Cuba: uma política internacional por paz e socialismo
Por Manolo De Los Santos | Globetrotter, tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
A tradição do não-alinhamento de Cuba, parte do Movimento dos Não-Alinhados, nascido na Guerra Fria, deve ser reconsiderada em um momento de divisão latino-americana e tensionamento na Europa.
Apesar do fato de que as cidades de Bandung, na Indonésia, e Havana, em Cuba, não poderiam estar mais distantes geograficamente – com cada uma delas localizadas em distantes ilhas em seus respectivos países e separadas por mais de 17 mil quilômetros – as duas cidades estiveram bastante próximas ideologicamente na imaginação de muitas pessoas no Sul Global. O Projeto do Terceiro Mundo, nascido da colaboração contínua dos novos estados recém independentes e suas lutas por libertação nacional, definiu e continua a definir a história dos movimentos por paz e não-alinhamento ainda hoje.
Quando a Conferência de Bandung começou, em 18 de abril de 1955, Fidel Castro ainda era um preso político na então chamada Ilha de Pinhos, ao sul de Havana. Ele cumpria uma sentença de 15 anos de prisão por ter organizado um ataque fracassado contra o Quartel Moncada dois anos antes. Naqueles anos de prisão, durante os quais o jovem Fidel leu ferozmente, ele começou a solidificar suas ideias sobre os conceitos de soberania e independência, e como eles precisavam ser redefinidos no contexto da Guerra Fria, no qual o imperialismo desenvolvia novas abordagens no sentido de manter a subjugação de continentes inteiros.
À medida que Fidel e seus camaradas na prisão traçavam um novo caminho para Cuba, ficava claro que sua causa de libertação nacional precisaria estar intimamente conectada a um projeto mais amplo visando o desenvolvimento e o trabalho por um não-alinhamento ativo para os povos do Terceiro Mundo.
Numa mesa redonda em Bandung, na Indonésia, os líderes do Terceiro Mundo lançavam uma luta global para reestruturar o sistema mundial prevalecente naqueles tempos. A conferência foi lugar de convergência dos países socialistas e do Terceiro Mundo, e testemunhou uma crescente unidade entre essas nações nas lutas para aprofundar o processo de descolonização.
Na Conferência de Bandung, os governos independentes da Ásia e África levantaram a urgência de reviver a luta anticolonial e anti-imperialista e a necessidade de unir e solidificar cada vez mais os interesses e aspirações de seus povos. Enquanto isso, a vasta maioria dos governos da América Latina estavam contra os interesses e aspirações de seus povos, e profundamente submetidos ao imperialismo norte-americano sob o disfarce da Organização dos Estados Americanos (OEA), que já funcionava como o Ministério das Colônias do Departamento de Estado dos EUA, como Fidel depois a apelidaria.
Em 1959, a Revolução Cubana triunfou. Ela marcou um transformador ponto sem volta para a América Latina e suas relações com os Estados Unidos. O governo estadunidense decidiria não reconhecer o processo revolucionário na ilha. Em 1961, Cuba se tornou o foco da agressão norte-americana na região, levando a um bloqueio que hoje já tem seis décadas. Pela primeira vez na história, um movimento guerrilheiro tinha levado adiante uma revolução e confrontado o imperialismo dos Estados Unidos bem debaixo de seu nariz, desencadeando profundas transformações em sua estrutura socioeconômica, que se opunham aos interesses neocoloniais de dominação estadunidense.
Pouco tempo depois, Cuba se tornou o único país da América Latina a fazer parte do Movimento dos Não-Alinhados (MNA), criado na Iugoslávia em 1961. Fidel Castro e a Revolução Cubana começariam a ter um papel estratégico na solidariedade internacionalista com as lutas de libertação anticoloniais e anti-imperialistas dos povos do Terceiro Mundo.
A Revolução Cubana estava plenamente consciente de que seu destino estava ligado ao dos povos da América Latina, Ásia e África. Como Fidel declarou em 1962, “qual é a história de Cuba senão a história da América Latina? E qual é a história da América Latina senão a história da Ásia, África e Oceania? E qual é a história de todos esses povos senão a história da exploração mais implacável e cruel do imperialismo em todo mundo?”
Quando Cuba ingressou no MNA, em 1961, sua política externa estava em um estágio de definição estratégica. O compromisso de Cuba com o Terceiro Mundo tornou-se um pilar de sua estratégia internacionalista, seja através do Movimento dos Não-Alinhados ou da Conferência Tricontinental, ou ainda da posterior Organização de Solidariedade com os Povos de Ásia, África e América Latina (OSPAAAL). Nas décadas seguintes, muitos dos movimentos de libertação nacional que se encontraram em Havana em janeiro de 1966, durante a primeira conferência da OSPAAAL, estariam no governo de novos estados que passaram a participar no Movimento dos Não-Alinhados, tornando-se este o novo paradigma do Terceiro Mundo.
Comprometidos com nossos próprios princípios de não-alinhamento
Na reunião de fundação do Movimento dos Não-Alinhados na Belgrado socialista (então capital da Iugoslávia) em 1961, Osvaldo Dorticós Torrado, então presidente de Cuba, afirmou que o não-alinhamento “não significa que não somos países comprometidos. Estamos comprometidos com nossos próprios princípios. E aqueles de nós que são amantes da paz, que lutam para afirmar sua soberania e alcançar a plenitude do desenvolvimento nacional, estão, finalmente, comprometidos em responder a essas aspirações transcendentes e não trair esses princípios”. Numa época em que muitos criticavam o aparente “alinhamento” de Cuba com a União Soviética e atacavam a premissa de que a libertação nacional estava vinculada a um projeto socialista, Dorticós, em seu discurso de abertura, durante a reunião de fundação do MNA, procurou definir melhor o não alinhamento, afirmando que o momento exigia “mais do que formulações gerais, [e que] problemas concretos devem ser considerados”.
Essa definição ativa do não-alinhamento tem sido importante para a política externa de Cuba em sua relação com as forças mais progressistas do Terceiro Mundo. O pensamento do Movimento dos Não Alinhados, a partir de 1973, parece ter abandonado as ideias de “neutralidade” que permeavam o movimento desde sua criação e expandido suas atividades para as relações econômicas internacionais com muito mais força do que em seu período anterior, em defesa da necessidade de uma nova ordem econômica internacional.
Desde a queda da URSS e a ascensão dos Estados Unidos a uma posição de quase primazia, o MNA teve problemas para se adaptar às novas realidades e ficou à deriva. Nos últimos anos, no entanto, com o ressurgimento do regionalismo na América Latina e com o surgimento da integração eurasiana, a importância do não-alinhamento e do MNA está gradualmente sendo reconsiderada. Povos de todo o mundo resistem às táticas de coerção adotadas pelos Estados Unidos, que vêm tentando isolar os países que não se submetem à vontade de Washington. Isso ficou especialmente claro com a Cúpula das Américas da Organização dos Estados Americanos de junho de 2022, onde países como Bolívia e México ameaçaram boicotar a cúpula em Los Angeles se Cuba, Nicarágua e Venezuela forem proibidas de participar. Como alternativa, a Cúpula dos Povos pela Democracia leva adiante o legado de Bandung e Havana, reunindo as vozes dos excluídos.
*Este artigo foi produzido para o jornal Morning Star e para a Globetrotter.