Notas sobre repressão policial e guerra de facções

Uma abordagem revolucionária para a Bahia

PCB Bahia

1. Nos últimos meses, a Bahia vem presenciando uma escalada de conflitos militares internos que envolvem tanto as forças oficiais de segurança pública, que, por meio de sua intervenção, ampliam os indicadores de violência e letalidade durante suas operações, quanto as facções que disputam territórios para controlar o mercado varejista de tráfico de drogas.

2. Com o recrudescimento do aparato da Polícia Militar baiana – uma das mais letais do Brasil – e das instituições policiais adjuntas que atuam na ostensividade policial e promovem a violência estatal registrada nos últimos anos, combinada à nova ofensiva de expansão do Comando Vermelho (CV) no estado – principalmente na capital Salvador – que disputa territórios com sua facção rival Bonde do Maluco (BDM), vemos uma escalada do conflito sem precedentes que tem causado o sentimento de insegurança para a classe trabalhadora baiana.

3. De acordo com o Anuário de Segurança Pública, a polícia militar da Bahia é responsável por 1/5 (22%) das mortes em operações policiais do país, sendo o principal agente promotor da violência em nosso Estado. O Instituto Fogo Cruzado na Bahia publicou que “1.545 tiroteios foram registrados em Salvador e Região Metropolitana no período de um ano, entre 1º de julho de 2022 a 30 de junho de 2023. Destes, 529 ocorreram durante ações e operações policiais”, ou seja, somente por sua responsabilidade direta, as polícias, sobretudo a PM, foram responsáveis por 1/3 dos tiroteios no período descrito somente na região metropolitana de Salvador. Nos últimos 7 anos, a letalidade policial na Bahia subiu 313%, chegando a 2022 com 1.474 vítimas.

4. A guerra de alta intensidade nas comunidades pobres do campo, nas zonas de conflito entre o latifúndio e terras indígenas, quilombolas e de trabalhadores rurais, bem como nas favelas e bairros da classe trabalhadora nas cidades de todo Estado, ultrapassa, somente em nosso caso estadual, as mortes produzidas por toda polícia dos Estados Unidos em 2022, que provocou cerca de 1.200 vítimas no contexto interno norte-americano. Prova de que vivemos um contexto de emprego cada vez mais letal e generalizado da violência estatal.

5. A imprensa abutre, como podemos descrever a atividade das emissoras SBT (Aratu), Record (Itapoan), Band Bahia (Bandeirantes) e Rede Bahia (Globo) – principalmente as duas primeiras, que cumprem uma importante função de agitação e propaganda corporativa do aparato de repressão policial, apresentando cobertura diária nas favelas de Salvador, entrevistando policiais, filmando cadáveres e supostos criminosos que, de antemão, são condenados por um repórter-juiz ou apresentador-juiz, ambos racistas e com aspirações antipovo. São verdadeiros tablóides da polícia nos horários de almoço cedidos por grandes monopólios capitalistas das telecomunicações.

6. Estes programas promovem a espetacularização dos episódios de violência. A disseminação do terror é duplamente funcional para as atividades empresariais das emissoras e para a arquitetura de repressão policial. A relação privilegiada com batalhões e quadros técnicos da Polícia Militar facilita a cobertura e garantia de altos pontos de audiência, convertendo em atividade lucrativa a monetização do circo policial; ao mesmo tempo que lucram com este mercado, os aparelhos ideológicos do estado atuam de forma integrada ao seu corpo de repressão, produzindo propaganda favorável de sua atividade que lhe dá sustentação moral e simbólica. Este imenso aparato de propaganda subordinado ao Estado, operado a partir de interesses corporativos dos comandantes policiais e dos batalhões, que bombardeiam os celulares e televisores da classe trabalhadora, existe para mistificar e ocultar a finalidade única da polícia: reprimir, prender, ameaçar e assassinar a classe trabalhadora. Mas que não se revela explicitamente, apresentando-se na forma fetichizada de forças legítimas e legais do poder público mediante os critérios da legislação burguesa.

7. Cabe destacar que o sistema de segurança pública, que é implementado, supostamente gira em torno de mobilizar as forças policiais para repressão ao tráfico de drogas. Na prática, o Estado desconsidera toda sua cadeia produtiva e concentra suas atividades, mobilizando quase que exclusivamente as unidades policiais para repressão nos pontos de varejo de drogas em comunidades pobres e negras – ignorando que nos bairros brancos da pequena-burguesia e da burguesia também possuem pontos de varejo do tráfico – sobretudo nas favelas e periferias dos centros urbanos, pelos métodos da repressão e produção do terror. Demarca a clara seletividade classista e racista da violência estatal. Se valendo de dispositivos jurídicos proibicionistas e da institucionalização da “guerra às drogas”, a PM atua cotidianamente em intensificar a escalada de conflitos. Seja qual for o léxico empregado nas Doutrinas de Segurança Nacional ao longo da história, “traficantes”, “terroristas”, “subversivos”, o inimigo fabricado pelo Estado do Brasil é interno e reside nos territórios da classe trabalhadora. Expressa com crueza a luta de classes no Brasil.

8. Na perspectiva da classe trabalhadora, não somente esse modelo é ineficaz para desestruturar o crime organizado, como retroalimenta o próprio crime e suas fileiras, bem como as contradições da guerra interna. Sob uma análise histórica referente às facções criminosas, estas surgiram dentro das cadeias, como reflexo da ausência de direitos básicos para a população carcerária – que garantam utensílios para higiene, alimentação digna, medicações e auxílio externo para familiares, proteção das mais diversas violências dentro das unidades ou serviços de um advogado – essas organizações focadas no comércio de drogas cresceram e se fortaleceram recrutando cada vez mais membros para suas fileiras. Na Bahia, a solução que tem sido empregada se resume em mais ostensividade, uma polícia mais violenta, o que já se provou ineficiente se observarmos o aumento da violência e a constante sensação de insegurança.

9. Não podemos cair no equívoco de analisar a guerra de facções isoladamente como um fenômeno dissociado de como a segurança pública é materialmente organizada, condicionada pelo monopólio das classes dominantes sobre o estado, dada a necessidade do sistema capitalista impor sua violência de classe como condição de sua autorreprodução. Tampouco nos parece uma novidade em nosso cenário. Vale destacar que tiroteios, toques de recolher e guerras por território fazem parte da realidade das favelas de Salvador desde sempre, mas isso nunca teve tanto destaque quanto agora, em que tais questões chegaram em bairros centrais e de maior poder econômico da cidade, onde se concentram as camadas médias urbanas.

10. A questão do crime organizado tem raízes profundas na forma com que a divisão social e racial do trabalho em nosso país foi e é dada. Não podemos encarar o crime de forma moralista, como se fosse uma escolha simples baseada no caráter do indivíduo, muito menos pelas características fenotípicas do mesmo, como as bases racistas das pseudo ciências criminais no Brasil fundaram suas categorias analíticas. Em um país com altos índices de desigualdade, onde o acesso a direitos básicos como saneamento, educação, emprego e moradia se dá de forma extremamente precária para a maioria trabalhadora, no país onde mais de 21 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave e mais de 70 milhões em situação de insegurança alimentar moderada, a realidade se reproduz de forma extrema e empurra essas pessoas a fazerem o possível para garantir minimamente sua subsistência e a de seus dependentes. Não podemos esperar que se resolva a questão da criminalidade sem que haja amplas garantias para uma vida digna da classe trabalhadora, nos tirando da condição de miséria e precariedade à qual desde a fundação desse país somos subjugados pelas classes dominantes.

11. Nesse sentido, não podemos tratar o problema da criminalidade como campo da ação ostensiva da polícia, cujo objetivo e resultado é matar e encarcerar pessoas negras, indígenas, quilombolas e da classe trabalhadora, tratando territórios periféricos como zonas inimigas do Estado dentro do próprio território nacional, generalizando a violência e a sensação de desalento, medo e impotência, buscando assim também inibir propositalmente as condições materiais da organização popular para resistir politicamente e confrontar as ações de terror do Estado.

12. A partir da ampla organização popular, dos movimentos comunitários e de bairros, na tomada de decisões para um novo Marco Civil na Segurança Pública, defendemos como soluções imediatas para reduzir os efeitos de generalização da violência e da guerra interna:
a) A proibição de operações policiais ostensivas nas periferias e nas zonas de conflito agrário;
b) A imediata extinção da polícia militar, a desmilitarização da segurança pública em sua atividade cotidiana, bem como o controle civil e direto da classe trabalhadora sobre as forças de segurança pública;
c) A descriminalização, legalização e regulamentação de todas as drogas. O fim imediato da guerra às drogas. Investimento em políticas de redução de danos pelo Sistema Único de Saúde, combinadas ao investimento público maciço em áreas sociais como educação, moradia e combate ao desemprego. Revogação da EC95 do Teto de Gastos e das contrarreformas neoliberais, em defesa do pleno emprego, pela valorização real do salário mínimo e jornada de 30 horas semanais como formas de combater as desigualdades sociais.
d) Políticas de desencarceramento que acelerem os julgamentos, ponham em liberdade detentos com penas já cumpridas e reduzam a população carcerária imediatamente, impedindo também novas detenções relacionadas ao porte e posse de drogas.
e) Encerramento imediato do Programa Pacto pela Vida, seu reconhecimento como fracasso público na proteção à vida e diretamente responsável por escalar os índices de violência no Estado da Bahia, bem como responsabilização e julgamento em tribunal da justiça comum dos governadores e secretários de segurança pública, comandantes da polícia militar e agentes dos mais diversos escalões que atuaram em episódios de letalidade, demais violências e na execução do PPV, pelo Genocídio e Encarceramento do Povo Negro, Indígena e das populações trabalhadoras desde a sua criação em 2006. Reivindicando o dia 20 de Junho, protagonizado pelo movimento Incomode, como marco e ponto de encontro nessa luta estratégica para dar fim ao genocídio e à guerra contra o povo.

Por fim, sabemos que, dentro do sistema capitalista e sem a luta por sua superação, não será possível pôr fim à guerra interna do Estado contra o Povo e aos conflitos que orbitam nesta contradição principal e estruturante. A burguesia brasileira é uma classe truculenta, cuja história evidencia que o emprego da força e de métodos vis de repressão são a regra, não a exceção. A classe trabalhadora, a partir do fortalecimento das lutas comunitárias e da organização de base, em aliança com as lutas sindicais e demais frentes de ação da classe, enfrenta a necessidade de construir sua própria alternativa de poder: o socialismo. Pois a barbárie capitalista já está posta e nossa existência antagoniza com este modo de produção cujo lucro está acima da vida humana.

Pelo Poder Popular e o Socialismo!
Paz entre nós, guerra aos senhores!

Partido Comunista Brasileiro – Bahia