Fabricar sapatos é serviço essencial?
Por Jean Carlos, coordenador-geral do Sindicato dos Sapateiros do Estado do Ceará e membro da Coordenação Estadual da Unidade Classista, e Ítalo Andrade, assessor político do Sindicato dos Sapateiros do Estado do Ceará e membro do Comitê Central do PCB
A pandemia de coronavírus avança a passos largos. No Ceará os leitos de UTI já estão com quase 100% de ocupação e o Governo do Estado adota medidas, algumas delas ainda tímidas, para evitar o caos com o colapso total do sistema de saúde. Em seu último Decreto de Calamidade Pública, divulgado na noite de quinta-feira (11), Camilo Santana anunciou a adoção do lockdown. Todavia, a indústria segue no rol de serviços essenciais. A pergunta que fazemos é: que tipo de sociedade é essa em que produzir sapatos é considerado serviço essencial?
O setor calçadista em nosso estado é um dos mais pujantes, com milhares de trabalhadores operando a produção, tanto na capital, como em cidades da Região Metropolitana e do interior. Diante do caos na área da saúde, alargada pela crescente alta no número de vítimas do coronavírus, associada à crise econômica, foi colocado para os trabalhadores o falso dilema: lutar pela vida e por medidas ainda mais restritivas como meio para minimizar os riscos de contaminação ou seguir trabalhando para garantir o pão de cada dia?
Anunciamos que este é um falso dilema e explicamos: a vida, evidentemente, está acima de qualquer coisa, inclusive do emprego! Todavia, não basta apenas decretar lockdown, é necessário garantir as condições materiais para que os trabalhadores consigam cumpri-lo. O lockdown é sim uma medida necessária, mas junto a tal medida outras tantas deveriam ser adotadas, dentre elas a volta do pagamento do auxílio-emergencial de, no mínimo, R$ 600,00, assim como um amplo programa de proteção aos empregos, garantindo a manutenção dos salários enquanto perdurar o período de isolamento social rígido e a estabilidade de todos os trabalhadores, evitando uma possível onda de desempregos.
Desse modo, é preciso defender a vida, minimizando os riscos de contaminação, mas também é preciso resguardar a renda básica, os salários e os empregos! Um leitor mais desavisado poderia perguntar: sim, mas de onde viria o dinheiro pra fazer tudo isso? Nós também temos algumas respostas à pergunta:
1) O dinheiro deve vir de ações coordenadas entre o Governo do Estado e o Governo Federal, mas, enquanto o aliado da morte e do vírus (Presidente Bolsonaro) continuar no poder, isso dificilmente ocorrerá se não houver uma forte pressão popular.
2) Neste momento de crise sanitária e econômica, os Governos não devem poupar esforços e recursos para adotar medidas mais imediatas, como as apontadas acima e, ao mesmo tempo, implementar um amplo plano de vacinação, única medida cientificamente eficaz para a contenção da pandemia. Portanto, a bandeira política pela “Vacina já!” é essencial.
3) Os grandes empresários também devem pagar a conta da crise. Não é justo que, enquanto os trabalhadores se expõem aos riscos, um pequeno grupo de empresários continue, a todo vapor, aumentando suas riquezas! O grupo empresarial que comanda a empresa Vulcabrás, por exemplo, registrou um aumento no lucro líquido, durante os três primeiros meses deste ano, superior a 20%, comparado ao mesmo período do ano anterior. Este dado revela a face podre da sociedade em que vivemos, onde uma massa de trabalhadores se expõe a riscos cotidianos, apenas para manter a “roda” do sistema circulando, beneficiando ainda mais a camada mais rica da sociedade. Este é o sistema que coloca o lucro acima da vida, este é o capitalismo. Por isso reivindicamos a estabilidade de todos os trabalhadores. Que nenhum seja demitido e que todos os empregos sejam mantidos!
4) Outra medida igualmente importante é a taxação das grandes fortunas. Caso o leitor não saiba, o Brasil conta com cerca de 40 bilionários, que sozinhos detém uma riqueza semelhante ao valor pago durante cinco parcelas do auxílio emergencial para 67,2 milhões de pessoas. O dado pode causar certo espanto, mas está correto! O abismo social, agravado e muito pela pandemia, deve ser combatido e, por tanto, consideramos que taxar as grandes fortunas, ou seja, aplicar um imposto dirigido aos multimilionários, é um dos caminhos. A medida, já adotada por diversas nações, poderia gerar cerca de R$ 40 bilhões em recursos, conforme estudo produzido pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF). Este valor é quase trinta vezes superior ao que o Governo Federal gastou com vacinas! Não faltam alternativas, falta vontade política e compromisso com as pautas de interesse popular!
5) A inércia do Presidente Bolsonaro é evidente. Seus compromissos são com as elites do país, por isso a falta de interesse em criar ações coordenadas com os governos locais! O negacionismo e o desprezo à ciência são alguns dos elementos que contribuíram decisivamente para que o Brasil ultrapasse a marca de 260 mil vítimas fatais do vírus. O pacto com as elites e a política antipovo é manifestada por meio de uma prática criminosa que compactua com o aumento gradativo do preço de itens de primeira necessidade. O Presidente assiste de camarote ao sofrimento do povo, que reclama a falta de vacina, a falta do auxílio emergencial, o aumento dos itens da cesta básica, dos combustíveis, do gás de cozinha e outros. A carestia e a inflação, associadas à política de arrocho salarial, terminam por rebaixar o nível de vida do povo trabalhador. Não queremos ser vítimas do vírus, tampouco morrer de fome! Por isso gritamos: Fora Bolsonaro!
Essas são apenas algumas das medidas mais urgentes e de curto prazo que podem ser adotadas. Como vemos, existe uma profunda associação entre o universo da política e a vida cotidiana dos trabalhadores. O falso dilema, criado pelo Presidente Bolsonaro logo no começo da pandemia, é apenas um esconderijo que busca ofuscar a realidade. Ao propagar esta falácia, Bolsonaro e sua corja jogam os trabalhadores em um abismo, mantendo os privilégios dos mais ricos, mesmo que isso custe a vida e os empregos dos trabalhadores!
É preciso, portanto, virar o jogo, reverter a lógica, e isso só será possível por meio de uma ampla mobilização popular, capaz de barrar os retrocessos em curso e a política de morte do genocida que se instalou no Palácio do Planalto. Por isso, a construção do Fórum Sindical e Popular de Lutas por Direitos e Liberdades Democráticas, deve ser não somente uma tarefa das entidades sindicais e movimentos estudantis e sociais, mas um espaço de articulação e luta comum de todos aqueles dispostos a construir uma alternativa frente ao que está posto.