Contra a elitização da luta sindical: direitos para todos!
Por Gabriel Landi Fazzio
O sindicalismo nasceu na aurora da grande indústria capitalista, quando as relações de produção burguesas ainda davam seus primeiros passos na integração de todo o planeta em uma mesma economia combinada. Por muito tempo, as greves foram consideradas como crimes, com duras punições, e a auto-organização proletária era proibida como a mais terrível das conspirações. Proibidos, os sindicatos eram sustentados pela contribuição voluntária (de dinheiro e de trabalho) de seus membros operários.
Com o desenrolar das lutas de classes e o desenvolvimento do capitalismo rumo à supremacia dos grandes monopólios financeiros, o movimento sindical gradativamente se legalizou. Graças aos superlucros obtidos pelas grandes potências econômicas através da exploração colonial, tornou-se possível para a burguesia fazer concessões cada vez maiores à classe trabalhadora dos países centrais do capitalismo.
Em contrapartida, a burguesia exigia da consciência e da organização operária o seu aburguesamento: nascia uma camada de aristocratas da classe operária, sindicalistas profissionais juridicamente responsáveis pelo movimento operário de massas, impelidos a estabelecer toda uma série de acordos com seus patrões em nome de preservar seus privilégios e obter migalhas para seus representados. Foi essa camada de burocratas sindicais que deu sustentação aos modernos partidos da esquerda reformista – desde aqueles socialdemocratas que apoiaram os esforços da I Guerra Mundial, até aqueles mais recentes, que dirigiram governos de conciliação de classe em todo o mundo.
Marx já notava, em sua época, o aburguesamento do proletariado inglês, mas foi Lenin quem primeiro vislumbrou a generalização desse nascente economicismo imperialista no movimento operário. Estava encerrada a era dos partidos operários unitários, e a classe trabalhadora se dividiu politicamente de forma cada vez mais nítida em uma ala oportunista (fortalecida pelo apoio das burguesias nacionais) e outra revolucionária.
No Brasil a situação não foi tão diferente. No processo de consolidação das leis trabalhistas, Getúlio Vargas operou com genialidade o processo de burocratização dos sindicatos. Segundo sua legislação, a existência dos sindicatos estava submetida ao poder policial do Ministério do Trabalho. Para que os trabalhadores de uma categoria pudessem ter acesso aos direitos individuais previstos em lei, precisavam primeiro exigir de seu sindicato que se submetesse a essa nova normativa. Em contrapartida, o sindicato passava a receber financiamento estatal, o chamado imposto sindical.
Nascia o modelo do sindicato “prestador de serviços”, oferecendo assessoria jurídica, colônia de férias, plano odontológico – quando não chega ao absurdo de oferecer crédito bancário! Em meio a isso, as atividades sindicais propriamente ditas passavam a ser apenas mais um dos vários serviços ofertados. Consolidava-se, assim, a posição da aristocracia operária brasileira, os sindicalistas profissionais coordenados pelo ministério burguês do trabalho.
É importante ter em vista tudo isso quando avaliamos o fim do imposto sindical, aprovado pela reforma trabalhista de 2017. Muitos esquerdistas chegaram a celebrar esse feito, como se tivesse chegado ao fim os dias da burocracia sindical. Mas não: do mesmo modo que a flexibilização da tutela ministerial sobre os sindicatos não diminuiu a burocratização sindical, o fim do imposto sindical não tem por si só o condão de aniquilar uma camada social cuja existência repousa nos superlucros do subimperialismo brasileiro. Enfraquecida – e, por isso mesmo, mais propensa do que nunca à conciliação com a burguesia em nome de migalhas – a aristocracia operária segue existindo.
No entanto, é verdade que o fim do imposto sindical leva os oportunistas ao desespero. Por isso mesmo os sindicalistas profissionais se agitam tanto com algumas decisões judiciais recentes, proferidas por juízes trabalhistas em processos coletivos. O teor dessas decisões pode ser resumido no seguinte raciocínio: antes da reforma trabalhista, até os trabalhadores não sindicalizados tinham direito aos benefícios da negociação coletiva entre o sindicato e os patrões, já que pagavam impostos sindicais; agora, no entanto, apenas os sindicalizados, contribuindo com suas mensalidades, farão jus a esses direitos coletivos.
Ora, se o sindicato nada mais é do que um prestador de serviços sindicais, nada mais razoável, não é mesmo? Cabe ao trabalhador comprar junto ao sindicato seus direitos, monopólio intransferível do sindicato único, por meio de sua mensalidade. E, assim, em um passe de mágica, está solucionado o problema de financiamento dos sindicatos!
Esses mercenários sindicais raciocinam com seu instinto liberal: “não existe vale-refeição grátis”! Se você quer direitos, deve arcar com os custos financeiros que sua obtenção demanda! Se decisões como essas prevalecerem, toda categoria de trabalhadores será dividida em duas: uma camada de sindicalizados com plenos direitos, outra camada não sindicalizada e com menos direitos.
Os oportunistas acreditam, assim, que farão correr os trabalhadores às portas dos sindicatos para pagar mensalidades. A verdade é o oposto: criadas essas duas diferentes camadas de trabalhadores, os patrões aumentarão o assédio contra a sindicalização! Afinal, será muito mais rentável ter em seu quadro de funcionários trabalhadores não sindicalizados, com menos direitos e, portanto, mais baratos!
A essência de todo o oportunismo consiste em sacrificar os interesses de longo prazo da classe trabalhadora em nome de interesses imediatos e menores. Não é surpreendente, então, que o oportunismo sindical sacrifique a unidade dos trabalhadores no altar da contabilidade sindical. Mas os revolucionários estariam em maus lençóis se não denunciassem vigorosamente o conluio da aristocracia operária com a aristocracia togada, que rifa os direitos dos trabalhadores em favor do fluxo de caixa do sindicato prestador de serviços.
Os oportunistas desejam aumentar a taxa de sindicalização em favor de seus cofres. Por isso, pouco lhes importa se essa maior sindicalização é reflexo de um maior engajamento e consciência, ou produto da coação dos tribunais. Para os revolucionários, por outro lado, essa ingerência dos tribunais sobre os direitos coletivos e individuais dos trabalhadores é uma abominação.
Se, no longo prazo, a diminuição das receitas dificultar a atividade sindical, caberá aos setores mais ativos dos trabalhadores demonstrar às suas bases tal problema, seus resultados negativos sobre as campanhas salariais e os fundos de greve, etc. Mas não se pode substituir a educação política da classe trabalhadora, em seu processo de auto-organização, por golpes judiciais. Ainda mais quando esses golpes significam privar a ampla maioria dos trabalhadores, não sindicalizada, de seus direitos.
A burocracia sindical não cairá de podre nem asfixiada pela falta de recursos. Se debaterá pelas vias mais sórdidas em nome de preservar suas posições. Apenas a agitação e a propaganda persistente e paciente dos revolucionários no meio operário poderá arrancar os sindicatos das mãos desses vendilhões da classe trabalhadora, e colocar à sua frente os trabalhadores conscientes de seus interesses de classes.