A RETOMADA DAS GREVES EM 2008

O aumento das greves em 2008 deve ser saudado como um fato positivo, pois sinaliza um princípio de retomada das lutas dos trabalhadores. Contudo, é preciso aprofundar a análise sobre o seu significado. A base governista no interior do movimento sindical (CUT, CTB, CGTB e Força Sindical), sugere que essas greves devem-se ao bom momento da economia. A nosso ver, resumir o fenômeno a esse único aspecto, oculta outros fatores. Dentre eles, destacamos a deterioração do poder aquisitivo dos salários e da renda dos trabalhadores, a inflação no preço dos alimentos e a reação contra formas precarizadas de exploração do trabalho. Deve ser ponderada, portanto, a idéia difundida pelo sindicalismo governista, de uma retomada das lutas como resultado apenas do crescimento da economia.

Em primeiro lugar, 2008 conhece uma inflação mundial nos preços dos alimentos com reflexos também no Brasil. Não entraremos no debate sobre suas causas, pois fugiríamos do objetivo desse texto. O fato é que entre agosto de 2007 e agosto de 2008, o preço dos alimentos subiu 24,92% em São Paulo, 16,85% em Porto Alegre, 27,65% em Belém, 31,70% em Belo Horizonte e 17,87% no Rio de Janeiro. Esses aumentos ficaram muito acima da inflação apurada pelo INPC do IBGE, índice usado para reajustar os salários, para o mesmo período de apenas 7,78%. Portanto, a inflação de alimentos impôs aos trabalhadores a necessidade de recuperarem o poder aquisitivo nas campanhas salariais.

Outro fator decisivo está na permanência, mesmo com o crescimento da economia, de um regime salarial baseado em forte arrocho e compressão da remuneração paga aos trabalhadores. Cerca de 75% dos assalariados brasileiros ganham até dois salários mínimos, quando o necessário seria de R$ 1.971,55, para o mês de setembro, conforme apurou o Dieese. Além do mais, mesmo com o crescimento de 3,2% em 2007 da renda média do trabalhador brasileiro, alcançando R$ 956,00, ela ainda é inferior ao patamar de 1998, quando atingiu R$ 1.003,00. Outra questão sumamente importante que nos auxilia a compreender a onda de greves, está no crescimento da desigualdade entre a renda do trabalho e a renda do capital. O governo Lula alardeou a notícia de uma diminuição na desigualdade social brasileira, vendendo a ilusão de um suposto crescimento da classe média. Em verdade, esses dados mostram somente uma queda na desigualdade entre os assalariados. Porém, entre as décadas de 1950/1960, enquanto os salários ficavam com 56,6% da renda nacional, esta caiu em 2005 para 39,1%. Os ganhos financeiros, que em 1990 representavam 38,4% da renda nacional, subiram em 2003 para 51,7%. Já a remuneração dos assalariados despencou, no mesmo período, de 53,5% para 42,9%.

A combinação entre aumento no preço dos alimentos com deterioração no poder aquisitivo dos salários observada nos últimos anos, fez das campanhas salariais o momento de recuperar as perdas, aproveitando o crescimento da economia e o aumento no nível de emprego. O crescimento das greves, porém, não foi suficiente para garantir a conquista generalizada de aumentos reais de salários. Pelos dados do Dieese, no primeiro semestre de 2008, em 74% das negociações coletivas foram conquistados aumentos acima da inflação. O índice é menor do que o registrado nos dois anos anteriores, cerca de 87% em 2007 e 84% em 2006. Também cresceu o número de categorias cujos índices de reajuste ficaram abaixo do INPC acumulado na data-base: 14% em 2008 e 3% em 2007. Como os dados referem-se ao primeiro semestre do ano, ficaram de fora categorias importantes cujas datas-bases são no segundo semestre, como metalúrgicos, químicos, bancários e petroleiros. Mesmo assim, os dados indicam irrefutavelmente, mesmo com o crescimento das greves, a dificuldade encontrada pelos trabalhadores em repor as perdas salariais causadas pela inflação e pelo padrão de acumulação que favorece o capital em detrimento do trabalho.

Mas não só de reivindicações econômicas as greves desse ano foram embaladas. Em algumas delas, as exigências foram contra a precarização e o assédio moral. Um exemplo é a Dell Computadores, empresa de capital norte-americano instalada no município de Hortolândia, São Paulo. Sua produção ficou totalmente parada por 21 dias. A greve, ocorrida em plena campanha salarial dos metalúrgicos de Campinas, teve como foco o fim das terceirizações, do trabalho temporário, do banco de horas, além de exigir PLR sem metas e fim do assédio moral. Os trabalhadores não só conquistaram esses pontos, como conseguiram garantia de emprego, contratação de 21 trabalhadores temporários por prazo indeterminado e readmissão de dois operários líderes da greve demitidos por justa causa. A importância dessa luta deve-se ao fato de ser a primeira enfrentada pela Dell no mundo, além de ter sido levada adiante por uma nova geração de operários, formados sob a lógica da reestruturação produtiva e com pouca experiência de luta. Ela sinaliza a disposição de setores do operariado, em não aceitar as “novas” condições de trabalho imposta pelo capital. Também os trabalhadores da Rhodia, multinacional francesa, fizeram em novembro uma greve de 5 dias na unidade de Paulínia. Foi conquistado o fim do banco de horas inclusive nas empresas terceiras e o compromisso de contratar novos trabalhadores, pois o enxugamento no quadro de funcionários acarretou o aumento nas horas extras.

Os dados positivos sobre o crescimento no número de greves e as paralisações aqui citadas, parecem indicar que nosso proletariado recupera-se dos efeitos da reestruturação produtiva e das políticas neoliberais, cujas conseqüências foram nefastas em termos de organização, mobilização e conquista. O crescimento das greves mostra uma disposição em recuperar o poder aquisitivo dos salários, aumentar a participação na renda nacional e pôr fim a formas de trabalho precarizado, como a terceirização e o trabalho temporário. Portanto, mais do que aproveitar o bom momento da economia e o crescimento dos empregos formais, as greves de 2008 nos indicam uma reação dos trabalhadores que começam a demonstrar insatisfação com a deterioração em suas condições de vida e de trabalho.

Se nossa conclusão estiver correta sobre os motivos para o aumento das greves em 2008, o da disposição dos trabalhadores em não aceitar mais o nível de exploração a que estão sendo submetidos, os efeitos da crise econômica pode impulsionar um novo ciclo de lutas. Como o preço da crise sempre é pago pelos trabalhadores, se mantida a tendência de luta desenhada nesse ano, podemos prever grandes mobilizações para 2009, o que colocará o proletariado como principal protagonista do atual processo histórico.

*Membro do CPR-São Paulo e da Comissão Sindical Nacional

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