A viagem de Mattis, o “cão de guarda” do hemisfério

imagemResumen Latinoamericano

Tamara Lajtman, Celag

O secretário e chefe do Pentágono, James Mattis (apelidado de Mad Dog – “cachorro raivoso), realizou uma viagem por países da América do Sul entre os dias 12 e 17 de agosto. O comunicado do Pentágono afirma que, no marco da declaração de 2018 como o “Ano das Américas” por parte da Casa Branca, a viagem do secretário vislumbra fortalecer os laços de defesa com o Brasil, Argentina, Chile e Colômbia, fundamentais para um hemisfério ocidental colaborativo, próspero e seguro. Tais alinhamentos já estavam apresentadas na Estratégia de Defesa Nacional de 2018 (assinada por Mattis), onde se assinala que “sustentar vantagens no hemisfério ocidental” é fundamental na medida que os EUA “obtêm imensos benefícios de um hemisfério estável e pacifico que reduz as ameaças à segurança da pátria [estadunidense]”.

[Quem é Mattis?

Oficial com 44 anos de trajetória nos Corpos de Marines e fervoroso crítico da política da administração de Barack Obama no Oriente Médio.

· O chamam de “cachorro raivoso” por uma serie de afirmações que se tornaram “célebres” durante a invasão do Iraque em 2003: “Seja cortês, seja profissional, porém tenha um plano para matar todos que conheça”; “Venho em paz. Não trouxe artilharia. Mas, com lágrimas nos olhos, digo isto: se me chatearem, matarei todos”.

· Em 2018 pediu para aumentar o orçamento do Pentágono para aumentar a capacidade ofensiva do Exército e torna-lo “mais letal”.

· Em 2017 foi nomeado secretario de defesa por Donald Trump gerando polêmica, já que a lei proíbe que os responsáveis da Defesa tenham servido nas Forças Armadas até sete anos antes de sua nomeação.

· Retirou-se em 2013 como chefe do Comando Central do Exército dos EUA, responsável pelo Oriente Próximo e Ásia Central após mais de quatro décadas de serviço no corpo de Marines.

· Foi responsável pelo processo de transformação da OTAN, e teve um papel chave em algumas das batalhas mais importantes das guerras do Afeganistão e Iraque.

· Depois de retirar-se como militar, incorporou-se como membro da Hoover Institution, tradicional think thank com sede na Universidade de Stanford, Califórnia, criada em 1919 pelo ex-presidente estadunidense Herbert Hoover.

· É coeditor do livro Warriors & Citizens: American Views of Our Military].

O cenário da visita

A segurança do hemisfério ocidental supõe um amplo espectro de operações na América Latina e no Caribe em uma conjuntura de crescente disputa hegemônica. A guerra comercial com a China e a corrida pela apropriação dos recursos naturais tem seu correlato militar evidente, por exemplo, com o recente anúncio de instalação de uma base militar estadunidense em Neuquén (Argentina), nada menos que sobre as enormes jazidas de Vaca Muerta e onde, no início deste ano, começou a funcionar uma base espacial chinesa.

Entre os principais desafios à “segurança” apresentados pelo Comando Sul em seu último documento estratégico, se destaca a maior presença da China, Rússia e Irá na região. A partir desta perspectiva, a bordo do avião militar que o transferia ao Brasil, Mattis afirmou que “foram vistos poderes externos atuando na América Latina”, também em sintonia com a invocação à Doutrina Monroe realizada pelo ex-secretário de Estado, Rex Tillerson, antes de sua viagem em começos deste ano.

Deve assinalar-se que a luta contra as drogas e terrorismo – âmbito por excelência das Forças Armadas estadunidenses na América Latina – se soma a uma suposta vulnerabilidade em questões ambientais e à “preparação frente a desastres naturais”, que justificam a “necessidade” de militares estadunidenses em todo o continente para capacitação das Forças Armadas locais em questões de assistência humanitária. A isso se soma a “crise migratória” – e aqui a referência central é a “crise” venezuelana – que vem ocupando papel prioritário na agenda do Pentágono na região. Este é um ponto chave, pois a visita de James Mattis visa fortalecer a pressão diplomática contra a Venezuela e uma possível intervenção militar. O comandante do Comando Sul, Kurt Tidd, já tinha adiantado em seu informe ante o Congresso estadunidense, em abril de 2017, que “a crescente crise humanitária na Venezuela pode obrigar a uma resposta regional”. As fases da ofensiva contra o Governo de Maduro que poderiam culminar em uma intervenção militar se tornaram públicas com o documento Venezuela Freedom 2, de 2016.

O tema Venezuela esteve presente nas reuniões com os altos funcionários de todos os países que visitou. No Brasil, ministrou uma palestra na Escola Superior de Guerra, onde felicitou a liderança brasileira frente ao Governo “repressor e sedento de poder” de Nicolás Maduro” ao passo que destacava que o objetivo principal do Pentágono é aumentar a letalidade dos militares dos EUA.

Brasil

Uma das questões centrais que deixou sua passagem pelo Brasil, é relativa ao uso da base aeroespacial da Alcântara, no Maranhão. Após a reunião com o ministro de Defesa brasileiro, Joaquim Silva e Luna (com quem já tinha se reunido em Washington no início do ano), os mandatários asseguraram que o acordo para o uso da base está pronto para ser assinado – como último avanço do acordo marco na área espacial assinado em 2011 e revivido durante a visita de Pense em maio deste ano –. A visita de Mattis outorga maior visibilidade aos acordos científico-tecnológicos, a aproximação das indústrias de defesa e exercícios militares de grande envergadura em território brasileiro durante o Governo golpista de Michel Temer, como sinais da nova articulação geopolítica que se abriu com o golpe contra Dilma Rousseff e a virada conservadora no Brasil.

Argentina

Após sua passagem pelo “Gigante da América do Sul”, Mattis se reuniu com seu par argentino, o ministro Oscar Aguad. Qualificou o país rio-platense como um sócio e amigo dos EUA, e solicitou uma “colaboração militar estreita para a segurança de nossos povos”. Esta aproximação vem se dando a passos largos desde a gestão do Cambiemos. Sob o manto da muito conhecida bandeira da “luta contra o terrorismo e o narcotráfico”, foram assinados diversos acordos com os EUA. Aguad destacou a necessidade de “estreitar as relações conjuntas em ajuda humanitária e em atividades estatais”, pontos que já ganharam preponderância em anos recentes, por exemplo, os acordos de doações de equipamento para fazer frente a emergências e desastres naturais através do Programa de Assistência Humanitária e Resposta de Desastres do Comando Sul e a capacitação com a Guarda Nacional da Geórgia. Tudo no marco do recente decreto presidencial que habilita as Forças Armadas a operarem em assunto de segurança interna.

Chile

O tercero destino do secretário de Defesa foi o Chile, onde manteve reuniões com o presidente Sebastián Piñera e o ministro de Defesa, Alberto Espina, com o objetivo, segundo a embaixada, de trocar perspectivas de caráter estratégico. O Chile é o primeiro país da região em estabelecer um escritório regional, inaugurado em novembro de 2017, para gerir os sistemas de comunicação segura (COMSEC, sigla em inglês), que protege e mantém informação sensível dos EUA sobre segurança e previne a interceptação não autorizada de indivíduos ou instituições. Nesta linha, um dos principais resultados da visita ao Palácio de La Moneda foi o estabelecimento de um acordo sobre cibersegurança, além do compromisso de colaboração em inovação tecnológica em diferentes áreas, tais como a investigação médica militar ou o desenvolvimento de drones. Sem dúvidas, o Chile continua sendo o aliado mais claramente alinhado com os EUA no Cone Sul.

Colômbia

O encerramento da viagem foi na Colômbia, onde Mattis se reuniu com o presidente Iván Duque e altos funcionários do novo governo. Os temas tratados foram: narcotráfico e aumento dos cultivos de folha de coca; a Venezuela, abordada como problema de segurança nacional para a Colômbia; e cooperação bilateral. De todos os países da região, o almirante Kurt Tidd, chefe do Comando Sul, destaca a Colômbia como aliado indispensável e afirma que “hoje em dia é inconcebível que permitamos qualquer diminuição de nossos laços com a Colômbia”. Em maio de 2017, Trump e Santos assumiram o compromisso de “reforçar a aliança estratégica em segurança” (neste contexto se aprova o orçamento de 450 milhões de dólares para o Plano Paz Colômbia, 74 milhões mais que em 2016).

O atual Governo colombiano não parece disposto a mudar de rumo, pelo contrário, assume a liderança frente às ameaças regionais. Durante a reunião com o vice-presidente Mike Pence, Duque já tinha manifestado abertamente a necessidade de continuar pressionando o Governo da Venezuela, porém ratificou sua posição contrária a uma possível intervenção militar (em um cenário de permanente ameaça de intervenção, com bases que operam como Lugar de Operações de Avançada (FOL, sigla em inglês) dos EUA muito próximas à Venezuela). Em relação às bases militares colombianas, é preciso considerar o interesse dos EUA pela concessão da base de Tumaco e a visita do secretário de Defesa, que poderia apontar ao avanço nestas negociações.

A visita do “cachorro louco” de Trump é um episódio significativo do renovado fluxo intervencionista imperial dos EUA na América do Sul. Em países como Argentina e Brasil (e o Equador de Lenín Moreno), cujo alinhamento contra-hegemônico foi completamente enfraquecido nos últimos anos, busca-se preencher os vazios das décadas em que prevaleceram projetos nacionais tendentes a recuperar a soberania. Por usa vez, em países como Chile e Colômbia (também Peru), trata-se de atualizar o tradicional alinhamento à doutrina de segurança estadunidense.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2018/08/19/la-gira-de-mattis-el-perro-guardian-del-hemisferio/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)