Paraguai: inflação, endividamento e pobreza

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Seria a inflação o verdadeiro problema da classe trabalhadora paraguaia?

Por Alhelí González Cáceres*, via Jornal Adelante! – Partido Comunista Paraguaio

Nos últimos meses, tornou-se relevante o aumento escandaloso dos preços dos combustíveis e dos alimentos, em especial o aumento sustentado dos preços dos bens que compõem a cesta básica de consumo das famílias. Nenhuma dessas variações deve nos surpreender considerando a estrutura produtiva da economia paraguaia e os recursos energéticos de que dispõe, o que obviamente não inclui o petróleo. A dependência energética do Paraguai em relação ao petróleo e seus derivados nos coloca em uma posição particularmente vulnerável, dadas as oscilações sofridas pelo preço dessa matéria-prima no mercado mundial como importador líquido de petróleo e seus derivados.

O preço do petróleo é extremamente volátil e, embora, em determinados momentos, sobretudo durante os primeiros meses da pandemia, o preço tenha caído, expressando-se mesmo em termos negativos, em consequência da cessação das atividades produtivas em nível mundial, o seu preço foi se recuperando, situando-se atualmente em cerca de USD 101,78 por barril e, desde março de 2022, ultrapassou a barreira dos USD 100 por barril.

Uma matriz energética dependente da importação de petróleo e seus derivados resulta necessariamente em maior volatilidade de preços no mercado doméstico, na medida em que as variações por ele vivenciadas no mercado internacional e que se expressam em toda a cadeia produtiva em escala global são absorvidas em última instância pela classe trabalhadora como um todo. Enquanto os capitais que atuam nos países exportadores dessa matéria-prima se beneficiam do aumento sustentado dos preços, em economias como a nossa isso representa um grande golpe nos bolsos da classe trabalhadora, bem como dos grupos sociais mais vulneráveis, que acabam pagando os custos cada vez mais elevados da importação de hidrocarbonetos enquanto o Estado subsidia a importação de capital com recursos públicos. Este fato reflete-se nos subsídios que o Estado tem concedido sistematicamente tanto aos setores agroexportadores como aos dedicados ao transporte público e à importação de hidrocarbonetos.

A nova Lei que cria o “Fundo de Estabilização do Preço dos Combustíveis Derivados do Petróleo na República do Paraguai” possibilita uma nova etapa na já histórica transferência de riqueza da classe trabalhadora para os grandes capitais que atuam no mercado local. Com uma estrutura tributária regressiva, que joga todo o peso de sustentar o aparato estatal e as políticas públicas nas costas da classe trabalhadora, a garantia do subsídio não pode ser feita senão por meio da dívida pública, que teve um crescimento nos últimos décadas, reflexo não só da matriz produtiva baseada no setor primário exportador, mas também da não lucratividade das atividades produtivas no país que, para sustentar a taxa de lucro, exigem cada vez mais do Estado subsídios à custa da classe trabalhadora paraguaia, que vê suas condições de vida se deteriorarem cada vez mais.

Do total da arrecadação do Estado, a maior parte é composta por arrecadação de IVA (Imposto sobre Valor Agregado), enquanto os grandes capitais que atuam no mercado local contribuem com menos de 1% da arrecadação total de impostos. Da mesma forma, entre os grandes contribuintes, não só não aparecem os grandes capitais agroexportadores, como o maior contribuinte é, há vários anos, a Administração Nacional de Eletricidade (ANDE). Evidencia-se uma estrutura tributária marcadamente regressiva, ou seja, a baixa capacidade de arrecadação do Estado se traduz necessariamente em uma política de maior endividamento externo, que, no final de fevereiro de 2022, representava 32,9% do setor público.

É nesse cenário de endividamento crescente, maior dependência energética e subsídios ao capital excedente que devemos situar o aumento dos preços dos bens da cesta básica familiar, que, desde 2019, apresentou tendência crescente, principalmente no setor de carnes e seus derivados, resultado de o setor estar totalmente voltado para o mercado externo, o que se reflete no fato de que cerca de 90% do abate de bovinos é destinado ao mercado externo, elevando os preços no mercado interno.

A orientação externa necessariamente decorre da tendência de alta dos preços da carne bovina no mercado internacional, que se verificou na oscilação dos preços do item, sendo um dos mais elevados nos últimos anos, acompanhado de queda no volume de abate. É um princípio da economia que, com menos oferta, os preços aumentam. Nesse sentido, a oscilação dos preços é influenciada não apenas pela menor produção, pelo aumento dos preços dos combustíveis e dos custos de transporte devido à vazante do rio, mas também pelo direcionamento da produção, destinada quase integralmente ao mercado externo, e onde, além disso, o preço dessa mercadoria é definido no sistema financeiro internacional.

A evidência, então, corrobora que o capital que opera em território paraguaio faz parte desse grande volume de capital excedente que não pode ser valorizado em condições normais de reprodução. Isso se reflete no papel do Estado como ator relevante dentro dessa dinâmica, uma vez que esses capitais exigem, para manter sua competitividade, desonerações fiscais cada vez maiores. Ao mesmo tempo, caminham para o campo da ilegalidade e da especulação, cuja taxa de valorização e retorno é crescente.

Em síntese, o atual modelo produtivo que encontra o principal eixo de acumulação na renda da terra deriva, por um lado, na destruição da capacidade produtiva da economia; a concentração dos fatores produtivos e a insustentabilidade financeira do Estado, decorrente da necessidade de manutenção da participação nos lucros por meio da transferência de recursos da classe trabalhadora para os diversos capitais que atuam no território, que disputam as rendas geradas por meio de diversas apropriações e mecanismos, como o câmbio favorável ao setor exportador para manter a competitividade de preços; isenções fiscais e um sistema tributário regressivo.

A deterioração das condições de vida da classe trabalhadora está intimamente ligada ao conteúdo expansivo da produção agrária capitalista, pois a expansão da fronteira agrícola implica no deslocamento de grandes contingentes humanos que não encontram espaços de inserção no mercado de trabalho e, consequentemente, de realização da única mercadoria de que dispõe, que nada mais é do que a capacidade de vender sua força de trabalho, o que resulta na presença de uma superpopulação relativa que, para garantir sua reprodução, só encontra duas saídas: o mercado informal em condições de estrita precariedade ou o terreno das atividades ilícitas e ilícitas no âmbito do crime organizado.

Uma vez que, embora tenha havido um ligeiro aumento do salário nominal, o salário real (aquilo que a classe trabalhadora pode efetivamente adquirir quando vai ao mercado) se contraiu. Da mesma forma, o aumento das transferências que a classe trabalhadora precisa fazer em saúde, educação, habitação e transporte, pressiona a massa salarial real e a torna extremamente vulnerável em contextos de crise, como pudemos ver durante a pandemia, levando à deterioração das condições de vida da classe trabalhadora em geral, particularmente do grande volume de trabalhadores informais.

Em suma, isso nos permite compreender, no contexto da unidade capitalista mundial, o caráter profundamente regressivo de seu desenvolvimento, na medida em que enormes transformações são geradas no campo das descobertas científicas e sua aplicação nos processos produtivos, gerando, em retorno, o deslocamento da força de trabalho para fora do mercado de trabalho, como parte da racionalidade irracional do sistema, limitando as capacidades de valorização da mercadoria em um mercado mundial cada vez mais estreito, o que se verifica na desaceleração da atividade econômica global muito antes da pandemia, revelando o conteúdo de uma crise estrutural multidimensional.

Em última análise, a inflação entendida como mecanismo de transferência de valor da classe trabalhadora para os grandes capitais, pelas próprias leis que regem o movimento da economia capitalista, não só não encontraria solução nos marcos do sistema, mas tende a aprofundar a precariedade das condições em que a força de trabalho se reproduz como expressão do desenvolvimento contraditório do capitalismo, sustentado na contradição entre capital e trabalho e na consequente disputa pela apropriação da riqueza social. Portanto, o problema da classe trabalhadora, em última análise, não é nem mesmo o aumento sustentado dos preços, mas sim a forma como a produção social está organizada, o que nos obriga a apontar para a essência do problema, superando as aparências.

Foto: Daniel Ñamandú

*Economista pela Universidade de Pinar del Río “Hermanos Saíz Montes de Oca”, República de Cuba.
Mestrando em Ciências Sociais com ênfase em Investigação e Desenvolvimento Social por FLACSO-Paraguai.
Responsável pela Comissão Nacional de Formação e Ideologia do Partido Comunista Paraguaio.
Membro do Comitê Central do PCP.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: https://adelantenoticias.com/2022/04/08/inflacion-clase-trabajadora-paraguaya/

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