Violência contra indígenas: números de homicídios e suicídios seguem ‘assustadores’

imagemCristina Fontenele*

Adital

O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), relata um severo aumento da violência praticada contra os povos indígenas no Brasil em 2014. O estudo compila denúncias e relatos dos povos, das lideranças e organizações indígenas, além de informações das equipes missionárias do Cimi que atuam no país.

Relatório revela aumento da violência contra os indígenas em todos os quesitos. Em 2014 foram registrados 138 homicídios e 84 invasões possessórias para exploração ilegal de recursos naturais.

Em 2014, foram registrados 138 homicídios, 135 suicídios, 785 mortes de crianças de zero a cinco anos, 19 conflitos territoriais, 84 invasões possessórias para exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras.

Em entrevista à Adital, a antropóloga Lucia Helena Rangel, assessora do Cimi e coordenadora da pesquisa que, anualmente, publica o relatório, avalia que a violência contra os indígenas é “recorrente e assustadora, é um padrão que se repete”. Ela diz que não há grande diferença entre este último relatório e o anterior. As variações para mais ou para menos não teriam grande significado diante de um padrão de violência que não muda.

A antropóloga comenta que o ódio aos indígenas vem do não reconhecimento de uma dívida histórica para com esses povos, vem da negação do direito dos indígenas viverem e se reproduzirem de acordo com os seus próprios padrões. “O Brasil tem uma história violenta que nos marcou profundamente. Vivemos em uma sociedade colonial que, há quatro séculos, extermina e escraviza os negros e os povos indígenas. Estamos a somente um século da República, o que ainda não foi suficiente para extirpar a mentalidade escravocrata. Quando se fala em direitos humanos no Brasil, a elite se horroriza e se arrepia”.

Ela cita o caso emblemático do povo Tenharim, na cidade de Humaitá, no Amazonas. Os corpos de três homens foram encontrados em uma cova rasa dentro da aldeia Taboca, em fevereiro de 2014. O fato causou revolta nos moradores de Humaitá, que atearam fogo contra carros e o prédio da Fundação Nacional do Índio (Funai). Lucia Helena assinala que foi um “um verdadeiro ‘Mississipi em chamas’ [referência ao filme sobre o racismo no sul dos Estados Unidos], com a população toda contra os indígenas”. Para ela, esse episódio conceitua a contradição e os elementos da violência contra os índios, que é presente em todo o Brasil e assume em cada região características específicas. “Percebe-se racismo, assassinato, ameaça, depredação do patrimônio e abuso de poder. É um ódio aos indígenas que explode e não há mais como esconder”.

SuicídiosO estudo revela 135 casos de suicídios entre povos indígenas, no ano passado, sendo a maioria praticada por jovens. O Estado do Mato Grosso do Sul é um caso endêmico, com um dos maiores índices, 48 casos. Considerando-se os registros feitos entre 2000 e 2014, somente neste Estado, chega-se ao alarmante número de 707 suicídios. A faixa etária com maior número de casos é a dos 15 aos 19 anos (36%), seguido de casos na faixa de 10 a 14 anos (17%). O maior registro ocorreu no município de Amambai (38%).

Também é preocupante o alto número de suicídios registrados no Alto Rio Solimões, localizado no Amazonas, onde são atendidos os povos Tikuna, Kokama e Caixana. Foram registrados 37 casos.

Lucia Helena explica que o suicídio não pode ser tratado como uma simples equação de causa e efeito, pois é um fenômeno humano. A avaliação que se faz é que existe uma forte relação entre suicídio, o conflito pela terra e o racismo.

Assassinatos

Graves também são as ocorrências de assassinatos. Em 2014, foram registrados 138, sendo muitos destes praticados em função de conflitos fundiários, no intuito de coibirem as lutas e amedrontarem os líderes indígenas. Os Estados do Mato Grosso do Sul, Amazonas e Bahia lideram as estatísticas.

O relatório indica que alguns casos resultaram de conflitos internos, em função da disseminação de bebidas alcoólicas nas áreas indígenas. Outros foram consequência da situação de confinamento populacional, especialmente nas minúsculas reservas em Mato Grosso do Sul. “Intolerância, ganância e preconceito continuam motivando as agressões contra os direitos indígenas”, denuncia o documento.

Lucia Helena avalia que os assassinatos mantêm um padrão recorrente e que os conflitos parecem não cessar.

Mortalidade infantil

Os casos de mortalidade infantil de zero a cinco anos vêm aumentando a cada ano. Constata-se um agravamento entre as aldeias Xavante, com 116 mortes e entre os Yanomami, com 46 registros. Lucia Helena ressalta que a presença de garimpeiros ilegais nos territórios destes povos é um fator de vulnerabilidade, uma porta aberta para o aumento das epidemias.

O relatório aponta que em Altamira, no Pará, município atingido pelas obras da hidrelétrica de Belo Monte, a taxa de mortalidade na infância chegou a 141,84 por mil.

Demarcação de terras

Em 2014, o Cimi registrou 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras, mais que o dobro do que foi registrado em 2013, 51 ocorrências. O Pará é o estado com o maior número de casos. O relatório revela que o não reconhecimento das terras indígenas está diretamente ligado às intenções do governo federal em construir grandes hidrelétricas, como no caso da usina São Luiz do Tapajós que, se construída, alagará aldeias, florestas e cemitérios da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku.

Recomendações

No relatório, recomenda-se a instalação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, exclusiva para o estudo das graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas, visando a aprofundar os casos não detalhados no presente estudo. Também é sugerida a promoção de campanhas nacionais de informação à população sobre a importância do respeito aos direitos dos povos indígenas, que são garantidos pela Constituição Federal.

Segundo Lucia Helena, espera-se que o relatório contribua com argumentos para endossar a luta indígena por seus direitos, e colabore com dados para a formulação de uma política indigenista mais humana.

Cristina Fontenele é estudante de Jornalismo pela Faculdades Cearenses (FAC), publicitária e Especialista em Gestão de Marketing pela Fundação DomCabral (FDC/MG).

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