A privatização velada da Embrapa

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GT Ambiental do Comitê Regional do PCB-SP

O novo presidente da Embrapa Celso Moretti anunciou que a empresa irá passar por uma reestruturação interna, começando em 2022. A reestruturação toma corpo em meio a diversos cortes dos repasses de verba federais desde 2020 [1], e visa adaptar a estrutura da Embrapa para funcionar com o mínimo de verbas públicas. A proposta de reestruturação foi feita pela empresa privada de consultoria Falconi, e deve logo ficar pronta.

A reestruturação visa o corte ainda mais profundo de verbas para a Embrapa, visando principalmente o quadro de funcionários da instituição. Isso inclui o corte da maioria dos cargos comissionados e da não-renovação dos quadros que estão para se aposentar compulsoriamente. Nas palavras do próprio Celso Moretti, “A ideia é avançar com a terceirização” [2]. O principal argumento em prol da reestruturação é a economia de dinheiro público. Celso Moretti também indica que a Embrapa deve buscar investimento privado para manter as pesquisas, aos poucos se tornando independente dos repasses estatais. Mas algo que precisamos compreender é que mesmo hoje, nada impede que empresas privadas façam parcerias com a Embrapa para financiamento de pesquisas. Mesmo assim, dos 992 projetos de pesquisa em andamento em 2020, apenas 126 recebiam financiamento privado em alguma instância [3]. Isso porque a Embrapa desenvolve pesquisas exploratórias e de ponta, que podem não oferecer o retorno financeiro imediato que as torne interessantes do ponto de vista mercadológico.

O que está em curso na Embrapa administrada por Celso Moretti é uma tentativa de privatização velada. Privatização não é necessariamente um processo simples e facilmente identificável. Em alguns casos, as privatizações podem vir em pequenas parcelas e com diversas nuances. No caso da Embrapa, a sua privatização é menos clara do que o processo que aconteceu com a Vale. É uma privatização velada como “reorganização” da empresa pública, com pacotes de demissão em massa e cortes massivos de verba. Apesar do processo todo ser complexo, o resultado é bem simples. Para captar recursos da iniciativa privada, a empresa pública Embrapa terá que oferecer contrapartidas em suas pesquisas. Em outras palavras, estará trabalhando para a iniciativa privada na prática. Ainda assim, vai captar recursos públicos, dessa vez sendo transferidos para empresas privadas.

No começo da década de 70, elevados preços internacionais de alimentos, a necessidade de exportar mais e a rápida urbanização geraram forte pressão de demanda que não poderia ser atendida pela agricultura vigente. Deste modo, motiva-se a fundação da Embrapa como uma instância de inovação institucional que tinha como características principais um modelo de organização de empresa de utilidade pública com escala de operação no nível nacional, descentralização do seu espaço de atuação e unidades de pesquisa especializadas. Teve por visão uma agricultura baseada em ciência e tecnologia. Hoje, a EMBRAPA possui 43 Centros de Pesquisa e unidades administrativas, que estão distribuídas em todas as regiões do Brasil e também em outros países, desenvolvendo pesquisas avançadas, contando com mais de 8 mil empregados, dos quais mais de 2 mil são pesquisadores. Sua estrutura conta com dezenas de instalações que constituem uma rede nacional de desenvolvimento técnico-científico. Com essa estrutura, a Embrapa sempre foi uma instituição pública produtiva, responsável por diversas patentes públicas e pesquisas necessárias para o desenvolvimento de técnicas modernas de cultivo do solo. O argumento de que a empresa precisa de uma reestruturação orientada ao mercado para se tornar produtiva é simplesmente falso.

A privatização velada da Embrapa é um avanço no sentido de tirar o pouco de direito ao acesso que o agricultor tem à produção científica e tecnológica voltada para a melhoria da produção agrícola nacional e agravar ainda mais a submissão aos interesses do latifúndio, do agronegócio e do imperialismo. É terminar de estrangular o que ainda nos permite respirar. Afinal, o pequeno agricultor tem a capacidade de financiar a produção científica da Embrapa? Essa é mais uma forma de restringir o acesso do conhecimento aos maiores latifundiários do país.

Além disso, as pesquisas em agronomia desenvolvidas pela Embrapa são de cunho estratégico para o Brasil, que tem sua economia baseada em grande parte na exportação de produtos agrícolas dada nossa desindustrialização [4]. Por isso, o PCB é contrário à privatização da Embrapa e entende que não basta ela estar estatizada se esta não estiver sob controle dos trabalhadores organizados. As pesquisas desenvolvidas nela devem atender primordialmente à produção agrícola realizada pelos pequenos camponeses, pela agricultura familiar, pela agroecologia e pelos movimentos sociais que lutam pelo direito à terra.

O PCB também expressa sua solidariedade ao Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário – SINPAF e ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, na sua defesa de uma Embrapa pública. O PCB se dispõe a lutar ao lado de todos os movimentos que estejam alinhados com a defesa de uma Embrapa sob o poder da classe trabalhadora organizada, servindo aos seus interesses.

Referências:

[1] https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2020/09/20/cortes-na-embrapa-criam-dilema-para-captacao-de-recursos-avaliam-ex-presidentes.ghtml

[2] https://economia.estadao.com.br/noticias/agronegocios,embrapa-busca-ficar-socia-de-empresas-e-ve-economia-de-r-320-mi-por-ano-com-novo-modelo-de-gestao,70003975968

[3] https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2020/09/20/cortes-na-embrapa-criam-dilema-para-captacao-de-recursos-avaliam-ex-presidentes.ghtml

[4] ABREU, Marcus Vinícius Barcellos. A Importância da Produção Científica da Embrapa Como Fonte de Informação Tecnológica. Rio de Janeiro, 2013

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