Sobre as eleições para o Parlamento Europeu
Foto: Patrick Seeger (Agência Lusa)
A necessidade da luta anticapitalista
Nota Política do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
O resultado das eleições para o Parlamento Europeu ocorridas no último dia 09 de junho chamou a atenção e tornou-se assunto de toda a grande mídia ocidental pelo grande desempenho eleitoral dos partidos de extrema-direita. Entretanto, para fazermos uma análise mais acurada dos resultados daquela eleição e do significado destes resultados, precisamos olhá-los com mais atenção, especialmente algumas de suas importantes particularidades políticas e locais.
Os grandes derrotados: Olaf Scholz, Manuel Macron e o social-democratizado Partido da Esquerda Europeia
O avanço eleitoral da extrema-direita foi mais emblemático e significativo nas três maiores economias da Europa: Alemanha, França e Itália; também foi relevante na Espanha e em Portugal.
Na Alemanha, as formações socialdemocratas do histórico SPD (Partido Social Democrata Alemão) e dos Verdes (lembrando que o PV alemão foi a origem do movimento mundial dos verdes) sofreram derrotas históricas e humilhantes: o SPD (atualmente no governo) ficou em terceiro lugar, atrás da direita tradicional da CDU e da extrema-direita do AfD (Alternativa para a Alemanha, neonazista), perdendo duas cadeiras de eurodeputados; já os Verdes despencaram de 20,05% dos votos europeus em 2019 para 11,9% agora, perdendo 9 cadeiras no Parlamento Europeu. A extrema-direita do AfD passou de 9 para 15 eurodeputados.
Na França, o liberal Macron também foi eleitoralmente humilhado pela Rassemblement National de Marie Le Pen, que teve mais votos do que a soma das duas formações de centro-direita que apoiam Macron. O que quase não se fala é que o outro partido de extrema-direita francês, dirigido pela sobrinha de Marie Le Pen, alcançou também 5,5% dos votos e elegeu 5 eurodeputados. O impacto deste resultado eleitoral na França foi tão forte que Macron decidiu dobrar a aposta e convocar eleições parlamentares internas antecipadas, o que pode consolidar ainda mais o poder de Le Pen.
Na Itália, a Aliança Nacional mussolinista (atualmente governo) confirmou sua força eleitoral e teve quase 30% dos votos, passando de dez para 24 eurodeputados. Entretanto, é interessante observar que na Itália os principais partidos de oposição, os social-democratizados Partido Democrático, Movimento Cinco Estrelas e Aliança Verde Esquerda Italiana, também cresceram eleitoralmente, se compararmos com as eleições europeias de 2019: quem despencou aqui foi a neofascista Liga per Salvini (sucessora da Liga do Norte), que perdeu 14 cadeiras no Parlamento Europeu. Muitos analistas creditam o declínio da Liga ao fato de ter participado em 2021 do governo de unidade nacional encabeçado por Mario Draghi (ex-Presidente do BCE), o que a fez perder grande parte do eleitorado mais à direita.
Na Espanha, o PSOE no poder teve menos votos do que a direita histórica do Partido Popular, perdendo uma cadeira. Por outro lado, o Vox de extrema-direita obteve 50% a mais da sua votação anterior, passando de 4 para 6 eurodeputados. Em Portugal, o social-democrata PSD, que tinha sido derrotado nas eleições parlamentares antecipadas, recuperou o primeiro lugar mas com um desempenho eleitoral inferior à eleição europeia de 2019, perdendo 1 vaga de eurodeputado. O partido de extrema-direita Chega, pela primeira vez, ocupa cadeiras no Parlamento Europeu, tendo conquistado 9,8% dos votos, elegendo 2 eurodeputados.
Nos Países Baixos, a aliança dos verdes com os social-democratas foi a lista mais votada, mas obteve apenas 8 cadeiras das 31 em disputa. O partido de extrema-direita Partido Pela Liberdade (PVV), que governa atualmente o país com uma coligação de direita, foi o segundo mais votado alcançando6 cadeiras; as demais 17 cadeiras foram pulverizadas por vários partidos de direita com colorações variadas.
Os integrantes do Partido da Esquerda Europeia, a “esquerda” parlamentar institucionalizada e pró União Europeia, também sofreram importantes baixas. Na Espanha, a coligação Sumar, apoiada pela Izquierda Unida e pelo Partido Comunista da Espanha, obteve 4,7% dos votos, obtendo três cadeiras; como o candidato IU/PCE era o quarto da lista, a IU e o PCE perderam a sua representação no Parlamento Europeu. Na Alemanha, o Die Link (Partido de Esquerda) caiu de 5,5% para 2,7%, perdendo 2 cadeiras. Na França, o PCF alcançou apenas 2,5% dos votos e não elegeu nenhum eurodeputado.
Os comunistas radicais e a esquerda combativa tiveram bom desempenho
Os comunistas serão representados por sete eurodeputados no Parlamento Europeu. Estes representantes foram eleitos por cinco partidos, sendo que nenhum destes partidos é membro do Partido da Esquerda Europeia; todos seguem linhas políticas programáticas que se definem como marxistas-leninistas. O KKE grego manteve os seus dois assentos no Parlamento Europeu, mas quase dobrou a votação: de 5,35% em 2019 para 9,29% agora, o que também representa um aumento em relação às eleições legislativas de 2023 (7,69%).
O Partido Comunista Português (PCP), pela CDU, esteve perto de perder a cadeira no Parlamento Europeu. Salvou-se pela expressiva votação em Évora e conseguiu eleger um eurodeputado. A Coligação Democrática Unida (PCP/PEV) obteve 4,12% dos votos, uma queda face às eleições europeias de 2019 (6,88%), mas uma melhora em comparação com as eleições legislativas antecipadas de abril de 2024 (3,17%).
Na República Tcheca, o Partido Comunista da Boémia e Morávia (KSČM) liderou a coligação Stačilo! (Basta!) com grupos eurocéticos. O KSČM teve um bom desempenho nestas eleições ao reunir 9,56% dos votos e ganhar dois assentos; em 2019 o KSČM tinha obtido 6,94% dos votos e eleito um europarlamentar.
A melhor performance percentual comunista foi do Partido Progressista dos Trabalhadores (AKEL), que conquistou o segundo lugar nas eleições europeias em Chipre com 21,49% dos votos; elegeu apenas um eurodeputado, não alcançando a segunda vaga por 3% dos votos. E o Partido do Trabalho da Bélgica (PTB-PVDA) também obteve um bom desempenho eleitoral. Nas eleições europeias, o PTB-PVDA conquistou 2 cadeiras e 10,7% dos votos, aumentando um eurodeputado.
Além dos partidos comunistas acima listados, merece atenção o desempenho do francês France Insubmisse e do alemão BSW (Iniciativa Sarah Wagenknecht). Embora não se defina como comunista ou marxista-leninista e tenha status de observador no grupo Partido da Esquerda Europeia, o France Insubmisse de Jean Luc Melénchon tem assumido posições firmes à esquerda, inclusive recusando-se a pedir o voto em Macron para presidente contra Marie Le Pen; o France Insubmisse chegou a praticamente 10% dos votos, passando de 5 para 9 cadeiras no Parlamento Europeu.
O BSW foi fundado a partir de um racha à esquerda do Die Link, liderado pela carismática Sarah Wagenknecht. Constituído apenas em janeiro, o embrionário BSW estreou no patamar animador de 6,2% dos votos. Seus trunfos políticos foram a crítica ao alinhamento alemão aos EUA na guerra da Ucrânia e as consequências para a inflação no país e a defesa de políticas de justiça social e redistribuição de renda. Ressalte-se que o BSW tem posições bastante questionáveis no combate ao identitarismo liberal pós-moderno e flerta com posições xenófobas quando o tema é imigração.
Escandinávia: a tábua de salvação da social-democracia
Enquanto no restante da Europa os social-democratas e verdes tropeçaram ou despencaram, na Escandinávia estas formações políticas mantiveram a hegemonia. Na Dinamarca, os social-democratas e os verdes obtiveram seis das nove cadeiras. Na Finlândia, o partido que mais cresceu foi a Aliança de Esquerda, aliada à esquerda do tradicional Partido Social Democrata, embora os liberais no governo tenham conquistado 8 das 15 cadeiras em disputa. Na Suécia o Partido Social Democrata foi o mais votado e os Verdes chegaram em terceiro. Em nenhum país da Escandinávia partidos de extrema-direita tiveram desempenho eleitoral expressivo. Ressalte-se que a Noruega não faz parte da UE e não elege eurodeputados.
O que significam os resultados das eleições para o Parlamento Europeu
A primeira conclusão geral a que chegamos, ao analisar os números dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu, é que os grandes derrotados foram o liberalismo e o social-liberalismo atlantista, ou seja, os partidos e governos que implementaram políticas liberais pró União Europeia e encarnaram o belicismo pró OTAN. As acachapantes derrotas de Macron na França e Olaf Scholtz na Alemanha estão claramente vinculadas às suas posturas de submissão aos EUA na guerra na Ucrânia.
O governo social-liberal alemão sucumbiu à pressão estadunidense, abriu mão de uma investigação séria acerca da autoria da explosão do gasoduto Nord Stream e curvou-se às exigências de boicote à Rússia, passando a adquirir gás dos EUA muito mais caro. Os impactos inflacionários desta submissão e as consequências econômicas em toda a Europa das sanções contra a Rússia (que tiveram um efeito bumerangue, prejudicando muito mais a economia da União Europeia do que da Rússia) criaram o ambiente econômico para profundo desgaste da aliança governante SPD-Verdes.
No caso francês, pesou ainda contra Macron a imensa rejeição popular ao seu pacote de mudanças na previdência, que inviabilizou a aprovação no Parlamento e fez Macron lançar mão de um dispositivo constitucional para promulgar a contrarreforma previdenciária sem a aprovação dos deputados. Além disso, Macron flertou com as teses anti-imigração da extrema-direita e aprovou no Parlamento uma nova lei de imigração com os votos favoráveis do partido de Marie Le Pen; ou seja, jogou ainda mais água no moinho do discurso xenófobo da extrema-direita.
O avanço da extrema-direita nas eleições europeias reflete o crescente clima de desesperança, desânimo e desespero social causados pela acelerada implantação das políticas econômicas neoliberais, cujos resultados foram agravados nos dois últimos anos pelas consequências da guerra na Ucrânia. Tal ambiente social torna-se um criadouro de frustrações e ressentimentos, caldo de cultura perfeito para o surgimento das propostas neofascistas e neonazistas.
O declínio dos liberais e sociais-liberais explica-se pelo mesmo contexto. Tanto os partidos liberais como os social-democratas têm se apresentado nas últimas décadas como verdadeiros “partidos da ordem”, defensores dos “valores europeus” e da “estabilidade”. Numa situação de profunda crise social e econômica, a classe trabalhadora afasta-se da “normalidade democrática liberal”, pois tal democracia burguesa não só não resolve os problemas da sua vida como muitas vezes os agrava.
Neste cenário, as vozes que se apresentam como “antissistêmicas” ganham mais espaço e ressonância; e o discurso demagógico, virulento e xenófobo da extrema-direita se apresenta exatamente como “contra este sistema”. Sabemos que a manobra neofascista consiste em ocultar a causa de fundo dos problemas das massas, que é o capitalismo, e jogar a culpa das mazelas da classe trabalhadora em segmentos da própria classe trabalhadora: na Europa, os imigrantes; no Brasil, o neofascismo bolsonarista dirige sua artilharia contra negros e negras, mulheres, indígenas, nordestinos e nordestinas e LGBTs.
Por outro lado, as eleições para o Parlamento Europeu também apontam o caminho da superação desta situação atual, tão desfavorável à classe trabalhadora e aos setores populares. As forças de esquerda progressistas e os partidos comunistas que tiveram um discurso de oposição ao neoliberalismo e ao belicismo tiveram um bom desempenho eleitoral. Precisamos aprender esta lição e levá-la à prática, tanto na Europa quanto no Brasil e em toda a América Latina.
Infelizmente, o que constatamos no Brasil é que o PT e seus aliados mais próximos no governo Lula estão longe de aprender esta lição. Muito pelo contrário: tal qual a derrotada social-democracia europeia, o governo Lula vem, medida após medida, voltando as costas às demandas populares e implantando o programa do capital. Exemplos não faltam: os mais recentes foram a atitude de desprezo e mesmo com ataques à grande greve nacional da educação federal e a ameaça de retirar os pisos constitucionais de saúde e educação, para manter viável o ultraliberal Novo Arcabouço Fiscal (que não passa de um novo “teto de gastos” repaginado).
A conclusão é evidente: somente sendo radicalmente anti-imperialistas, antineoliberais, antibelicistas e anticapitalistas a esquerda e os comunistas serão capazes de barrar a ofensiva da onda mundial neofascista e apontar para a superação do capitalismo, causa última de todo o sofrimento da humanidade. A postura de conciliação de classes e a submissão ao bloco no poder aprofunda a barbárie, terreno ideal para o crescimento da extrema-direita.
Secretaria de Relações Internacionais
Comissão Política Nacional
Partido Comunista Brasileiro (PCB)