O magistério catarinense diante da precarização total: como compreender e superar esse cenário?

imagemRodrigo Lima*

O sociólogo Ricardo Antunes alertava em seu livro “Adeus ao trabalho?”, publicado pela primeira vez em 1995, que o que nos aguardava com relação ao futuro do trabalho era um cenário de precarização total numa escala global. Infelizmente, Antunes estava certo em sua previsão. O que vislumbramos hoje é um cenário de intensificação da precarização, informalidade, terceirização e retiradas dos direitos trabalhistas e sociais.

A precarização estrutural do trabalho, segundo Antunes, se realiza a partir de diferentes dimensões. Tendo como foco central a recuperação de acumulação do capital e o fortalecimento da hegemonia e do controle da burguesia no espaço produtivo. Dentre as dimensões mais significativas encontra-se a lógica de flexibilização do trabalho, que consiste na perda de direitos e garantias sociais, na desregulação das relações de trabalho, na instabilidade salarial, na desregulamentação da jornada de trabalho e na piora das condições de trabalho. Tais configurações também atingem o serviço público.

Esse fenômeno, que é global, apresenta-se com maior ou menor intensidade conforme se dá a correlação de forças entre as classes sociais no cenário da luta de classes nos contextos nacionais e regionais específicos. A capacidade de organização e resistência da classe trabalhadora é um elemento fundamental para identifcar as possibilidades de enfrentamento aos ditames e imposições do capital.

A precarização dos/as trabalhadores/as em educação catarinenses

A contínua precarização dos/as trabalhadores/as em educação catarinenses só pode ser compreendida a partir da análise da reestruturação produtiva do capital e as novas configurações no mundo do trabalho, aspectos fundamentais do capitalismo contemporâneo.

Pode-se considerar que o ciclo de precarização inicia-se durante os anos 1990, no cenário de implementação da agenda neoliberal no país a partir dos governos de Fernando Collor de Melo e de Fernando Henrique Cardoso, e que vai se refletir no estado de Santa Catarina através de governos que associavam-se diretamente aos projetos desenvolvidos na esfera nacional.

O processo de refluxo da classe trabalhadora, em especial do magistério, ocorreu após um ciclo de avanço das lutas sociais e sindicais que marcaram fortemente os anos 1980. Foi a década com maior intensidade de greves na educação pública de Santa Catarina, seis movimentos paredistas foram protagonizados pelos/as trabalhadores/as em educação. A greve de 1987, que caracterizou-se pela ampla adesão na base da categoria, pela sua duração(57 dias) e pela forte repressão do governo Pedro Ivo (PMDB), foi a mais significativa do período.

Durante esse período histórico forjaram-se a base dos direitos, que viriam pouco a pouco sendo destruídos pelos governos de plantão que sucederam-se no governo do estado. Cabe ressaltar como conquistas do movimento e das lutas sindicais dos anos 1980, a Lei Nº 6.844 de 1986, que estabeleceu o estatuto do magistério público estadual e a Lei Complementar nº 1.139, de 1992, um dos frutos do ciclo de lutas e mobilizações da década anterior, e que estabeleceu a carreira do magistério público estadual.

A criação do SINTE/SC ( Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado de SC) foi um dos marcos fundamentais do ciclo de lutas dos anos 1980, o que refletiu nos desdobramentos das lutas sindicais nas décadas vindouras. O SINTE/SC foi criado no ano de 1988, sucedendo a antiga ALISC (Associação dos Licenciados de SC) que organizava os/as trabalhadores/as em educação desde 1966.

O SINTE/SC representou na sua fundação a hegemonia do chamado “novo sindicalismo”, já que as forças que o impulsionavam tinham na CUT (Central Ùnica dos Trabalhadores) a referência de organização sindical, no PT (Partido dos Trablhadores) o operador político de articulação com as lutas mais gerais, e na estratégia democrático-popular o eixo central da elaboração dos programas e planos de luta que norteavam a categoria.

Elementos fundamentais para que possamos compreender como chegamos ao cenário atual. Os anos 2010 revelam uma crise, no âmbito político, de pelo menos três projetos esboçados nos anos 1980: a Nova República, enquanto balisador constitucional e político das relações entre as forças políticas, que se esgota na quebra do pacto político e institucional, com o Golpe de 2016; do PT e da estratégia democrático-popular, como referenciadores da luta política de amplos setores da classe trabalhadora e da CUT como aglutinadora das lutas sindicais e da falência de suas práticas baseadas no sindicalismo de resultado.

Pós-2011: a precarização avança a passos largos

As décadas de 1990 e 2000 foram marcadas por mobilizações e greves cada vez mais esparsas, que passaram a orbitar em torno de pautas economicistas. Se nos anos 1980, as greves eram iniciadas a partir de disputas em torno do Plano Estadual de Educação ou da defesa da democracia nas escolas, nas décadas seguintes o magistério passou a mobilizar-se em torno de pautas que restringiam-se apenas a questões salariais.

Em certa medida tal mudança no eixo das reivindicações se explica pela contínua defasagem e empobrecimento da categoria, fruto das políticas neoliberais que arrochavam os salários, aliada a uma política sindical que esvaziava a formação e os debates na base, aglutinando a categoria apenas para pautas econômicas. A degeneração da CUT explica muito sobre esse processo.

O SINTE/SC ao mesmo tempo em que consolidou-se como o maior sindicato do estado de Santa Catarina, com maior capilaridade regional, reduziu sua capacidade política de intervenção e agitação ao longo dos anos. Esvaziando a pauta política e da mobilização de massa, o sindicato apostou no caminho da institucionalidade e da lógica de “negociação”. É provável que seja o sindicato que mais elegeu representantes para espaços legislativos em Santa Catarina, desde câmaras de vereadores ao Senado, com a emblemática Ideli Salvatti (por onde anda?), eleita Senadora nas eleições de 2002, a melhor personificação do modelo de conciliação de classes cutista e petista. As intermináveis mesas de negociação na qual o sindicato se meteu nos últimos anos, é um dos desdobramentos da hegemonia do projeto democrático-popular, no seio da categoria.

O ano de 2011 foi um ponto de inflexão na história do movimento sindical dos trabalhadores/as em educação catarinenses e revelou uma série de contradições presentes no SINTE/SC. A maior greve em adesão desde 1987 conseguiu desestabilizar o governo de Raimundo Colombo e mobilizar fortemente a base da categoria, mas teve como desfecho a maior derrota do magistério público catarinense.

Desde 2011, o que assistimos foi o avanço da municipalização das escolas, a total desestruturação da carreira e dos direitos do magistério público estadual, o crescente sucateamento da infra-estrutura das escolas públicas, a perda de direitos previdenciários, e o mais recente ataque que consiste na redução compulsória da carga horária docente e no fechamento de escolas.

A traição da direção cutista, que rifou a greve de 2011 nos bastidores, associado ao projeto de “modernização” neoliberal da educação pública catarinense liderado pelo governo de Raimundo Colombo são pontos que confluíram para que a precarização do trabalho dos/as educadores/as acelerasse nos últimos anos.

Com a derrota do movimento paredista, Colombo viu o terreno livre para que a sua pauta pudesse avançar. Em 2012, nomeou um “técnico” para o cargo de secretário de educação, Eduardo Deschamps, ligado umbilicalmente aos interesses da educação privada, e que converteu-se em um dos homens de confiança de Colombo e dos interesses dos grupos que defendem a mercantilização da educação.

O Golpe de 2016, liderado por Michel Temer, incrementa a agenda regressiva que já vivemos na educação catarinense. O quadro é desolador. Mas enquanto há luta, há esperança.

É possível reverter um cenário de ataques constantes contra a educação pública e os/as educadores/as. Para tanto, é preciso avançar de uma pauta denuncista das práticas governamentais e sindicais, para a construção de um projeto de educação popular, que dialogue com os/as trabalhadores/as em educação e a comunidade em geral. É preciso apostar na formação e na construção de espaços de debate e articulação junto a base da categoria.

É preciso, fundamentalmente, avançar das pautas economicistas para a luta política. O movimento sindical é um dos elementos centrais na resistência aos ataques do capital e dos governos de plantão. A precarização total das condições de trabalho só poderá ser revertida se as lutas e mobilizações sindicais estiverem associadas a um projeto de educação popular e de sociedade. O Socialismo como horizonte estratégico e a construção do Poder Popular revelam-se atuais e necessários.

*Professor e membro do Comitê Regional do PCB em Santa Catarina.

Referências

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?; ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo, Cortez, 2015.

NASCIMENTO, José Roberto Carvalho do. Estratégias de ação política do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina – SINTE/SC – e sua relação com a Central Única dos Trabalhadores – CUT- entre a década de 1980 e início dos anos 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFSC, Florianópolis, 2007.

O magistério catarinense diante da precarização total: como compreender e superar esse cenário?

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