NÃO ao PL dos Aplicativos!
PL DOS APLICATIVOS DO GOVERNO LULA É DESASTROSO PARA A CLASSE TRABALHADORA!
Imagem: Rafa Neddermayer – Agência Brasil
Nota Política do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
No dia 04 de março passado o Presidente Lula assinou o Projeto de Lei que regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativos de carros. Segundo o Projeto, esses trabalhadores seriam enquadrados como “autônomos”, mas com alguns “direitos” estabelecidos.
O discurso entusiasmado do governo – de apoio a este projeto – não resiste a uma análise mais detalhada. Para começar, a origem do projeto, no seu eixo, é patronal: o PL é praticamente uma cópia do chamado Prop 22, que foi a proposta de legislação que a Uber construiu e fez aprovar em um plebiscito na Califórnia. Esta aprovação aconteceu em 2020 depois de uma campanha que custou cerca de R$1 bilhão para as empresas; segundo os analistas locais, foi a campanha eleitoral mais cara da história na Califórnia. As empresas também fizeram chantagem contra os motoristas e usuários: ameaçaram que encerrariam as atividades na Califórnia caso perdessem a batalha.
Com um detalhe: até o Partido Democrata estadunidense e a mídia dos EUA foram contra! O New York Times publicou um editorial duramente crítico ao modelo que será aplicado no Brasil. O governo Biden, na contramão da Prop 22, no início deste ano de 2024, criou uma regra que exige que os trabalhadores sejam considerados empregados e não autônomos contratados, quando forem “economicamente dependentes” de uma empresa. Na Europa, a regulamentação em vários países seguiu também o caminho de considerar os motoristas de aplicativos como empregados: por exemplo, na Alemanha e na Espanha os trabalhadores da Uber são empregados. Ou seja, nessa questão o governo Lula está à direita do Biden e dos governos europeus.
Tem mais uma coisa: o projeto do governo Lula consegue ser ainda pior do que a Prop 22! Na essência, ambas remuneram apenas a hora efetivamente trabalhada e tornam o motorista subordinado à plataforma, porém, sem reconhecimento de vínculo de emprego e direitos. Também há um teto de 12 horas de trabalho por plataforma nas duas versões, muito acima da histórica conquista mundial da classe trabalhadora de jornada de 8 horas ao dia e mais do dobro da proposta do PCB, de 30 horas de trabalho por semana.
Contudo, na Prop 22 dos EUA, a hora efetivamente trabalhada é remunerada com base em 120% do salário mínimo, enquanto o PL brasileiro prevê a referência no salário mínimo. Além disso, a Prop 22 dos EUA garantiu seguro saúde para motoristas que dirigem em média mais de 15 horas por semana, exigindo que as empresas paguem despesas médicas e cubram gastos de motoristas feridos enquanto dirigem ou esperam clientes. E ainda mais: na Prop 22 original as plataformas são obrigadas a proporcionar aos motoristas seguro contra acidentes de trabalho e seguro por morte acidental para dependentes. Nem estas pequenas garantias o Projeto brasileiro encampa!
A ideia do projeto de “autônomos com direitos” na verdade, ao fim e ao cabo, nada mais é do que a legalização da fraude trabalhista, pois os motoristas de aplicativos não têm nada de autônomos. Para que o motorista fosse realmente autônomo (como, por exemplo, é um taxista individual), ele teria de ter a relação direta com o passageiro pagante. Como afirmou a sucursal estadunidense do jornal The Gardian, “os motoristas não são agora nem empregados, com direitos e benefícios garantidos como cuidados de saúde, nem prestadores de serviços independentes, uma vez que não podem definir as próprias taxas, escolher os próprios clientes ou construir riqueza com os lucros e expansão do negócio”.
O artigo 5º do projeto é a formalização da fraude trabalhista legalizada, pois permite às empresas de plataformas de aplicativos de transporte de passageiros exercer o controle total sobre a atividade do motorista, descaracterizando a relação de emprego. É só ver a redação do malfadado artigo:
“Art. 5º As empresas operadoras de aplicativos ficam autorizadas a implementar as seguintes práticas, sem que isso configure relação de emprego nos termos do disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943:
I – adoção de normas e medidas para garantir a segurança da plataforma, dos trabalhadores e dos usuários, para coibir fraudes, abusos ou mau uso da plataforma, observadas as regras previamente estipuladas nos termos de uso e nos contratos de adesão à plataforma;
II – adoção de normas e medidas para manter a qualidade dos serviços prestados por intermédio da plataforma, inclusive suspensões, bloqueios e exclusões, observadas as regras previamente estipuladas nos termos de uso e nos contratos de adesão à plataforma;
III – utilização de sistemas de acompanhamento em tempo real da execução dos serviços e dos trajetos realizados;
IV – utilização de sistemas de avaliação de trabalhadores e de usuários; e
V – oferta de cursos ou treinamentos, bem como quaisquer benefícios e incentivos aos trabalhadores, de natureza monetária ou não, ainda que de caráter continuado.”
Mas o pior de tudo ainda está por vir: é o significado ideológico deste projeto. Ao definir os trabalhadores de motoristas de aplicativos como autônomos, os exclui de todos os direitos do trabalho: não têm férias, descanso semanal remunerado, 13º, etc. Essa regulamentação dos motoristas de aplicativos é o laboratório para a “uberização” de toda a relação do trabalho no Brasil, porque isso abre a porteira para que qualquer trabalho intermediado por plataforma eletrônica passe a ser considerado “autônomo”.
É o governo Lula assumindo sem peias o discurso ultraliberal de que “é preciso “modernizar” as relações de trabalho” – na lógica liberal de que “modernizar é não ter direitos”: é uma exaltação à ideologia neoliberal do empreendedorismo. O governo aceitou como “verdade” a afirmação de que “os motoristas de aplicativos não querem a CLT”, a partir do resultado de uma pesquisa formatada e aplicada pela Uber e pelo IFood! (obviamente enviesada).
Ou seja, no fim das contas, o governo Lula adotou como argumento válido a ideia de que “os trabalhadores não querem CLT” e criou a categoria fraudulenta de “autônomo com direitos”, que na verdade, como vimos, nem é autônomo nem tem direitos.
Para finalizar, é ainda necessário desmontar duas falácias do discurso do governo e das empresas de apoio a este nefasto projeto.
Em primeiro lugar, é falso o discurso de que “estes trabalhadores não tinham proteção da seguridade social”: na verdade já teriam se fosse aplicada a Lei, a CLT, que define quem é empregado, pois esses trabalhadores seriam definidos como empregados e já teriam direito à carteira de trabalho e a todos os demais direitos de proteção do trabalho. Só que isso é tudo que as plataformas não querem – e aí o governo Lula assume o lado do capital.
Segundo, o Projeto cria os sindicatos de motoristas e das plataformas. Ao estabelecer na Lei a existência de sindicatos da categoria profissional e dos empregadores, privilegia a negociação e reforça a ideologia do ”negociado sobrepujar o legislado” e da “parceria conflitiva entre capital e trabalho”.
É preciso ter clareza de que este não é um movimento neoliberal apenas do Executivo: o Supremo Tribunal Federal está também ativamente engajado para desmontar a proteção do trabalho constante da legislação e justiça trabalhista. Ao contrário do entendimento histórico da Justiça Trabalhista de que “a realidade prevalece sobre o escrito”, o STF vem seguidamente reforçando a concepção de que “o negociado prevalece sobre o legislado” e “o contrato prevalece sobre o verificado”.
Em suma, o Projeto de Lei sobre os motoristas de aplicativos não representa nenhum avanço para os trabalhadores de aplicativos e siginifica de fato um enorme retrocesso para o conjunto da classe trabalhadora.
Comissão Política Nacional do PCB