Moradias em risco: a retomada neoliberal da ferrovia

imagemCÉLULA DO PCB DE SANTA MARIA RS

A Ferrovia Norte-Sul conecta o país de norte a sul, passando pelos estados do Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ligando todos os cantos do país. No dia 28 de março deste ano, a empresa RUMO conseguiu a concessão dessa ferrovia pelos próximos 30 anos. Depois de muitos anos do processo de desestatização da ferrovia nos governos de FHC e seu posterior abandono (lógica que se seguiu nos governos do PT, com programas de privatizações como o Programa de Investimento em Logística), a ferrovia passa a ser retomada pelo governo Bolsonaro, mas como um projeto pensado primordialmente para colocar a malha ferroviária a serviço do agronegócio, visando principalmente o escoamento de produtos como soja, minérios de ferro, milho e grãos de café a partir de um transporte de menor custo e realizando a manutenção de uma economia majoritariamente primário exportadora.

A empresa RUMO pertence ao grupo privado Cosan, este último distribuído na gestão de diversos setores como o de energia, infraestrutura, administração de propriedades agrícolas e logística. Após vencer o leilão pelo valor de 2,7 bilhões, ficou de responsável por iniciar a operação da linha dentro de 2 anos. A previsão é que as obras cheguem e se concluam até o sul do país dentro de 15 anos, aumentando a atual porcentagem de carga transportada por ferrovias de 16% para 33% a partir de 2035, segundo o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), gerando uma economia de R$54 bilhões por ano no setor de transportes de cargas.

Historicamente, não há novidade na intenção dos representantes do capital em submeter o desenvolvimento econômico da nação a uma posição periférica no mercado mundial, fortalecendo a vocação de sermos um mero país exportador de matérias primas. Pois foi justamente essa forma de inserção no mercado mundial a responsável por perpetuar a posição periférica e submissa de nosso país no sistema capitalista ao longo da história, com elevada vulnerabilidade externa e forte dependência econômica. Além disso, o caráter primário das exportações brasileiras também possui relação com o cenário de reprimarização, desindustrialização e financeirização da economia nacional, o que é extremamente nocivo se realmente queremos ser um país soberano e desenvolvido que priorize o progresso científico e tecnológico a ser usufruído por toda população.

Como parte desse cenário, Bolsonaro, Mourão e Paulo Guedes atuam como verdadeiros vendilhões do templo, pretendendo vender para o estrangeiro tudo o que for possível. Enquanto facilitam para o agronegócio, o que existia de base produtiva industrial de alta complexidade tecnológica, como a Embraer, por exemplo, está sendo entregue ao capital estrangeiro norte-americano (Boeing). Os desmontes dessas cadeias de produção são um grande golpe na complexidade produtiva da economia brasileira. Basicamente, estão submetendo nosso desenvolvimento e soberania às demandas e ditames do imperialismo.

Devemos perceber que esse projeto não é em prol do nosso povo e nossa nação, mas uma demanda impositiva para ampliar os lucros de latifundiários e grandes empresas de mineração. No tocante à questão da malha ferroviária, o que seria por menor custo para os ricos que estão interessados nesse projeto, significa um grande custo para a vida dos trabalhadores que estiverem de alguma forma em contradição com seu andamento.

POR QUE UMA RETOMADA ÀS PRESSAS?

Os ricos do nosso país e principalmente os de fora sabem que o governo Bolsonaro trabalha a serviço de seus interesses econômicos. Sabem que seu governo é essencialmente antinacional e antidemocrático, que fará o que for possível para garantir os lucros almejados pelos setores da classe dominante que lhe colocaram no poder, seja no patrocínio privado da campanha ou patrocinando as redes de fake news que favoreceram diretamente sua candidatura.

Essa retomada agrada, por exemplo, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Bartolomeu Braz Pereira, que em suas palavras, afirma que até então “era muito difícil obter licenças ambientais e combater a burocracia e a ideologia no Brasil. Mas isso agora está sendo revisto pelo novo governo.”

Tal afirmação deixa nítido o alinhamento do atual governo com os interesses do agronegócio, que se sobrepõe à preservação ambiental, à dignidade e aos direitos básicos das populações afetadas pela forma como está sendo conduzida a retomada do projeto ferroviário. “Combater a burocracia e a ideologia” significa eliminar qualquer empecilho institucional e político que contrarie a predominância de seus interesses de expansão e lucro.

Torna-se nítido que não importa o que estiver no caminho, o governo não irá ceder e fará o que estiver a seu alcance para garantir tais interesses. Mesmo que para isso tenha que degradar o meio ambiente ou remover trabalhadores/as e suas famílias à força de suas moradias, o que já vem ocorrendo. Inclusive, as forças repressivas do Estado são usadas quando se faz necessário para cumprir sua promessa vendida nas eleições: maximização dos lucros para os ricos e restrição de direitos para os pobres. Afinal, essa é a única configuração possível do neoliberalismo em países de capitalismo periférico e dependente como o Brasil, onde o Estado e a institucionalidade são instrumentos para acelerar a satisfação das necessidades de lucro da burguesia e remover possíveis entraves pela via jurídica, repressiva e autoritária.

A ORGANIZAÇÃO COMO ÚNICA ALTERNATIVA CONTRA OS AVANÇOS DO CAPITAL

Com este projeto em andamento e concluído em algumas localidades do país, atualmente no Rio Grande do Sul a empresa RUMO dá início à implementação (reativação e expansão) do seu projeto ferroviário. No estado são 36 municípios por onde passa a ferrovia e estes enfrentam um problema: muitas casas estão dentro da faixa de domínio federal e, portanto, estão em risco de serem reintegradas. Em Santa Maria, o caso mais crítico, envolve cerca de 3.000 famílias dentro da faixa de domínio, de acordo com a Associação de Moradores Próximos à Ferrovia – Santa Maria e Região.

A Associação de Moradores Próximos à Ferrovia, como um exemplo, surge inicialmente como resposta de uma localidade de Santa Maria às intimações entregues pela RUMO exigindo que deixassem suas casas por estarem dentro da faixa de domínio administrada pela empresa. Quando famílias de outras localidades também se viram na mesma situação, uniram-se à Associação que havia sido organizada, que hoje alcança todas as localidades atingidas em Santa Maria, organizando moradores e moradoras e travando uma luta decisiva em defesa de todas as moradias contra esta tentativa de atropelo da empresa com carta branca do governo atual. Além do governo federal, o governo estadual (Eduardo Leite – PSDB) e o prefeito de Santa Maria (Jorge Pozzobom – PSDB) nada fizeram, aliás, simularam muito mal sua preocupação com as famílias (nada diferente seria esperado de figuras comprometidas com as pautas econômicas do governo).

Não é apenas a contradição entre a estabilidade das famílias e a ativação das ferrovias, há tanto tempo abandonadas, o que está em jogo. Em Santa Maria, assim como em outras cidades, este projeto está sendo implementado, como já dito, com a cara do neoliberalismo, destruindo localidades indígenas pelo país, colocando em risco trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade por onde passa a ferrovia, pois será mais barato a remoção do que um novo planejamento, discutido com a população e pensado em conjunto com municípios para que a ferrovia sirva para melhorar a nossas vidas e não remover casas sem garantia de indenização (que não seja mandar as famílias removidas para as localidades mais afastadas e precárias das cidades). Além disso, há o nítido interesse em se apropriar de regiões centrais estratégicas de algumas cidades, como em Santa Maria, onde podemos ver nas imagens disponibilizadas pela AMPF como na região central a faixa de domínio é brutalmente ampliada em comparação à regiões afastadas do centro. Em outras imagens, pode-se ver que a demarcação da faixa de domínio evitou pegar edifícios privados, como grandes mercados, depósitos, prédios públicos, etc. Essa gentileza não se aplica às regiões onde famílias habitam há mais de 30 ou 40 anos (ou até mais), que depois de tanta luta para garantirem sua moradia, se encontram em risco novamente.

O PCB defende que em resposta imediata ao projeto ultraliberal que está sendo aplicado no Brasil se construa e fortaleça o Poder Popular nos locais de trabalho, estudo e moradia. A exemplo da luta conduzida pela Associação de Moradores Próximos à Ferrovia, que vem dialogando com as famílias de todas as localidades, fazendo panfletagens, expondo a pauta em espaços institucionais (garantindo o adiamento da entrega das intimações) e marcando reuniões para repasses e convocações para compor a luta organizada dentro da Associação, entendemos que a única forma eficiente de garantir nossos direitos contra este avanço sedento por lucros por parte dos ricos é a organização da nossa luta nas nossas entidades, criando e fortalecendo associações de bairro, debatendo cotidianamente a nossa realidade e o projeto de sociedade que queremos construir em resposta ao atual projeto; afinal, não basta apenas negá-lo sem construirmos o nosso. E esse projeto a ser construído pelo poder popular também visa ir muito além do “menos pior” oferecido pelo petismo, pois esse projeto anterior ao atual, que dependia de um pacto de classe com os ricos, não interessa mais nem aos ricos, que optaram pelo golpe em 2016 e nas eleições apoiaram o falso nacionalista, lacaio do imperialismo.

Os direitos básicos de nossa classe são considerados irrelevantes e por isso estamos em constante risco. Para defender nossa dignidade e nossos interesses é preciso marcar posição e ter consciência do que estamos enfrentando; tomar o nosso lado na história é tomar partido. É, sim, uma questão política! E a nossa é o oposto da que Braz Pereira, Bolsonaro, Mourão ou Paulo Guedes defendem. As últimas eleições já nos mostraram que até mesmo as instituições “mais confiáveis” podem interferir para mudar os rumos das eleições. É o momento de tomarmos partido, sem confiar as nossas responsabilidades na mão de setores que, em outros momentos, já usaram a mesma mão para assinar projetos parecidos! Substituir a política virada de costas para nós por uma alternativa popular, passa por pensar as eleições como reflexo do nosso trabalho de massificar as lutas do presente, perspectivando que os objetivos e projetos futuros venham pelas nossas próprias mãos!

TODO APOIO ÀS FAMÍLIAS ATINGIDAS E À LUTA DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES PRÓXIMOS A FERROVIA!

FORTALECER AS LUTAS POPULARES CONTRÁRIAS ÀS POLÍTICAS DE BOLSONARO, MOURÃO E GUEDES!

PELO PODER POPULAR!

Fontes:

https://braziljournal.com/cosan-logistica-uma-holding-que-ja-vai-tarde

https://revistagloborural.globo.com/Colunas/caminhos-da-safra/noticia/2019/05/sera-que-o-brasil-vai-entrar-nos-trilhos.html

http://ri.rumolog.com/

https://www.facebook.com/ampf.sm.rg/

https://www.brasildefato.com.br/2019/09/11/prioridade-de-bolsonaro-projeto-de-ferrovia-que-liga-mato-grosso-ao-para-e-retomado/

Categoria
Tag