade se comparasse com o desenvolvimento de outros animais terrestres. Mesmo sendo a corrente que ‘fundou’ a sociologia enquanto ciência na academia, e mesmo após todo esse tempo, o positivismo ainda impera silenciosamente no campo científico. Seja colocado de forma direta, seja por estar pautado em um idealismo platoniano, seja por ser a forma como outras grandes áreas do conhecimento se inserem nas ciências humanas… O importante aqui é entender que ele existe enquanto base científica, metodológica e epistemológica de muitas teorias e posicionamentos políticos atuais.

De toda forma, o mesmo não pode ser dito da ciência da classe trabalhadora: o marxismo. No materialismo histórico-dialético não se transporta de forma mecânica uma análise de uma situação para outra. Na verdade, busca-se diferenciar e analisar as particularidades de cada país/situação/conjuntura com base em questões concretas, históricas e dialéticas. Você pode dizer que é a mesma coisa, mas há diferenças. Por exemplo, é diferente eu analisar uma política pública e estatal que foi aplicada por todo território brasileiro em determinado período e analisar uma teoria educacional e pedagógica que foi teorizada e pensada, porém nunca teve aplicação prática. Quer um exemplo: em 1932, diversos setores da sociedade brasileira se unificaram na luta pela pauta que, posteriormente, conhecemos como “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. Nesse movimento se juntaram comunistas, anarquistas, progressistas, liberais, etc. Esse manifesto se tornou um marco educacional no país, porém (e longe de mim desconsiderar a importância disso), como ele se desdobrou na prática?

Um dos preceitos do manifesto era uma educação laica, a educação hoje pode ser realmente dita como laica? Outro preceito era que ela fosse universal. E hoje, a educação é realmente universalizada pelo país? É realmente gratuita se os alunos têm que pegar ônibus para chegar até lá e o governo não arca com esses custos? Por último, ela não é nem de longe de qualidade. Tudo isso é espelho de algo que já sabemos: a educação brasileira quando pensada no que se é na realidade, passa bem longe de qualquer política bem escrita e maravilhosa do papel. Isso pra mim é bem claro pela pesquisa que realizei no mestrado. A Educação Integral é linda no papel, mas pouco efetiva na prática, e isso não é resultado só de uma ‘infiltração’ liberal em seus conceitos. Na realidade, a Educação Integral que está no papel não consegue se concretizar com todo seu potencial dentro do capitalismo. Enfim, para não me alongar muito nesse ponto agora, acredito que o importante é o entendimento das análises educacionais brasileiras, a diferenciação entre pedagogia e educação, a diferença entre o que acontece na prática e na teoria, etc.

Dito toda essa questão, retomo uma pergunta fundamental ao movimento revolucionário: Qual educação pretendemos para transformar a sociedade? Qual educação pretendemos DEPOIS de transformar a sociedade? No meu entendimento, essas duas questões se separam, pois entendo que são momentos e táticas diferentes a serem escolhidas e aplicadas. Disso, surgem ainda outros questionamentos: Qual é a pedagogia mais adequada para o modelo de educação que foi pensado? Me coloco a pensar nessas questões, pois, no meu entendimento, a educação permeia qualquer área de atuação militante.

Temos que pensar em como intervir e avançar a consciência de classe dos trabalhadores e trabalhadoras a todo momento. Sermos comunistas em tempo integral. Uma panfletagem é um momento mais que oportuno para isso, e para fazer esse processo necessita de uma didática, necessita-se de uma orientação pedagógica. Isso acontece também em qualquer conversa de bar ou fila de pão em que um comunista está inserido. A educação política está presente também na forma como levamos os conteúdos de agitação e propaganda para a classe trabalhadora. Ela também se demonstra presente quando precisamos explicar aos trabalhadores porque o partido de vanguarda precisa de ajuda financeira para apoiar e ajudar a construir uma escola popular em alguma ocupação. Se faz presente também na maneira como nos portamos e lidamos com redes sociais.

Enfim, eu poderia citar qualquer exemplo aqui e demonstrar de forma prática sobre como a pedagogia é extremamente importante e necessária aos e às comunistas e à classe trabalhadora. Nos escritos futuros, pretendo abordar e ressaltar ainda mais essa tarefa tão essencial e que está permeada às outras tarefas (tanto estratégicas como táticas) do movimento revolucionário. Pretendo também demonstrar como diversos
revolucionários já demonstraram a extrema importância desta tarefa em seus escritos.

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