Efeitos do crescimento e da estagnação
por Prabhat Patnaik
O crescimento sob o capitalismo está associado a um aumento da pobreza absoluta. Marx reconheceu isto e o exprimiu como se segue: “Acumulação de riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo acumulação de miséria, tormento do trabalho, da escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto, isto é, do lado da classe que produz o seu próprio produto como capital” (Capital Volume I); ou ainda, “À medida que o capital produtivo cresce… a floresta de braços erguidos que exigem trabalho torna-se cada vez mais espessa, enquanto os próprios braços se tornam cada vez mais finos” (Trabalho assalariado e capital).
A experiência indiana corrobora isto. É geralmente aceito que o período do neoliberalismo testemunhou uma rápida acumulação de capital e, consequentemente, um rápido crescimento do PIB. Este período é louvado por esta razão como o início de uma era completamente nova na história econômica da Índia. E no entanto, esta mesma era assistiu a um aumento da pobreza absoluta. A disponibilidade de cereais per capita que fora alcançada em 1991, ao inverter em certa medida (embora de modo algum totalmente) o declínio desastroso que ocorrera ao longo do último meio século do domínio colonial, nunca mais foi atingida em qualquer ano subsequente.
Os dados relativos ao consumo de alimentos são ainda mais reveladores. Em 1993-94, o primeiro ano após a introdução de políticas neoliberais, quando o NSS realizou um grande inquérito por amostragem, a proporção da população rural que não podia ter acesso a 2200 calorias por pessoa por dia, que é a definição de pobreza nas zonas rurais, era de 58%. Em 2011-12, o último ano para o qual estão disponíveis dados de um inquérito análogo do NSS, esta proporção havia aumentado para 68%. Para as zonas urbanas onde a referência de pobreza é um consumo de 2100 calorias por pessoa por dia, os números correspondentes foram 57 e 65 por cento, respectivamente. Em suma, precisamente durante o período do capitalismo neoliberal houve um aumento perceptível da extensão da pobreza absoluta definida nos termos da sua manifestação mais elementar, nomeadamente a fome, a qual era também a base da definição oficial de pobreza – até se tornar tão embaraçosa para o governo que todo o tipo de subterfúgios balizadores começaram a ser adotados a fim de produzir um quadro mais embelezado.
Esta conclusão acerca do crescimento da pobreza é também corroborada pela evidência disponível sobre desigualdade. Piketty e Chancel, dois economistas franceses, os quais estimaram a fatia dos um por cento do topo da população no rendimento nacional a partir de dados fiscais do rendimento, mostram que esta fatia foi a mais alta de sempre, 22 por cento, em 2013 no período posterior à introdução do imposto sobre o rendimento na Índia (em 1922). Esta fatia, em contraste, foi de apenas seis por cento em 1982. Não importa que críticas específicas se possam fazer ao método utilizado pelos autores, seus resultados são demasiado gritantes para ignorar. O crescimento da desigualdade na Índia sob o capitalismo neoliberal tem sido tão agudo que realmente resultou num aumento da pobreza.
O mecanismo específico para este aumento da pobreza é exatamente o que havia sublinhado, nomeadamente um processo de pauperização de pequenos produtores, especialmente camponeses, muitos dos quais migram para cidades em busca de empregos que são em número insuficiente. Os migrantes, e mesmo um segmento do aumento natural da força de trabalho, incapazes de encontrar empregos, incham o exército de reserva do trabalho (no sentido frequente de partilhar empregos com aqueles já empregados). Eles reduzem o poder de negociação até dos trabalhadores organizados e, portanto, agrava a desigualdade e a pobreza.
Este é um ponto sobre o qual tenho escrito no passado e não é preciso elaboração adicional. Mas duas conclusões erradas são frequentemente extraídas disto. Uma, se o crescimento produz uma acentuação da pobreza, então a cessação do crescimento deveria ter o efeito oposto de aliviar ou, no mínimo, de congelar a pobreza: se o processo A causa o processo B, então a cessação do processo A deveria causar uma cessação de B. Esta inferência é errada porque existe uma assimetria nos efeitos do crescimento e da estagnação sobre a pobreza: se o crescimento produz uma acentuação da pobreza, então a cessação do crescimento produz uma acentuação ainda maior da pobreza.
O crescimento produz uma acentuação da pobreza porque, como vimos, os pequenos produtores e camponeses são pauperizados. Mesmo quando não experimentam uma acumulação primitiva de capital em termos de perda de terra ou de outros ativos (ou seja, em termos de estoque), sofrem um esmagamento dos seus rendimentos, ou seja, uma acumulação primitiva em termos de “fluxo”. A cessação do crescimento não significa que o rendimento médio de um camponês ou pequeno produtor aumente; ao contrário, ele diminui ainda mais por uma razão diferente.
Tome-se um exemplo simples. Suponha-se que o rendimento monetário de um camponês tinha sido anteriormente 100 rupias porque o valor da sua produção (quantidade multiplicada pelo preço unitário) havia sido de Rs 200 e os custos do insumo (a deduzir) de Rs 100. Mas o seu rendimento real fora esmagado porque a privatização dos serviços de saúde havia aumentado muito as suas despesas médicas. Agora, com a cessação do crescimento, as despesas médicas não descem; mas ele já não pode obter o mesmo preço pelos seus produtos, enquanto os custos dos insumos permanecem os mesmos, de modo que o seu rendimento monetário diminui. Se o esmagamento dele anteriormente fora através de um mecanismo, agora ocorre através de outro mecanismo sem que o primeiro deixe de ser efetivo.
Do mesmo modo, se o rendimento real de um trabalhador é o produto de dois termos, o retorno real para trabalhar durante uma jornada diária e o número de dias para o qual o trabalho está disponível, então a miseribilização associada ao crescimento ocorre primariamente através de uma redução do retorno real por dia de trabalho. A cessação do crescimento não aumenta o retorno real por dia de trabalho, mas reduz o número de dias de trabalho. Assim, embora o crescimento elevado tenha sido acompanhado por uma acentuação da pobreza, a cessação do crescimento torna-se associada a uma ainda maior acentuação da pobreza.
Mais genericamente, pode-se distinguir entre a misebirilização não causada por uma recessão e a misebirilização causada por recessão. O crescimento da pobreza durante o crescimento deve-se ao primeiro processo; o crescimento adicional da pobreza devido à recessão é através do segundo processo, sem que o primeiro, de qualquer forma, desapareça. Recessão e estagnação portanto sobrepõem fatores adicionais àqueles que já operam durante a fase de crescimento, para causar uma ainda maior acentuação da pobreza.
Isto leva-nos à segunda questão. Será que a retomada do crescimento implicaria então um declínio da pobreza? A tentação seria dizer: sim, faria isso, mas só se se removerem os fatores adicionais causadores de pobreza que se tenham sobreposto aos fatores básicos que operavam durante a fase de crescimento. E uma vez completo este processo, através por exemplo da redução do desemprego para o nível anterior à recessão, então o processo de acentuação secular da pobreza, juntamente com o crescimento, seria retomado.
Contudo, isto é errado. A crise de hoje enfrentada pelo capitalismo neoliberal não é uma mera crise cíclica mas sim uma crise estrutural decorrente do fato de que o sistema chegou a um beco sem saída. A partir deste nível acentuado de pobreza causado pela recessão, mesmo antes do início da pandemia, não há renascimento automático. Só pode haver renascimento se for colocado poder de compra nas mãos do povo, o que significa que a velha espécie de crescimento simplesmente não pode ser retomada.
Uma pequena informação resume a extensão desta recessão causada pela acentuação da pobreza. Citei números de 2011-12 relativos à pobreza rural e urbana. Depois de 2011-12 houve outro inquérito do NSS com amostra ampla para 2017-18 o qual mostra que a despesa de consumo rural per capita em termos reais declinou em 9 por cento entre 2011-12 e 2017-18. Uma vez que a despesa de consumo per capita dos rurais ricos teriam aumentado ao invés de declinado, aquela da grande massa da população rural deve ter declinado em ainda maior extensão. Isto constitui uma descoberta tão notável que o governo decidiu retirar totalmente do domínio público os resultados do inquérito por amostragem efetuados pelo NSS para não ter de responder a questões espinhosas.
A segunda informação é relativa ao desemprego crônico, o qual, mesmo antes do começo da pandemia, atingiu os 6 por cento. Uma vez que grande parte do desemprego na Índia assume a forma de emprego irregular devido ao fato de que um dado número de empregos é partilhado entre muitos, o desemprego crônico é geralmente bastante baixo, cerca de 2 a 2,5 por cento. O salto para 6% é portanto extremamente significativo e sublinha a magnitude da acentuação da pobreza provocada pela recessão.
11/Outubro/2020
Do mesmo autor:
The Economic Paradox of High GDP Growth and Low Foodgrain Output Growth
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2020/1011_pd/asymmetric-effects-growth-and-stagnation . Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/