É tempo de a escola tomar partido
José Alex Soares Santos*
O diálogo proposto neste libelo está eivado de provocações políticas, ideológicas e porque não dizer conceituais e filosóficas. Como a maiêutica está relacionada ao ato de fazer parir ideias a partir de diálogos grávidos de questões e reflexões, na busca de respostas que suscitam novas questões fazemos aqui uma convocação a pais, mães, estudantes, professoras, professores, gestoras, gestores escolares, pessoal dos serviços burocráticos e todas as terceirizadas e todos os terceirizados, bem como a classe trabalhadora em geral, para a realização de um parto e que por meio dele venha à luz o significado conceitual, filosófico e o sentido político-ideológico da expressão “escola sem mordaça”. Além desse dueto categorial, acrescenta-se a importância das provocações para o movimento docente que necessita de ânimo e muita disposição mobilizadora para os embates que enfrentarão na disputa de corações e mentes palmo a palmo com o neoconservadorismo da extrema direita de plantão sobre o tema em evidência.
O que é escola sem mordaça?
O termo é referente à Frente Nacional Escola sem Mordaça, lançada em 13 de julho de 2016, no Rio de Janeiro, como uma indicação do II ENE – Encontro Nacional de Educação que aconteceu em Brasília-DF nos dias 16 a 18 de junho de 2016. Com o nascimento da Frente que reuniu quatro centrais sindicais, nove entidades nacionais, quatro movimentos sociais, três partidos políticos, trinta entidades estudantis, mais de cem sindicatos, movimento, coletivos e outras organizações populares, bem como vários parlamentares com mandatos de senador, prefeito, deputado e vereador. Um dos desafios centrais da materialização do que está expresso pela “escola sem mordaça” é o combate aos tentáculos da Hidra[1] que vem tentado, sem êxito, até o momento se espalhar pelos Estados da Federação e, em alguns municípios com a proliferação de projetos de leis nas casas do parlamento, seja estadual ou municipal. Este monstro pestilento é conhecido nos meios populares e propagado por suas idealizadoras e seus idealizadores de “escola sem partido”. Todos alinhados e todas alinhadas com as ideias reacionárias e neoconservadoras, levadas à cabo pela extrema direita no Brasil, representada pela figura decorativa do atual presidente da República Jair Bolsonaro.
Entre as ideias atacadas pelo reacionarismo conservador ou “patrioteiro-religioso”, a mais fortemente é a inventada “ideologia de gênero”, acompanhada de outras bizarrices como “kit gay”, “marxismo cultural” de cunho gramsciano que devem ser banidos a qualquer custo do espaço escolar. Algo controverso já que são invencionices da própria direita fascistóide que tem tido uma ascensão a posições de poder no último quadrante do contexto histórico no Brasil e no mundo. No caso brasileiro, podemos citar a Deputada Federal Joice Cristina Hasselmann (PSL-SP); o próprio clã bolsonarista composto pelo pai e os três filhos mais velhos; Damares Regina Alves (Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos), o Ministro da Educação – Ricardo Vélez Rodriguez, bem como o Ministro das Relações Exteriores – Chanceler Ernesto Araújo. A lista poderia se alongar, mas os nomes citados ilustram muito bem os perigos que estão contidos nas ideias da organização “escola sem partido” que se constitui numa silhueta sombreada daquilo que está na essência do projeto político em curso e quais suas ameaças para a educação e a própria atuação docente no contexto escolar. O quadro é sinistro, portanto real e urgente também se faz fortalecer os canais já existentes e criar novos onde ainda não foi parido nada para fazermos o duro combate que está posto no horizonte da luta de classes na construção do Poder Popular e do socialismo.
Somem-se às controvérsias destacadas outros absurdos como a aversão à ciência, o anti-intelectualismo, a negação do evolucionismo como teoria científica, em prol da defesa do criacionismo, o terraplanismo e outros tipos de crenças astrológicas. Portanto, o sentido político-ideológico da “escola sem mordaça” por meio de suas frentes sejam estaduais ou a nacional é fazer o combate franco no campo das ideias e no terreno da ação política contra esse “vendaval de crenças” toscas e burlescas que vem tomando corpo no Brasil pela via da organização “escola sem partido” – canal encontrado pelo reacionarismo da direita protofascista para veicular suas ideias sobre o projeto de escola que defende. Essa demarcação é fundamental para assegurarmos a liberdade de cátedra, garantia constitucional, bem como a liberdade de ensinar e promover uma educação dialógica que possa mobilizar educadoras, educadores e educandas, educandos para atuar coletivamente na construção de um mundo repleto de justiça e igualdade sociais, impraticáveis no capitalismo selvagem, imposto à classe trabalhadora.
É tempo de a escola tomar partido
Com a presença ostensiva dos ideais de extrema direita ampliando seu raio de alcance nos meios populares e em setores da classe trabalhadora é preciso pensarmos na radicalização de nossa atuação. Nossa linha de frente deve ser classista e combativa, pois só assim podemos caminhar na direção de uma escola que “toma partido”.
Tomar partido contra o punitivismo, as perseguições e o estímulo de uma sociedade delatora ou de “dedos duros” como diria Bezerra da Silva em um de seus sambas, que recaem nesses tempos sombrios sobre professoras e professores. Os ataques são tão contundentes que a docência com postura reflexiva e ativa para a ala do conservadorismo, incluindo o Ministro da Educação e o Presidente da República, passa a ser criminalizada como “bandida” que precisa ser banida, caso assuma posturas críticas. Na outra ponta da “curvatura da vara”, milicianos por sua vez são elogiados e vistos como um segmento positivo ao proporcionarem segurança para os territórios que estão sob seu domínio assassino.
Tomar partido contra as bizarrices e bobagens envolvidas na defesa infundada do terraplanismo, da aversão à ciência, o anti-intelectualismo, o antidarvinismo, a rejeição às liberdades democráticas, a pluralidade de ideias e a liberdade de expressão. Contra o ultraliberalismo que quer transformar o Estado brasileiro em um ente que tem como foco principal a soberania do mercado, assegurando única e exclusivamente o direito à propriedade privada e destruindo qualquer resquício de direito e seguridade sociais que ainda restam à classe trabalhadora.
Tomar partido contra os ecocídios que devastam todas as formas de vida que habitam determinados ecossistemas; contra os genocídios no campo e na cidade, a violência urbana que assassina por ano, no Brasil, mas do que qualquer guerra na região do Oriente Médio, território com algumas fatias em disputa pelo imperialismo yankee – movido pela ganância por riquezas minerais, no caso específico o petróleo.
Tomar partido contra a atual Base Nacional Comum Curricular – BNCC que pretende eliminar qualquer possibilidade de uma formação crítica de nossa juventude, sob o jargão de formar o “jovem empreendedor” para uma economia competitiva, mas no fundo tem como objetivo oculto dar o mínimo de formação para a juventude, tornando-a mais fácil de se deixar manipular pelos interesses de proprietários e gestores do sistema capitalista.
Tomar partido pela defesa dos direitos humanos e que estes estejam respaldados como garantias fundamentais a vida digna das pessoas, independentemente de raça, etnia, gênero, orientação sexual e credo religioso. As vidas de todas e todos importam e não podem ser ceifadas em função do ódio com variantes claras da besta do fascismo.
Tomar partido pela manutenção do direito de cátedra, a liberdade de ensinar e se expressar ancorando-se no método da maiêutica do “só sei que nada sei” – expressão utilizada por Sócrates, filósofo grego que viveu antes da era cristã – e com tal postura viver com sabedoria, beber da fonte do conhecimento e fazer-se humano demasiado humano.
Tomar partido pela educação como práxis e que ao interagir com educandas e educandos possam ser partícipes de processos emancipatórios e construam vínculos comunais para uma vida vivida com plenitude, irmanados pela consciência de classe e interagindo com respeito à natureza – terra mãe – casa insubstituível.
Tomar partido a favor da arma da crítica e nos prepararmos como classe trabalhadora explorada e presa aos grilhões do capital para tomar consciência de nosso papel coletivo e revolucionário na luta de classes, no intuito de derrotarmos a exploração e vencermos as opressões para a construção do socialismo pelo Poder Popular!
* José Alex Soares Santos é professor no curso de Licenciatura em Pedagogia da FACEDI-UECE e militante da UNIDADE CLASSISTA – FRAÇÃO DO ANDES-SN
1. Filha de Tifão e de Équidna, a Hidra, morta por Héracles, é figurada como uma serpente descomunal, de muitas cabeças, variando estas, segundo os autores, de cinco a seis e até mesmo a cem, e cujo hálito pestilento a tudo destruía: homens, colheitas e rebanhos. Criada sobre um plátano, junto da fonte Amimone, perto do pântano de Lerna, na Argólida, foi ali colocada para provar ao filho de Alcmena, que deveria eliminá-la. Para conseguir exterminar mais esse monstro, o herói contou com a ajuda do seu sobrinho Iolau, porque, à medida que Héracles ia cortando as cabeças da Hidra, onde houvera uma renasciam duas. Iolau pôs fogo numa floresta vizinha e com grandes tições ia cauterizando as feridas, impedindo assim o reaparecimento das cabeças cortadas. A do meio era imortal, mas o herói a cortou assim mesmo: enterrou-a e colocou-lhe por cima um enorme rochedo. (BRANDÃO, 2018).