Um novo Plano Condor para a América do Sul
América Latina: isto sim se parece com o Plano Condor. Acordo de segurança dos países do Mercosul para atravessar as fronteiras
Por Stella Calloni, Resumen Latinoamericano
Enquanto os eventos políticos ocorrem com uma dinâmica que não deixa trégua, neste momento, por trás dos diferentes cenários, o “clã do mal” continua seu trabalho sem que ninguém saiba, e um novo esquema repressivo aparece – isso sim com base na Operação Condor – através da qual os ministros da segurança de quatro países do Mercado Comum do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) assinaram um acordo que permitirá à polícia atravessar as fronteiras dos demais países membros do bloco “para perseguir criminosos em fuga ”.
Os ministros da Justiça e Segurança Germán Garvano e Patricia Bullrich, respectivamente pela Argentina, juntamente com Sergio Moro, do Brasil, avançaram neste projeto em uma reunião conjunta em janeiro passado para firmar acordo com seus pares do Uruguai e Paraguai, na localidade brasileira de Foz do Iguaçu, no sentido de que a polícia possa, em princípio, entrar no território dos vizinhos – em coordenação com o país de destino – até um quilômetro, embora outros limites possam ser estabelecidos em acordos bilaterais. No texto do acordo se inclui uma série de novas medidas de cooperação entre as forças policiais do bloco e, embora indiquem que deva ser ratificado pelos parlamentos de cada país, não se sabe – como foi feito com outros acordos desse tipo – se todos os pontos acordados serão apresentados. Esse seria o acordo dos Ministros de Segurança do Mercosul, firmado na quinta-feira 7 em Foz de Iguaçu (parte da chamada Tríplice Fronteira, que os Estados Unidos querem controlar definitivamente) e que deve ser ratificado pelos governos e casas legislativas da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, de acordo com os regulamentos em vigor em cada um desses países.
Os governos de Sebastián Piñera, Tabaré Vázquez, Jair Bolsonaro, Mauricio Macri, Mario Abdo Benítez e Evo Morales devem ser consultados. O acordo foi firmado por Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança do Brasil (que trabalhou no FBI e outras instituições americanas) que ficou exposto após enviar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a cadeia, não por nenhum crime comprovado, mas por haver “convencimento”. Em nenhuma das estruturas judiciais do mundo alguém foi enviado para a prisão simplesmente porque o juiz disse estar “convencido” do fato inexistente no caso de Lula, que na sexta-feira, 8 de novembro, recuperou sua liberdade após 580 dias de prisão injusta, contestada em todo o mundo.
“É uma medida que procurávamos há muito tempo, para deixar claro que as fronteiras físicas não devem servir como um obstáculo insuperável à acusação de crimes”, disse o ministro de Jair Bolsonaro, promotor do acordo. Moro considerou que “as fronteiras agem como uma espécie de muro de impunidade e, portanto, esse acordo é muito importante para os policiais que trabalham na fronteira”. No caso dos criadores da Operação Condor, foi necessário apagar as fronteiras para trocar prisioneiros políticos, “caçá-los”, sequestrá-los em um país ou outro ou eliminá-los, passando por cima da justiça, de fato inexistente nas ditaduras. Moro também argumenta que é um avanço e demonstra o nível de confiança entre os países”, como aponta o jornal digital Infobae. Afirmou que, no contexto de uma perseguição, para cruzar a fronteira os policiais e veículos “devem ser adequadamente identificados”. No caso de um ataque, “eles podem repelir esses ataques apenas se as autoridades policiais do país em que a perseguição ainda está em andamento ainda não chegaram”, acrescenta o acordo.
Sergio Moro também anunciou a instalação de um centro regional de inteligência “inspirado no modelo estadunidense”, que será inaugurado em dezembro, em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai e a Argentina. Lá um “grupo de trabalho” permanente será instalado para investigar qualquer tipo de crime, mas foi projetado principalmente para atacar o contrabando de armas, drogas e outros produtos, o financiamento do terrorismo e a lavagem de dinheiro.
Todos sabemos como isso vai acabar. Bullrich também assinou acordos no final de outubro de 2017 – alguns dias antes do desaparecimento do submarino Ara San Juan – para instalar um Centro Regional de Inteligência em Usuhaia, Terra do Fogo, uma espécie de pequena escola nas Américas , como a proposta de Moro. É inaceitável que sejam assinados acordos, como as Leis Antiterroristas, ou a existência de testemunhas arrependidas, de fato utilizados por governos e justiças dependentes deles, para acusar políticos perseguidos e de todos os tipos. Após as experiências na América Latina, os acordos não podem ser convertidos em leis que permitem “legalizar” a ilegalidade, a impunidade e favorecer os serviços de inteligência dos Estados Unidos e de seus associados, que estão à frente da nova guerra contrainsurgente que se aplica unilateralmente em toda a região, como o que estamos vendo hoje.
As guerras contrainsurgentes de baixa, média ou alta intensidade estão sendo aplicadas em todas as suas formas, como ocorre na Venezuela, Nicarágua, Cuba, no Equador, no Haiti, com o brutal silêncio diante dos massacres cometidos na Colômbia, na repressão ditatorial em Honduras, Chile, com os mortos, torturados e desaparecidos, o golpe na Bolívia, o uso do paramilitarismo e mercenários no México para atingir o governo atual e outros, mas também a interferência aberta agora nos processos eleitorais da região para impedir o surgimento de qualquer governo autenticamente democrático, que não se renda ao poder hegemônico nem entregue os países devastados para garantir que o projeto imperial do século 21 recolonize a América Latina.
Não esqueçamos que Washington considera nossa região seu quintal e a maior, mais diversificada e mais próxima reserva de recursos, razão pela qual nos aplica – conforme foi declarado publicamente – em pleno século XXI a Doutrina Monroe do século XIX, com a qual deu início a sua expansão e a colonização de Nossa América. É um gesto tardio, mas letal, se assim o permitirmos.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)