Verdade histórica: apontamentos sobre a II Guerra Mundial
Jorge Cadima
ODIARIO.INFO
É permanente a necessidade de repor a verdade histórica sobre a II Guerra Mundial, sistematicamente falsificada. Falsificação que atinge o delírio oficial, como sucedeu com as recentes comemorações ocidentais do desembarque na Normandia para as quais a Rússia não foi convidada mas em que, em compensação, estava presente…a Alemanha. Para toda esta gente continua a ser insuportável o papel decisivo da URSS na derrota do nazifascismo.
A História da II Guerra Mundial (II GM) é alvo de falsificação permanente. A revista do Expresso (7.6.19) fala do desembarque na Normandia (6 Junho, 1944) como «a maior operação aeronaval de todos os tempos e o prelúdio da derrota nazista». Mas como escreve Adam Tooze, Professor de História Econômica nas Universidades de Cambridge e Yale: «o ataque lançado pela Wehrmacht [ contra a URSS] em 22 de junho de 1941 foi a maior operação militar única de que há registro histórico. Uma força não inferior a 3.050.000 homens participou no assalto […]. Nunca, nem antes nem depois, se travou batalha com tanta ferocidade, por tantos homens, numa frente de batalha tão extensa»(1).
Apresentar o Dia D como ‘prelúdio da derrota nazista’ significa apagar da História três anos (!) de batalhas decisivas. É fake History. A propaganda anticomunista dá nisto. Os propagandistas enfrentam um problema: a realidade. Em junho de 1944 já a URSS libertara quase todo o seu território e, com os movimentos de resistência popular armada em inúmeros países (e o papel decisivo dos comunistas), preparava-se para libertar Berlim (maio, 1945). Já em agosto de 1941, Goebbels escrevia no seu diário: «O Führer está intimamente muito irritado por se ter deixado enganar sobre o potencial bélico dos bolcheviques. […] Trata-se duma grave crise […]. Em comparação, as campanhas conduzidas até aqui eram meros passeios». E em setembro: «Avaliamos de forma totalmente errada o potencial dos bolcheviques» (2).
Os nazistas foram pela primeira vez barrados às portas de Moscou. Para o historiador Jacques Pauwels, foi o momento da virada: «a Batalha de Moscou […] e, em especial o começo da contraofensiva do Exército Vermelho em 5 de dezembro de 1941, assinalou o fim da estratégia até então extremamente bem sucedida de blitzkrieg, ou “guerra relâmpago”. E desta forma, condenou a Alemanha Nazista a perder a guerra» (3).
A brutal dominação nazifascista estendia-se, em 1942, a quase toda a Europa. Nesse ano «o exército soviético combatia contra 98% do exército alemão operacional – 178 divisões concentradas na frente leste – enquanto que os britânicos combatiam contra 4 no Norte de África» (4). Os EUA ainda estavam longe de entrar em guerra na Europa. Em 1943 travaram-se batalhas decisivas. Diz Tooze: «A batalha de Stalingrado é o feito militar e político mais importante da [II GM…]. Entre 17 de julho de 1942 e 2 de fevereiro de 1943, os exércitos do bloco fascista perderam cerca de um quarto das forças que operavam na frente soviético-alemã» (5). No Verão é a batalha de Kursk, «uma das mais grandiosas da [II GM…]. O exército fascista alemão sofreu uma derrota de que já não foi capaz de se recompor…]. A iniciativa estratégica ficou até ao final nas mãos […] da URSS» (6).
Faltava quase um ano para o Dia D. Em janeiro de 1944, após quase dois anos e meio, o Exército Vermelho rompeu o cerco à segunda cidade da URSS. O sacrifício inenarrável de Leningrado custou mais vidas soviéticas do que o total de baixas dos EUA e Reino Unido em todos os teatros de guerra da II GM 7. Nos «três anos entre junho de 1941 e maio de 1944, a taxa média de baixas da Wehrmacht na Frente Leste foi de quase 60 000 mortos por mês. Nos últimos doze meses da guerra a sangria atingiu proporções realmente extraordinárias» (8). O Exército Vermelho foi responsável por 90% dos soldados alemães mortos na II GM (9).
Tooze sintetiza a verdade histórica: «É inquestionável que foi na Frente Leste que o 3.º Reich sangrado até à morte, e foi o Exército Vermelho o maior responsável pela destruição da Wehrmacht» (10).
Compadrio com o fascismo
As causas de fundo da II GM residem na natureza agressiva do capitalismo. Poucos anos antes, as grandes potências imperialistas combateram-se na I Guerra Mundial, disputando mercados, matérias-primas e colônias e tentando vergar, pelo militarismo, a classe operária dos seus países (11). Mas a chacina teve resultados inesperados. A guerra termina com os povos em revolta. Em 1917 houve duas revoluções na Rússia czarista, levando os bolcheviques ao poder e lançando a primeira experiência histórica de construção do socialismo. A Alemanha foi obrigada ao Armistício pela revolta dos seus marinheiros, soldados e operários, em novembro de 1918.
No Reino Unido, a efervescência revolucionária leva o PM liberal Lloyd George a encarar, em 1919, bombardear cidades operárias em revolta, como Glasgow, Liverpool e Manchester (12). As potências capitalistas vencedoras aproveitam a derrota alemã para se apossar das suas colônias e parte do seu território europeu. O Tratado de Versalhes (1919) impôs-lhe pesadas compensações de guerra, conducentes à hiperinflação dos anos 20 e arruinando a pequena e média burguesia alemã.
Quando em 1929 eclode a grande crise do capitalismo, era generalizada a sensação de um sistema em derrocada, ao qual o impetuoso crescimento econômico da URSS socialista nos anos 30 fazia evidente contraponto. Logo no primeiro Plano Quinquenal (1928-32) a produção industrial soviética cresceu 22% ao ano, valores ainda hoje sem paralelo.
Este contexto explica a conivência de boa parte das classes dominantes europeias com o ascenso do fascismo, no qual viam um ‘salvador’. Em 1927, Churchill declarou na Itália, após encontrar-se com Mussolini, que «se fosse italiano, estou seguro de que teria estado ao vosso lado, de alma e coração, do princípio até ao fim, na vossa luta triunfante contra as paixões e apetites animalescos do Leninismo» (13). O Governador do Banco de Inglaterra, Norman Montagu, dizia em 1934, em Nova Iorque: «Hitler e Schacht [o seu homólogo alemão] são na Alemanha bastiões da civilização. São os únicos amigos que temos naquele país. Defendem o nosso tipo de ordem social contra o comunismo» (14). Uma mensagem bem acolhida pelo grande capital dos EUA (15).
Hitler nunca escondera a sua ambição de colonizar o Leste europeu, para assegurar o Lebensraum (espaço vital) alemão. Diz o Embaixador soviético em Inglaterra (1932-39), Ivan Maisky (16): «Em janeiro de 1933 os fascistas tomaram o poder na Alemanha. No mundo capitalista […] formaram-se dois grupos de potências: o primeiro, composto pela Alemanha, Itália e Japão, colocou abertamente o problema da redivisão do mundo […]; o segundo grupo, composto por Inglaterra, França e Estados Unidos, detentores da maioria das riquezas mundiais, tomou partido pelo status quo. Esforçando-se por ultrapassar a cisão […] os dirigentes do capitalismo […] pensaram conciliar as suas contradições à custa da URSS. Os homens de Estado de Londres, Paris e Washington deram a entender a Hitler, por todas as formas, que poderia procurar o seu ‘espaço vital’ a Leste».
Após a chegada de Hitler ao poder, «a 15 de julho de 1933, foi assinado o ‘Pacto de Concórdia e Cooperação’ entre a Inglaterra, França, Alemanha e Itália […] no qual se expressava o […] ‘direito’ da Alemanha a rearmar-se sem limites» (17). A ‘Concórdia’ inspirou o compadrio com as agressões das potências fascistas que marcou a década de 30 e abriria caminho à guerra.
Em setembro de 1931, o Japão, futuro aliado da Alemanha e Itália no Pacto Anti-Komintern (18), invadiu e ocupou parte da China. O Presidente dos EUA Hoover falou, compreensivo, em «restabelecimento da ordem» (19). No Outono de 1935, a Itália fascista invadiu o único país africano que escapara à colonização, a Etiópia. O apelo da Etiópia à Sociedade das Nações, «apenas foi apoiado pela União Soviética e alguns pequenos Estados. Os EUA, Inglaterra e França não só se negaram a vender armas à Etiópia, como recorreram, na prática, a um bloqueio contra ela» (20).
Igual sorte coube à República Espanhola e ao seu democraticamente eleito governo de Frente Popular, quando do golpe militar do General Franco (julho, 1936). Franco recebia o apoio militar de Hitler e Mussolini, também através do Portugal fascista (21), mas o governo legítimo foi impedido de se defender pelas democracias burguesas, incluindo o Governo de Frente Popular na vizinha França. Apenas a URSS ajudou a República. Escreve o historiador Viñas: «a decisão soviética de ajudar a República com homens e sobretudo armas, não sendo rápida, teve efeitos muito significativos. Sem essas armas, e na ausência de fontes regulares de abastecimento alternativo, o nascente Exército Popular não teria podido resistir durante muito tempo» (22).
A «solidão da República» ficou conhecida como ‘política de Não Intervenção’ mas foi uma forma de intervenção, assente no ódio de classe, que ajudou à vitória franquista. Em 1936, Churchill descrevia os Republicanos como «um proletariado empobrecido e atrasado que exige o derrube da Igreja, do Estado e da propriedade e a instauração dum regime comunista», contra o qual se erguiam «forças patrióticas, religiosas e burguesas, sob a direção das forças armadas […] que marcham para restabelecer a ordem através de uma ditadura militar» (23).
O compadrio deu a estocada final numa República isolada e em dificuldades. Escreve Maiski: «A 27 de fevereiro [1939] a Inglaterra e França reconhecem oficialmente o Governo de Franco e rompem relações diplomáticas com o governo espanhol. Foi apenas o prelúdio. Em 5-6 de março rebentou uma sedição contrarrevolucionária, chefiada pelo socialista de direita Besteiro e pelo comandante da frente central da República, general Casado. O complô foi organizado por agentes [dos PM inglês e francês] Chamberlain [e] Daladier. […] Os conjurados tomaram o poder. Abriram a frente ao general Franco e viraram-se selvagemente contras as unidades fiéis à República, comandadas por comunistas. Consumada a traição, a 1 de abril de 1939, Casado transfere-se para a Inglaterra» (24). Assim caiu a República Espanhola.
Em março de 1938, Hitler anexa a Áustria (o Anschluss). Escreve Deborin: «Nenhum país capitalista protestou, nem sequer formalmente […] contra este ato de agressão. A Inglaterra e França reconheceram sem demora a anexação da Áustria. […] O Vaticano também não condenou a anexação da Áustria católica pela Alemanha hitleriana» (25).
Munique e o ouro
O compadrio atinge o auge na Conferência de Munique em setembro de 1938. Chamberlain e Daladier juntam-se a Hitler e Mussolini, na Alemanha, para desmembrar a Checoslováquia, cujos dirigentes foram excluídos da Conferência. O jornalista W. Shirer descreve o ultimato inglês aos representantes checos: «Em nome de Chamberlain, [Sir Horace] Wilson informou-os dos pontos principais do acordo entre as quatro potências e entregou-lhes um mapa das áreas dos Sudetos que deveriam ser imediatamente evacuadas pelos checos [para entregar à Alemanha]. Quando os dois enviados tentaram protestar, o funcionário britânico cortou-lhes a palavra […] e retirou-se rapidamente da sala» (26).
Em 30 de setembro, «Hitler, Chamberlain, Mussolini e Daladier, por essa ordem, [assinaram o] Acordo de Munique, que estipulava que o Exército alemão começaria a sua marcha sobre território da Checoslováquia no dia 1º de outubro, tal como o Führer sempre disse que aconteceria». O Acordo criou uma Comissão Internacional que «decidiu em favor da Alemanha todas as disputas territoriais adicionais […] e dispensou a realização dos plebiscitos que o Acordo previa […] Os polacos e húngaros […] desceram qual abutres para abocanhar pedaços de território checoslovaco. A Polônia […] apoderou-se de cerca de 650 milhas quadradas na zona de Teschen, com uma população de 228 000 habitantes, dos quais 133 000 checos». O resto da Checoslováquia foi ocupada por Hitler, em março de 1939.
Coroando a infâmia, as reservas de ouro da Checoslováquia, à guarda do ‘banco dos banqueiros’, BIS, foram entregues aos nazistas após a ocupação de Praga, com a conivência direta do Banco de Inglaterra. Chamberlain, «acionista importante nas Imperial Chemical Industries, parceiro da I. G. Farben, cujo Hermann Schmitz era diretor do BIS», negou a transferência, mentindo perante o Parlamento (27). O ouro da Bélgica teve igual destino (28).
A traição fora preparada com antecedência. Maiski diz (29): «Lord Halifax foi encarregue por Chamberlain de […] negociar com Hitler um acordo global […]. A Ata do encontro Hitler-Halifax de 17 de novembro de 1937, publicada […] em 1948, mostra que Lord Halifax propôs a Hitler, em nome do governo de sua majestade, uma aliança baseada num ‘pacto a quatro’ e deixou ‘mãos livres’ ao Führer na Europa Central e Oriental. Em particular, Halifax declarou que não se deveria ‘excluir a possibilidade de modificar a situação existente’ na Europa e precisou que neste âmbito de questões se incluíam ‘Danzig [Gdansk], a Áustria e a Checoslováquia’. […] quando em fevereiro de 1938 Eden […] foi substituído no Foreign Office por lord Halifax […] o Führer decidiu não perder tempo, e a 12 de março de 1938 […] apossou-se da Áustria […] no mesmo dia em que Chamberlain recebia solenemente na Inglaterra o Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Joachim Ribbentrop».
O ‘Pacto Chamberlain-Ribbentrop’ continuou no dia após Munique, quando Chamberlain propôs a Hitler «cooperação ulterior para pôr fim à Guerra Civil Espanhola […] e mesmo uma solução do problema russo» (30). Daladier afirmou, em 1938, recear «que a Alemanha fosse derrotada na guerra […] e que os únicos beneficiários viessem a ser os Bolcheviques, uma vez que haveria uma revolução social em todos os países da Europa […] os Cossacos dominariam a Europa» (31).
A conivência com o nazifascismo e a recusa de uma aliança das potências antifascistas, que a URSS há muito advogava e que poderia ter evitado a guerra, acabaria por se virar contra os próprios governantes de França, Inglaterra e Polônia. Churchill, que mais cedo do que outros dirigentes ingleses compreendeu que a Alemanha ressurgente também ameaçava a posição global da Inglaterra (a maior potência colonial da História), haveria de acertadamente dizer a Chamberlain, após Munique: «Foi-vos dada a opção entre a desonra e a guerra. Escolheram a desonra. Vão ter a guerra».
Agosto de 1939
É convenção considerar que a II GM começou com a invasão alemã da Polônia, a 1º de setembro de 1939. Na realidade começara antes para muitos povos e a declaração de guerra de Inglaterra e França no dia 3 foi sobretudo simbólica. A Polônia teve de se defender sozinha, rendendo-se ao fim de poucas semanas. Não houve combates entre anglo-franceses e alemães durante muitos meses, até que Hitler invadiu a Bélgica, Holanda e França (maio, 1940).
É uma falsificação grosseira afirmar que a II GM resultou da assinatura, em 23 de agosto, do tratado de não agressão entre a URSS e a Alemanha nazista, um mito que esconde as cumplicidades já referidas. Maiski expõe a perspectiva soviética: «Em 1939, a União Soviética estava de novo ameaçada por um perigo grave, de uma eventual agressão das potências fascistas e, em particular, da Alemanha e Japão. Existia também o perigo que se constituísse uma frente capitalista antissoviética, pois […] Chamberlain e Daladier poder-se-iam, a qualquer momento, alinhar com as potências fascistas e apoiar, duma ou outra forma, um ataque contra a União Soviética. […] A solução melhor, a que a União Soviética aspirava então, com todas as suas forças e meios, era uma coligação defensiva de potências que não tinham interesse em desencadear uma segunda guerra mundial. Na prática isto significava em primeiro lugar um pacto de assistência mútua entre URSS, Grã Bretanha e França. […] Mas, devido à sistemática sabotagem de Chamberlain e Daladier, que visavam um conflito entre a Alemanha e a URSS, no mês de Agosto 1939 as negociações ficaram num impasse. […] O governo soviético tinha perante si duas perspectivas: uma política de isolamento ou um acordo com a Alemanha.
Na situação de 1939, quando junto às fronteiras do Extremo Oriente já soavam os canhões [… japoneses], quando Chamberlain e Daladier faziam grandes esforços para atiçar a Alemanha contra a URSS, quando os próprios alemães ainda estavam incertos sobre a direção do seu primeiro golpe – nessa situação, uma política isolacionista teria sido extremamente arriscada e o governo soviético fez muito bem em recusá-la». Note-se que no Verão de 1939 os ingleses também negociavam com os nazistas. Ponting refere, com base em documentos oficiais, que «os britânicos ofereceram um acordo global [com a Alemanha], baseado num gigantesco empréstimo do Reino Unido para ajudar a economia alemã […]. Foi dado a entender que a Grã Bretanha estaria disposta a abandonar os polacos em caso de acordo» (32).
O acordo de não agressão com a Alemanha e a política dos meses seguintes apenas se compreendem à luz da convicção soviética de que a guerra da Alemanha contra a URSS, com que Hitler sonhara desde a primeira hora, se tornara inevitável. Tratava-se de adiá-la ao máximo e combatê-la nas melhores condições possíveis. Em 1939-40, a URSS recuperou territórios que lhe foram retirados nas agressões que sofreu após a Revolução de Outubro e em Brest-Litovsk. Recuperando as suas fronteiras, criou melhores condições para sustar o embate da Operação Barbarossa que Hitler desencadearia em Junho de 1941. A História registra como a URSS foi assim capaz de sobreviver e derrotar o nazifascismo, prestando um serviço maior à Humanidade.
Por que é que Hitler, furando as expectativas, atacou primeiro a Ocidente, antes de se virar contra a URSS? Não deve ser subestimado o papel das contradições interimperialistas, que já haviam conduzido à I GM, e o desejo de desforra da derrota e humilhação sofrida pela Alemanha em 1918. Hitler queria também assegurar a sua retaguarda antes da invasão da URSS, e o controle sobre a Europa Ocidental entregou-lhe um enorme potencial industrial e de matérias-primas. Hitler sabia que o ódio de classe que levava grande parte da alta sociedade francesa a clamar «antes Hitler que [Leon] Blum» (33), adubava a «opção pela derrota» (34) que se traduziu na rendição e no colaboracionismo de Vichy (35). Na Inglaterra também havia germanófilos (incluindo na família real) e episódios de ‘diplomacia paralela’, incluindo a viagem de Hess em 1941 (36).
Resistência
A vitória soviética na II GM não teria sido possível sem a industrialização dos anos 30. Diz Tooze: «Apesar de ter sofrido perdas territoriais e uma perturbação que se traduziu numa quebra de 25% no produto nacional total, a União Soviética conseguiu ultrapassar a Alemanha na produção de quase todas as categorias de armamento. […] Foi esta superioridade industrial, contrária a todas as expectativas, que permitiu ao Exército Vermelho, primeiro absorver a segunda grande investida da Wehrmacht, e depois, em novembro de 1942, lançar uma série de contra-ataques devastadores. […] Os triunfos de Jukov e dos seus colegas teriam sido impossíveis, não fora o excelente material militar fornecido pelas fábricas» (37). A consciência da importância da industrialização para a capacidade de resistência em caso de agressão foi um dos aspectos que levou, no final dos anos 20, à opção soviética pela industrialização acelerada.
Mas a Vitória resultou também da determinação em resistir, que não existiu noutros países. Falando do avanço imparável de Hitler até a invasão da URSS, diz Deborin (38): «A situação criada era principalmente resultado da profunda contradição que existia nos países europeus entre os meios governantes e as massas populares. […] os governos burgueses temiam os seus povos mais do que aos invasores alemães». E ainda: «a guerra contra a Alemanha, Itália e Japão só podia ter êxito enquanto guerra antifascista, só na medida em que os inimigos dos Estados fascistas fossem superiores não apenas no aspecto técnico-militar, mas no político-moral. Essa superioridade não se podia conseguir numa guerra que tivesse caráter imperialista dos dois lados».
Foi mérito histórico inegável da direção do Estado e do Partido soviéticos terem compreendido a natureza dos acontecimentos e terem resistido face às maiores adversidades. Independentemente de avaliações sobre outros momentos históricos, a Humanidade deve muito à firmeza de Stalin e do Partido Comunista da União Soviética na II GM. Negar esse fato é também falsificar a verdade histórica.
A natureza das potências envolvidas na II GM evidenciou-se na conduta de guerra. A barbárie nazifascista é bem conhecida. A aniquilação atômica de duas cidades japonesas pelos EUA é outro crime maior da História. O ataque a civis como técnica de guerra anglo-americana na II GM está documentado: «Em 25 de setembro [1941] o Chefe da Força Aérea apresentou a Churchill os objetivos da campanha [aérea]: ‘o ponto fraco da máquina de guerra alemã é o moral da população civil e em particular dos operários da indústria. […o] ataque à moral não é uma mera questão de matar […] Trata-se de criar a perturbação geral da vida industrial e social […] é nas cidades densamente povoadas que o efeito moral dos bombardeamentos se fará sobretudo sentir» (39).
Churchill defendeu o uso de armas químicas – que usara contra a Rússia Soviética em 1919 (40) – contra populações civis: «‘Podemos encharcar as cidades do Ruhr e muitas outras na Alemanha de tal forma que a maioria da população necessite de cuidados médicos permanentes’». Os bombardeios anglo-americanos atingiram proporções dramáticas em Hamburgo (julho de 1943, 35 mil mortos), Dresden (fevereiro de 1945, 100 mil mortos) e Tóquio (março de 1945, 100 mil mortos).
O elemento de classe esteve também presente na forma como, ainda antes do fim da II GM, os ‘Aliados’ imperialistas viraram armas contra a resistência dos povos que se tinham lançado no combate antifascista, para impedir que a libertação fosse também social. A resistência grega da EAM-ELAS (com forte influência comunista) foi aniquilada pela violência, sob direção anglo-americana, no que inadequadamente se convencionou chamar ‘Guerra Civil’. E a 27 de maio de 1944, na Marselha ocupada em greve geral «toda a cidade parecia ter descido à rua. […] De repente, às 10 horas, aviões americanos ocupam o céu e despejam as suas bombas sobre a população que disputa a rua aos ocupantes! Os bairros operários são os primeiros a ser atingidos […]. Balanço: mais de 10 mil casas são atingidas, e 5 mil vítimas ficam sob os escombros. Nenhum alvo inimigo foi atingido!» (41).
***
As lições da II GM são múltiplas. Ganham maior importância quando de novo se adensam os perigos duma guerra de enormes proporções, fruto das contradições de um sistema capitalista em profunda crise sistêmica, incapaz de resolver os grandes problemas da Humanidade, e que só conhece a guerra como forma de dirimir as suas rivalidades e travar as aspirações dos povos a um mundo melhor.
Notas
(1) Adam Tooze, The Wages of Destruction, Penguin Books, 2007, p. 432 e 480. Não leva em conta quase 700 mil soldados de outros países que participaram no ataque, como referido em Jacques Pauwels, The myth of the Good War, James Laurimer & Company Publishers, Toronto, 2015 (ed. Revista), p. 66.↲
(2) Citações em Domenico Losurdo, Stalin. Storia e critica di una leggenda nera. Carocci editore, 2008.↲
(3) Jacques Pauwels, op. cit., p. 9.↲
(4) Clive Ponting, Churchill, Sinclair-Stevenson, 1994, p. 566.↲
(5) La Gran Guerra Patria de la Unión Sovietica, Editorial Progresso, 1975, pp. 195-6.↲
(6) La Gran Guerra Patria, op. cit., p. 223.↲
(7) Jacques Pauwels, op. cit., p. 113.↲
(8) Adam Tooze, op. cit., p. 513.↲
(9) Jacques Pauwels, op. cit., p. 73.↲
(10) Veja-se Jacques Pauwels, 1914-1918, La Grande Guerre des Classes, Ed. Aden, 2014.↲
(10) Adam Tooze, op. cit., p. 429.↲
(11) Veja-se Jacques Pauwels, 1914-1918, La Grande Guerre des Classes, Ed. Aden, 2014.↲
(12) Jacques Pauwels, op. cit., 1914-1918, p. 763.↲
(13) Clive Ponting, Churchill, op. cit., p. 350.↲
(14) Citado em Jacques Pauwels, Big business avec Hitler, Ed. Aden, 2013, p. 162.↲
(15) Veja-se Jacques Pauwels, Big business avec Hitler, op. cit., e Charles Higham, Trading with the Enemy: an exposé of the Nazi-American Money Plot 1933-1949. Robert Hale ed., 1983.↲
(16) Ivan Maiski, Perché scoppió la Seconda Guerra Mondiale?, Editori Riuniti, 1965, p. 325.↲
(17) Deborin, La Segunda Guerra Mundial, Editorial Progreso, 1977, p. 20.↲
(18) Ou seja, anti-Internacional Comunista.↲
(19) Deborin, op. cit., p. 15.↲
(20) Idem, p. 28.↲
(21) Ivan Maiski, op. cit., p. 344 e 388.↲
(22) Ángel Vinas, La República en guerra, Crítica contrastes, 2012, p. 21.↲
(23) Clive Ponting, Churchill, op. cit., p. 390.↲
(24) Ivan Maiski, op. cit., pp. 460-1.↲
(25) Deborin, op. cit., pp. 59-60.↲
(26) Shirer, op. cit., pp. 417-421.↲
(27) Higham, op. cit., pp. 5-7.↲
(28) Idem, p. 8 e 16.↲
(29) Ivan Maiski, op. cit., pp. 473-4.↲
(30) Shirer, op. cit., p. 419.↲
(31) Clive Ponting, 1940, Myth and Reality. Cardinalo, p. 48.↲
(32) Idem, pp. 38-39.↲
(33) William L. Shirer, The Collapse of the Third Republic, Pan Books, 1970, p. 359.↲
(34) Título dum livro da historiadora francesa Annie Lacroix-Riz, Le choix de la défaite, Armand Colin, 2.ª ed., 2010.↲
(35) O Governo colaboracionista de Vichy foi chefiado pelo Marechal Pétain e reconhecido pelos EUA. Segundo Deborin (op. cit., p. 97) foi aceite por Hitler para não permitir que o Império colonial e a frota naval francesas fossem parar às mãos dos seus concorrentes.↲
(36) Ver Clive Ponting, 1940, pp. 73, 95, 111-115, e Deborin, p. 147.↲
(37) Adam Tooze, op. cit., p. 588.↲
(38) Deborin, op. cit., p. 311, 87 e 91.↲
(39) Clive Ponting, 1940, op. cit., p. 539. Citações seguintes pp. 627-8 e 640.↲
(40) Clive Ponting, Churchill, op. cit., p. 237.↲
(41) Charles Tillon, Les F.T.P., Ed. 10|18, p. 278.↲
*Este artigo foi publicado em “O Militante” nº 362, Set/Out 2019
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