Notas sobre misteriosa criatura

imagemCRÍTICA DA ECONOMIA

por José Martins

A tão esperada crise geral (catastrófica) do capital faz seus primeiros e assustadores estragos na ordem capitalista mundial. Como em todo retorno desta misteriosa criatura, as ideias dos economistas e demais porta vozes dos empresários a respeito são as mais despirocadas possíveis.

O problema fica mais instigante ainda porque esta não é uma crise comum, uma “recessão” como eles dizem. Pior ainda: a crise do coronavírus! Por isso, essas ideias da economia política vulgar ficarão ainda mais inúteis para esclarecer qualquer coisa do que está acontecendo na medida em que inimagináveis massas de forças produtivas sociais – e de sua contra face de milhões de trabalhadores produtivos de valor e de mais-valia – forem sendo rapidamente sucateadas e amontoadas em todas as principais economia do mercado mundial.

Só a classe proletária internacional dispõe de uma atualíssima teoria econômica – a “economia política dos trabalhadores”, como Marx gostava de chamar sua própria teoria – capaz de orientar a análise das crises do sistema capitalista, tal como se desenrolam com ímpetos cada vez mais destrutivos, neste início de século 21.

Monumentais epidemias sociais em escala planetária. Já nos Princípios do Comunismo (1843) e no Manifesto do Partido Comunista (1848), Marx e Engels definiam da seguinte maneira essas modernas crises do regime capitalista:

“ Há muitas décadas a história da indústria e do comércio se apresenta como a revolta das forças produtivas modernas contra as relações de produção modernas, contra o sistema de propriedade que é a condição de existência da burguesia e do seu regime. Basta lembrar as crises econômicas periódicas que ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Nestas crises são destruídas não só uma grande parte dos produtos já criados mas também das forças produtivas instaladas. Explode uma epidemia social que em qualquer outra época pareceria um absurdo: a epidemia da superprodução. Bruscamente, a sociedade se encontra novamente relançada em um estado de barbárie momentâneo: é como se uma fome, uma guerra de destruição universal tivesse cortado seus alimentos; a indústria, o comércio, parecem aniquilados. E por que? Porque a sociedade tem muita civilização, muitos alimentos, muita indústria, muito comércio. As forças produtivas que ela dispõe já não agem mais a favor da propriedade burguesa. Ao contrário, elas se tornaram, muito potentes para as instituições burguesas, que não lhe são mais do que entraves; e quando elas superam esses entraves precipitam toda a sociedade burguesa na desordem e colocam em perigo a existência da propriedade burguesa. As instituições burguesas tornaram-se muito estreitas para conter a riqueza que elas criaram”.

“Como a burguesia supera essas crises que se repetem quase regularmente, a cada cinco a sete anos? De um lado, impondo a destruição de uma massa de forças produtivas; de outro lado, se amparando de novos mercados e aprofundando a exploração dos antigos. O que isso quer dizer? Que ela prepara crises mais gerais e mais profundas, ao mesmo tempo em que reduz os meios de preveni-las” – KARL MARX OEUVRES ECONOMIE I.. … Edição traduzida do alemão para o francês e com anotações de Maximilien RUBEL. … GALLIMARD / BIBLIOTHEQUE DE LA PLEIADE, Paris, 1963, pg. 167 e nota 2 pg 1577.

A obra de Marx e Engels foi para estabelecer precisamente a forma e o conteúdo das crises periódicas de superprodução de capital, quer dizer, dos pontos de fratura material do regime capitalista.

Esta obra de Marx e Engels, que Rosa de Luxemburgo elegeu como o programa da revolução, no seu discurso de fundação do Partido Comunista Operário da Alemanha (KAPD), não procura estabelecer unicamente a anatomia do regime capitalista – como querem os marxistas de Estado e outros reformistas sociais – mas a sua necrologia, como demonstram os partidários da revolução proletária internacional.

Esta procura obsessiva da economia política dos trabalhadores pelos regulares e sucessivos pontos de explosão da superprodução de capital, característica material mais importante do atual regime de exploração social, deve-se a uma também atualíssima tese histórica do proletariado internacional: só na esteira de uma crise catastrófica do capital mundial pode ocorrer uma verdadeira revolução proletária internacional. E, completa Marx, disciplinadamente seguido por Rosa de Luxemburgo, “uma é tão certa quanto a outra”.

A materialidade e possibilidades reais da revolução é assim marcada praticamente e a ferro e fogo pelas próprias condições e limites materiais (econômicos) de existência da burguesia e do seu regime.

O trabalho teórico da classe proletária internacional não é só para estabelecer da maneira mais próxima possível a data destas explosões, mas, principalmente, as particularidades de cada uma destas explosões. Atenta observação de todas as condições reais e imediatas do ciclo em processo e, finalmente, da sua explosão.

Importante: estas observações das formas particulares de cada ciclo periódico não pode ser separada do conteúdo e determinações fundamentais dos ciclos econômicos especificamente capitalistas. Unidade orgânica entre forma e conteúdo de um fenômeno.

Assim, o conteúdo da sempre lembrada crise geral dos anos 1920 e 1930 foi exatamente o mesmo que o de todas as anteriores crises gerais e parciais de superprodução de capital – ocorridas pela primeira vez na história a partir do inicio do século 19.

É importante lembrar que aquelas primeiras crises modernas de superprodução de capital não foram presenciadas por Adam Smith e outros grandes economistas porque elas ainda não existiam nos séculos 17 e 18. As determinações das crises econômicas eram outras. As crises apareciam, até então, apenas como crises monetárias, financeiras, de insuficiência de demanda, de subconsumo das massas e de outras formas pré-capitalistas de circulação simples das mercadorias.

Mas as formas modernas e contemporâneas da crise de superprodução do capital em seu conjunto, crises especificamente capitalistas, foram vividas com grande fertilidade teórica por David Ricardo, o maior dos economistas, na primeira metade do século 19.

Foram estas inauditas crises realmente capitalistas que levaram este abastado burguês proprietário de ações e de enormes propriedades fundiárias a se interessar pelos estudos da origem do valor e das causas da variação dos preços, enriquecendo assim os necessariamente limitados trabalhos de Smith e de outros grandes teóricos fundadores da Economia Política.

Todo este arco histórico das modernas crises capitalistas de superprodução ensina uma coisa muito importante. Uma coisa comum a todas as ciências. Apesar do conteúdo e determinações comuns, inalterados, cada crise especificamente capitalista se realiza em formas sucessivas historicamente particulares.

A observação rigorosa da periodicidade das crises capitalistas – e não, ao contrário, ideias preguiçosas como as de ciclos longos, longa depressão, crise permanente, crise estrutural e outras asneiras – é condição necessária para listar particularidades e condições cruciais para as perspectivas e possibilidades reais da ação revolucionária. A forma da luta de classes dependerá materialmente destas particularidades de cada ciclo econômico.

Mas, nunca é demais repetir: para que estas cruciais particularidades de cada ciclo econômico sejam criteriosamente observadas é não menos importante salientar o fato de que o conteúdo e as determinações fundamentais da crise geral dos anos 1920/1930 foram também os mesmos das crises parciais ocorridas posteriormente, no decorrer dos últimos setenta e cinco anos do período pós-guerra (1945) e, finalmente, da crise geral (catastrófica) que explode agora, em 2020.

Como nas ciências físicas em geral, a rara experiência de um fenômeno especial e real é importantíssima para o conhecimento e a ação prática. Como a passagem de um cometa, por exemplo. É exatamente isto que está acontecendo neste exato momento para a boa Economia Política.

Embora com o conteúdo inalterado de outros cometas anteriores, serão divulgados nos próximos boletins da Crítica da Economia as observações sobre as particularidades e perspectivas anunciadas por este novo cometa que assombra a população mundial neste tempestuoso mês de março 2020.

É unicamente para contribuir para essa necessidade de conhecimento dos trabalhadores produtivos que a Crítica da Economia existe há trinta e três anos: investigar rigorosamente os movimentos imediatos do capital e prever a próxima explosão destes revolucionários pontos de fratura material do atual regime de exploração social. Ininterrupta no tempo e invariante nos princípios!