Irã: crise econômica, ditadura teocrática e o papel da esquerda

Partido Tudeh do Irã

As consequências da crise econômica, o calcanhar de Aquiles da ditadura teocrática e o papel da esquerda e das forças nacionalistas progressistas no Irã

(Trechos traduzidos do Editorial de Nameh Mardom, edição nº 1183, publicado em 05 de junho de 2023)

Nas quatro décadas desde a Revolução Iraniana de 1979, contra a ditadura comandada pelo Xá Mohammad Reza Pahlevi, uma monarquia autocrática pró-Ocidente, a principal razão para o declínio da economia do país tem sido o processo de concentração do grande capital improdutivo e seu domínio em muitas esferas econômicas e políticas.

Especialmente após o fim da Guerra Irã-Iraque [1980-1988], tanto as formas legais e ilegais de intermediação financeira quanto as transações especulativas, que se mostraram inúteis, desempenharam um papel fundamental no surgimento e funcionamento do atual sistema capitalista no Irã, tanto em nível macro quanto microeconômico. O ponto de partida desse processo pode ser visto no início dos anos 1980. Durante este período e seguindo as mudanças decorrentes do estabelecimento do “Islã Político”, baseado no capital comercial e tradicional, o processo revolucionário para realizar as demandas do povo por justiça econômica e social foi decisiva e deliberadamente interrompido. A continuação desse processo nas quatro décadas seguintes levou à infiltração generalizada de grandes empresas e poderosas oligarquias financeiras e comerciais que, de mãos dadas com a burguesia burocrática rentista ligada à base do “líder supremo” – incluindo o império IRGC [máfia] e as várias facções do bloco de poder do regime – dominam todas as áreas de atividade econômica do país.

Nas últimas três décadas, em particular, o núcleo da estratégia econômica da República Islâmica – sob as ordens diretas do “líder supremo” Khamenei – tem se concentrado principalmente no fortalecimento e na “proteção” do regime [isto é, para escorar e assegurar a sobrevivência do regime]. Isso foi feito tentando impulsionar o crescimento econômico por meio de políticas de “livre mercado”, a fim de colher rapidamente enormes lucros da acumulação de grande capital improdutivo privado e semiprivado. Assim [com base nessa lógica], a maior parte dos grandes capitalistas [do Irã] tem seu capital envolvido em setores totalmente improdutivos do capitalismo financeiro-mercantil – em outras palavras, naquelas atividades muito parasitárias que são propensas à corrupção e ao suborno .

Por um lado, a ditadura teocrática sempre procurou encobrir tal corrupção financeira e essas atividades rentistas com todos os tipos de enganos religiosos. Assim, sempre que tal corrupção é descoberta em meio a rivalidades entre facções e lutas internas do regime, o “líder supremo” geralmente emite uma diretiva para interromper novas exposições ou investigações, sob o pretexto de “não prolongar”, de modo a “proteger” o regime.

Por outro lado, nas últimas três décadas, o regime teocrático adotou positivamente o sistema macroeconômico atrelado ao modelo neoliberal de “livre mercado” para possibilitar e facilitar o lucro rápido e em larga escala. Sob a bandeira da criação de uma “economia livre (não regulamentada)”, os capitalistas ligados à pirâmide de poder [no Irã] têm a liberdade de explorar o trabalho e os recursos naturais tanto quanto possível, de usar as tecnologias mais recentes e os métodos de gerenciamento mais rígidos e, assim, acumular mais capital privado e quase privado.

Após três décadas, o resultado final desta combinação altamente destrutiva, ou seja, a mistura de “Islã político” e “neoliberalismo econômico”, pode ser expresso nos seguintes termos:

1) A incorrigibilidade da atual “economia política” extremamente injusta no Irã, que representa uma contradição irreconciliável com as demandas da classe trabalhadora do país e dos setores populares, ou seja, a maioria do povo, e é contra os interesses nacionais;
2) A possibilidade e o crescente escopo concedido às potências imperialistas para, de várias maneiras, explorar as graves fraquezas manifestadas no frágil desenvolvimento econômico [do Irã], bem como na corrupção desenfreada;
3) O fortalecimento das camadas superiores da burguesia [cujos interesses do capital estão ligados ao regime, numa relação de dependência mútua]. Estes capitalistas não apoiarão o crescimento econômico orientado para o desenvolvimento ou mesmo quaisquer mudanças socioeconômicas fundamentais e substanciais para o benefício do povo e dos interesses nacionais do Irã;
4) A total incapacidade de todos os governos/administrações [do regime], independentemente de qual facção ou pessoa esteja no comando, para resolver as multifacetadas crises socioeconômicas e ambientais em benefício do povo, mesmo supondo que eles estivessem inclinados a fazer isso.

O fato é que, sob a sombra do “líder supremo”, as relações capitalistas parasitárias tornaram-se tão fortes e entrelaçaram o tecido do sistema político que seus interesses vitais, ou seja, os interesses do improdutivo capital financeiro-mercantil-rentista, são agora um fator decisivo na determinação final da política doméstica e econômica do regime.

O Irã hoje se encontra em uma situação crítica e delicada. Uma parte considerável da população do país, especialmente a classe trabalhadora e setores populares, quer mudanças fundamentais. Mesmo um breve olhar sobre todo o espectro de forças políticas, bem como a experiência recente de levantes de protesto, mostra que, no caso da formação de uma campanha funcional por parte de forças nacionalistas e democráticas, não está distante o surgimento de uma “alternativa” na qual o povo acredite e seja composta por forças nacionalistas de esquerda e progressistas para fazer avançar o movimento popular.

As necessidades da luta atual na atual situação crítica no Irã apresentam uma tarefa importante, especialmente para a esquerda iraniana. Esta tarefa deve ser abordada com cautela, utilizando as experiências e conhecimentos científicos da luta de classes para realizar transformações sociais. Tendo em vista a situação atual de nosso país, especialmente as consequências da crise econômica desesperadora – que deve ser considerada como o calcanhar de Aquiles do regime teocrático – o Partido Tudeh do Irã acredita que os seguintes objetivos devem ser considerados na articulação de uma plataforma comum a ser compartilhada pela esquerda do Irã e pelas forças progressistas nacionais:

* Eliminação completa do governo absoluto do “líder supremo”, separação completa da religião do estado (incluindo todas as instituições executivas, legislativas e judiciárias) e de todos os assuntos de planejamento social;
* Suspensão total dos programas econômicos neoliberais em todos os setores-chave da economia;
* Defesa da soberania nacional do Irã e oposição a qualquer interferência estrangeira nos assuntos internos do país;
* Libertação de todos os militantes sindicais, presos políticos e presos de consciência detidos;
* Liberdade para todos os partidos políticos, organizações e sindicatos.