As Revoluções Coloridas e algumas verdades

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Carlos Luque – ODIARIO.INFO

O imperialismo ocidental desenvolveu uma sofisticada teoria, técnica e prática de massas (ou que pareça sê-lo). Mobiliza todo o seu arsenal ideológico e midiático, os seus poderosíssimos meios financeiros (e a capacidade que tem de corromper), a sua completa falta de escrúpulos e de respeito pelos povos e pela vida humana, o seu gigantesco poderio militar. A destruição da Iugoslávia foi em muitos aspectos o modelo acabado dessa ação criminosa.

A história mostra que a sobrevivência de uma Revolução ou de qualquer sistema político e social contrário ao imperialismo depende da coesão social e da luta unitária de dentro das instituições referendadas pelas maiorias.

Para recolher apenas algumas das razões, sem pretender abarcar os múltiplos aspectos do tema que dão resposta a esta questão, e com o intuito de provocar reflexão, é necessário começar por um pouco da história recente e do papel que desempenharam nela alguns personagens.

Gene Sharp é o “exitoso” autor de um manual que expõe 198 técnicas para realizar uma “revolução não violenta” ou, como também é conhecida, “suave” ou “colorida” (veremos de onde vem esta última curiosa denominação e sua relação com Cuba). Traduzidas em mais de 30 idiomas, as técnicas foram aplicadas com sucesso, para citar apenas alguns países, na Sérvia, Geórgia e Ucrânia.

Está irrefutavelmente documentado que os interesses norte-americanos e europeus da OTAN intervieram ativa e decididamente na desintegração da Iugoslávia de Josip Broz ‘Tito’, aproveitando os erros cometidos pelos governos de Tito e quem lhe sucedeu após a sua morte e a desintegração da URSS, os conflitos interétnicos dos diferentes povos que formaram a Federação Iugoslava e os protestos sociais e estudantis que eclodiram naquele país desde os anos 90, exacerbados, planejados e dirigidos por figuras ligadas aos serviços de informações para aplicar os ensinamentos de Gene Sharp.

Esta nota pode começar com vários fatos e seus personagens, mas escolhemos uma pergunta.

Quem é Srda Popovic?

Por que devemos conhecer melhor esse personagem e a história da qual é protagonista? A resposta mais curta: é o discípulo mais destacado de Gene Sharp. E Sharp é autor de um manual que expõe as 198 técnicas para realizar uma “revolução não violenta”, ou como é mais conhecida, uma “revolução colorida”.

As técnicas descritas na obra de Gene Sharp, traduzidas em mais de 30 idiomas, foram aplicadas com sucesso, para citar apenas três exemplos: na Sérvia, Geórgia e Ucrânia. Desde há anos que são experimentadas, com altos e baixos, na Venezuela. Mas curiosamente, como apontam alguns analistas, não na Colômbia, no México nem em Honduras, para citar também três países com graves problemas de violência ou manifestações sociais mais ou menos intensas.

A inefável Wiki, na sua secção Prémios e Reconhecimento, informa o leitor que:

“A revista “Foreign Policy” incluiu em 2011 Popović como um dos “100 mais importantes pensadores globais” por inspirar direta e indiretamente manifestantes na Primavera Árabe e preparar ativistas em mudança social não violenta no Médio Oriente. Em janeiro de 2012, The Wired incluiu Popović entre as “50 pessoas que mudarão o mundo”. Kristian Berg Harpviken, diretor do Instituto Internacional de Estudos para a Paz em Estocolmo, considerou que Popović poderia estar entre os candidatos ao Prêmio Nobel da Paz em 2012. O Fórum Econômico Mundial de Davos considerou Popović como um dos Jovens Líderes Globais em 2013”.

A atividade pela qual Srda Popovic recebeu esses prêmios e reconhecimentos está intimamente relacionada aos acontecimentos que, desde a morte de Josip Broz ‘Tito’ em 1980, precipitaram a desintegração da República Federativa Socialista da Iugoslávia.

É uma história que merece atualização. Porque ilustra paradigmaticamente o que acontece naquelas regiões do planeta, como hoje em alguns países do Médio Oriente, quando as diferenças religiosas e étnicas e as insatisfações populares explodem em conflitos internos, mas são potenciadas e manipuladas para balcanizar, dividir e provocar a implosão de uma ordem política que impeça a realização dos apetites imperialistas e capitalistas em qualquer parte do planeta. Acontecimentos semelhantes ocorreriam posteriormente na Líbia, Iraque e Afeganistão, e ainda hoje na Síria. E vão continuar a acontecer. Mas podem não apenas encontrar terreno fértil nessas condições históricas e geográficas peculiares, mas também na nossa região.

Não é conveniente que as pessoas esqueçam ou ignorem, pelo menos como informação geral, o que são as revoluções coloridas, quais são algumas das suas mais de cem técnicas, quando são aplicadas e, sobretudo, como são criadas as condições internas para promover sua aplicabilidade.

Situemos o contexto.

Como a Líbia antes de ser destruída pela OTAN, e os EUA nos bastidores, a federação iugoslava não era um estado fracassado. Muito pelo contrário, durante as duas décadas anteriores a 1980, a sua economia crescia a uma taxa média de 6,1%, a população desfrutava de assistência médica gratuita, 91% eram alfabetizados e a esperança de vida atingia os 72 anos. O país mantinha relações com a Comunidade Europeia e com os Estados Unidos, mas não entrou nas alianças modelo da guerra fria. Tito foi um dos criadores do Não-Alinhamento, como país que se considerava parte do terceiro mundo.

Enquanto existiu a URSS, era geopoliticamente conveniente ao Ocidente a existência da RFS da Iugoslávia. Tito havia optado, ao contrário da URSS, pela autogestão operária e, além disso, por causa dessa decisão e de outras divergências ideológicas e políticas, o país havia sido expulso, desde 1948, do Gabinete de Informação Comunista, o Kominform. A ruptura com a URSS transformou a Iugoslávia numa barreira de contenção estrategicamente localizada numa região que ia da Europa Central até ao sul dos Balcãs.

Já com Gorbachev no poder, e com o Ocidente atento e participante das ações que depois precipitariam a dissolução da URSS, começaram a ser traçados os planos das verdadeiras intenções norte-americanas de Reagan e da OTAN na região.

Desde 1982 já existia um documento que orientava a “ampliar os esforços para promover uma ‘revolução silenciosa’ a fim de derrubar os governos e partidos comunistas” e engolir os países da Europa Oriental no sentido de uma economia de mercado, como com efeito aconteceria mais tarde, para ir estendendo e fechando uma rede de bases militares cada vez mais próxima da Rússia e da China.

Quando as condições estavam amadurecidas, em 1999 a OTAN agrediu e bombardeou a República Federal da Iugoslávia. Inauguraram as guerras que depois repetiriam, sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU.

Durante mais de 70 dias, a partir de 24 de março, 9.160 toneladas de bombas começaram a cair sobre as cidades de Belgrado, Pristina, Novi Sad e Podgorica, e por igual sobre a cabeça de militares e civis. Várias delas, entre 10 e 45, continham urânio empobrecido. O inimigo principal da OTAN foi a população civil. Causou, conservadoramente, 1.200 mortos. Outras fontes indicam até 2.500 vítimas e outras 5.700 civis. A consequência geopolítica mais notória do fim desse genocídio e da consequente fragmentação definitiva da ex-Iugoslávia, foi a mudança na correlação de forças mundial a favor do unilateralismo imperialista e a sua aparente vitória na Guerra Fria.

A agressão contra o povo iugoslavo começou com uma mentira e foi premeditada. Quer isto dizer que, embora tenham sido realizadas negociações para supostamente impedir a guerra e evitar a agressão, a realidade foi a crônica de um fracasso anunciado: as bases das negociações que se realizaram para supostamente impedir a guerra estavam preparadas para que não dessem qualquer resultado positivo.

De fato, entre 6 e 23 de fevereiro de 1999, tinham sido realizadas na França, entre Rambouillet e Paris, negociações entre um denominado Grupo de Contato para a Iugoslávia, formado por quatro países membros da OTAN, mais a Rússia. Entre os documentos que norteariam a negociação estava incluído “um Anexo B”, que a grande imprensa da época não mencionou e que, como mais tarde se viria a saber, a Rússia não aprovava.

Se lerem alguma notícia dessa época no El País, encontrarão a afirmação de que a OTAN ficou “desconcertada” pelos resultados dessa negociação. Falso, pois, em resumo, o Anexo B continha uma série de exigências totalmente inaceitáveis para o lado iugoslavo e foram incluídas para provocar a sua previsível rejeição, o fracasso da negociação e a fabricação do pretexto para a imediata e “inevitável” agressão. Mesmo o genocida internacional Henry Kissinger teve que reconhecer no The Daily Telegraph que “foi uma provocação, uma justificação para começar o bombardeamento […] foi um documento que nunca deveria ter sido apresentado naquela forma”.

A imprensa a serviço dos interesses da OTAN divulgava, como escreveu à época Francisco Fernández Buey – um dos poucos que denunciou a verdade – que “os governantes sérvios se recusaram a assinar porque a proposta de Rambouillet contemplava a presença das forças da OTAN (mais de 30.000 soldados) no Kosovo. Mas isso é inexato: a proposta exigia a presença militar da OTAN em todo o território iugoslavo” (https://elpais.com/diario/1999/05/08/opinion/926114403_850215.html)

E Fernández Buey cita a parte secreta do Apêndice B desses documentos:

“O pessoal da OTAN, com os seus veículos, embarcações, aeronaves e equipamentos, deverá poder circular livremente e sem condições em todo o território da Federação das Repúblicas Iugoslavas, o que inclui o acesso ao seu espaço aéreo e águas territoriais. É também incluído o direito dessas forças de acampar, manobrar e usar qualquer área ou serviço necessário para a manutenção, o treino e o desenvolvimento das operações da OTAN”.

E como se não bastasse, o artigo 7º do mesmo apêndice exigia também que:

“O pessoal da OTAN não pode ser preso, interrogado ou detido pelas autoridades da República Federal da Iugoslávia. Se alguma das pessoas que fazem parte da OTAN for presa ou detida por engano deverá ser imediatamente entregue às autoridades da Aliança”.

O documento contém várias outras exigências, cada uma mais severa e inaceitável. Mas um dos mais interessantes, o artigo 15 esclarece que , “quando se fala em serviços utilizáveis pelas forças da OTAN, entende-se a utilização plena e gratuita das redes de comunicação, o que inclui a televisão e o direito de utilizar o campo electromagnético no seu conjunto”.

O que leva a lembrar no momento as pretensões da Google, quando contatou Cuba com pretensões semelhantes. Aquelas condições eram um garrote bem apertado e, portanto, previsivelmente rejeitadas pelo lado sérvio.

Os objetivos geopolíticos daquela criminosa agressão foram amplamente estudados e denunciados. E desdobram-se até hoje. Nas circunstâncias daquela altura, marginalizar definitivamente uma Rússia enfraquecida, advertir a China, dominar o acesso das rotas em direção à Ásia Central, com a vista posta nas matérias-primas do ouro, urânio e petróleo, através dos Balcãs.

Como mais tarde se tornaria habitual nas preparações da opinião mundial, campanhas de imprensa orquestraram um bombardeio midiático prévio para criar uma matriz crível de informação sobre o “genocídio iminente” que o governo iugoslavo cometeria no Kosovo; começaram a chamar “regime” ao governo, e líder “sérvio” ao seu presidente, despojando-o da sua condição de presidente e exacerbando as diferenças étnicas com os croatas e kosovares.

Já desde os anos 1992, 96 e 97, começaram a recrudescer os protestos sociais, principalmente estudantis, na Sérvia, enquanto a Croácia e a Eslovénia proclamavam as suas aspirações de soberania. Independentemente das razões históricas, étnicas e políticas que acompanharam as diferentes repúblicas que tinham formado a federação iugoslava para se oporem ao ultranacionalismo sérvio que Milosevic exacerbou em resultado da implosão em curso da URSS para dar uma viragem de sobrevivência ao seu governo, as revoltas e protestos contaram com a intervenção sinérgica e a aplicação de técnicas da revolução não violenta, como o prólogo para a criação de condições internas e internacionais, e legitimidade internacional, para a justificação da agressão imperialista.

Em “Como exportar a democracia liberal”, a investigadora Ana Otaševic oferece-nos alguns detalhes sobre aqueles acontecimentos e o papel desempenhado pelas técnicas das revoluções “suaves”, não violentas de Gene Sharp, aplicadas por Srda Popovic.

Fonte: http://cubasi.cu/es/articulo-opinion/las-revoluciones-de-colores-y-algunas-verdades-de-perogrullo-i?