As colônias israelenses: ‘um estado dentro do estado’
Resumen Latinoamericano / PalestinaLibre / 15 de fevereiro de 2016 – Não só a violência física dos colonos goza de grande impunidade, também a violência estrutural daqueles que dirigem a empresa colonial, na forma de roubos de terras e tudo o que implica. O que impede que o longo braço da lei não recaia sobre eles?
Um programa de jornalismo investigativo, transmitido em horário de pico na semana passada, revelou a ilegalidade generalizada na compra de terras palestinas por parte de colonos judeus. O programa Hamakor (A fonte), do Canal 10, dirigido pelo jornalista investigativo Raviv Drucker, expôs a corrupção, a distorção, a manipulação e a atividade abertamente criminosa de compradores, advogados e os denominados “homens de palha”, que ajudaram a organizar compras e vendas fraudulentas.
As falsificações não são nada de novo. No mês passado, o especialista em assentamentos Dror Etkes deu um exemplo que é característico do tipo de negociatas reveladas pelo Hamakor, no qual um palestino “assinou” a venda de sua parcela de terra 43 anos depois de sua morte.
Tampouco é nova a revelação realizada pelo Hamakor de que a corrupção implicada na construção de assentamentos alcança as altas esferas da elite política israelense. Neste caso, trata-se de Zeev “Zambish” Hever, destacado líder dos colonos, antigo membro do [grupo terrorista] Judeus Clandestinos e personagem que frequenta os corredores do poder de Israel. Para dar somente um exemplo, a organização de colonos direitistas Elad “trabalhou” muito bem o organismo governamental que se ocupa das “solicitações” de terras palestinas – que frequentemente tratam de expropriações – nos últimos anos. Aí também abundam os casos de falsificações e fraudes.
A empresa de colonos que Drucker investigou, Al-Watan (que, para meter o dedo na ferida, significa “pátria” em árabe) que, aparentemente, realizou a maioria de suas aquisições empregando documentos falsificados, é um exemplo particularmente escandaloso do tipo de vandalismo que normalmente acompanha a apropriação de terras palestinas.
Porém o Hamakor não revelou a verdadeira história, ao menos não toda a história. O verdadeiramente interessante da investigação de Drucker é o que aconteceu depois, ou para ser mais preciso, o que não aconteceu. Os meios de comunicação israelenses – assim como os meios de todo o mundo – permaneceram quase em sua totalidade em silêncio. Mais além de uns poucos artigos superficiais que informaram os fatos que o programa já tinha difundido, a cobertura informativa das implicações da investigação de Drucker foi mínima.
Com a finalidade de compreender a importância disto, temos que retroceder um mês e lembrar a batalha midiática e política que estourou após a difusão de outro programa de jornalismo investigativo, Uvda, do Canal 2. A reportagem se baseou em algumas gravações secretas de um par de “espiões” que uma organização direitista infiltrou entre ativistas antiocupação e pró-direitos humanos na Cisjordânia. Uma parte das ditas gravações mostrava Ezra Nawi, um veterano e destacado ativista de esquerda, fazendo comentários grotescos sobre a venda de terras de um palestino a um colono e dizendo que a Autoridade Palestina (AP) executaria o vendedor.
Ativistas de esquerda protestam do lado de fora de uma delegacia de polícia em Jerusalém Ocidental, pedindo a libertação de três ativistas antiocupação: Ezra Nawi, Guy Butavia e Naser Nauaya, em 21 de janeiro de 2015. (Foto: Activestills.org)
A imprensa entrou em plena ebulição, o primeiro ministro opinou sobre o caso em sua página de Facebook e Nawi foi preso, assim como, posteriormente, Naser Nawayah, também envolvido no caso, e Guy Butavia, que não era mais que um estreito colaborador de Nawi. Inicialmente, lhes foram negado o direito de reunir-se com um advogado e prorrogaram sua detenção em numerosas ocasiões.
Finalmente, os três foram postos em liberdade depois que a polícia não foi capaz de apresentar nenhuma acusação contra eles.
Comparemos isto com as sequelas da emissão do Hamakor, que rendeu resultados muito mais penetrantes e concretos. Apesar dos casos de fraude documentados que conduziram o roubo, com os nomes dos responsáveis incluídos, não se produziu nenhuma só prisão. As falsificações continuam sendo investigadas pelo promotor do estado, mesmo após a polícia ter encerrado o caso, porém o número de condenações em casos de supostos delitos cometidos por colonos é baixíssimo.
Benjamín Netanyahu não escreveu uma mensagem no Facebook sobre estes eventos escandalosos e Hever não é o inimigo público número um, apesar de ser um homem do establishment (em comparação com Nawi, que é pobre, encanador e descendente de iraquianos). As mídias não tiveram muito trabalho.
‘A ilegalidade está institucionalizada’
Porém, aqui existe muito mais que falsificações, fraude e câmaras escondidas. Não se trata só de Hever, por mais importante que possa ser. Trata-se da estranha realidade que se dá em um país quando um projeto da escala e do alcance dos assentamentos está o mesmo baseado na ilegalidade.
A construção está localizada no assentamento isralense ilegal de Har Homa, entre Jerusalém e Belém, Cisjordânia. (Foto: Oren Ziv / Activestills.org)
A ilegalidade não se dá somente no âmbito do direito internacional. Talia Sasson, ex-membro do gabinete da Procuradoria do Estado, assinala em uma reportagem sobre a história dos assentamentos que o governo emprega um sistema pelo qual “ignora” que os fundos do estado estão sendo canalizados para os postos avançados, que são ilegais de acordo com a legislação israelense. Como diz Sasson na entrevista, “a ilegalidade está institucionalizada”.
O projeto de assentamentos – a maior empresa da história de Israel desde sua fundação – é, devido ao enorme aparato militar que requer para sustentá-lo, similar à construção de um estado dentro do estado. A manutenção, a expansão e o crescimento dos assentamentos exige que o governo viole algumas leis enquanto cria outras, diga umas coisas e faça outras.
E isto é apenas a metade do embuste. A insistência de que os assentamentos são parte integral do autoproclamado estado democrático liberal de Israel tem suas próprias exigências. É necessário muito contorcionismo e muitos retoques para tentar normalizar a administração de um território no qual funcionam sistemas legais paralelos em função do pertencimento étnico, com 2,8 milhões de pessoas vivendo sob uma ocupação militar e meio milhão sob uma administração civil. Karl Rove poderia estar referindo-se ao governo dos EUA quando disse a um jornalista: “quando atuamos, acreditamos em nossa própria realidade”. Porém, Netanyahu poderia dizer exatamente o mesmo.
Por outro lado, somas gigantescas de dinheiro se converteram na construção dos assentamentos. Recursos desproporcionais estão à disposição desta empresa, enquanto o exército, a polícia, os serviços de inteligência, a administração da justiça e o governo fazem vista grossa no melhor dos casos ou, no pior, instigam diretamente as atividades criminosas. Assim, não é de estranhar que a criminalidade física e estrutural esteja fora de controle e que os diferentes criminosos gozem de uma impunidade quase total.
Como demonstraram dois espetáculos muito diferentes no prazo de um mês, existe uma aceitação quase total desta realidade, até o ponto de que quase ninguém questiona-la. E aqueles que a questionam percebem que nem a justiça, nem as mídias nem o estado estão do seu lado.
Sobre a autora: Natasha Roth é escritora, editora e ativista. Vive em Yafa. Seus trabalhos foram publicados no The London Review of Books, Haaretz, The Daily Beast e The Fair Observer.
Fonte de pesquisa: Israeli settlements have created a ‘state within a state’, +972, 10/02/2016
Tradução para o espanhol: Javier Villate (@bouleusis) no blog Disenso.
© 2010 – 2016 +972 Magazine
972 Magazine y Blog Disenso
Fonte: http://www.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)