Disputando mentes e corações

imagemPor Chico Filho*

“Você está entrando no mundo da informação, autoconhecimento, denúncia e diversão. Esse é o Raio X do Brasil, seja bem-vindo… a toda comunidade pobre da zona sul. – Racionais Mc´s

Qual é o lugar da educação no atual momento de crise sanitária e sobretudo no interior da atual crise do sistema capitalista? E digo principalmente do papel pedagógico que cumprem os militantes comunistas. Devemos começar dizendo que essa crise capitalista é estrutural. É uma crise no processo de valorização do valor e que afeta todos os níveis da sociabilidade burguesa. Em poucas palavras, o ciclo de acumulação de capital não consegue continuar sem o máximo de destrutividade da natureza e dos seres humanos juntamente com suas relações.

Assim como em todas as outras faces da sociabilidade burguesa, a educação está em crise e ninguém seria capaz de negar isso. Sabemos que “nenhuma sociedade pode persistir sem seu próprio sistema de educação. Apontar unicamente para os mecanismos de produção e de troca a fim de explicar o real funcionamento da sociedade capitalista é totalmente inadequado” [Mészáros, 2016, p.265]. Nesse sentido a reflexão, mesmo que breve como esta, sobre a natureza dessa crise é fundamental para a construção de alternativas. Não se trata de uma crise institucional, já que não devemos resumir aqui educação à escolas ou universidades, mas de uma crise em todo o sistema de interiorização das relações alienadas de produção de mercadorias como expressão natural dos desejos dos indivíduos. Gramsci nos aponta a importância política dessa reflexão sobre os interesses:

Não existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual – não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem fora de sua profissão desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um “filósofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção de mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção de mundo, isto é, para promover novas maneiras de pensar. (GRAMSCI, 1982, p. 7-8.)

A ideologia do consenso é fundamental em momentos onde a produção de mercadorias acontece sem problemas. A “ideologia do consumidor” reflete o quadro material da sociedade. Entretanto, em tempos de crise econômica esse desarranjo fica evidente, como aqui no Brasil onde o presidente Bolsonaro chegou a fazer um “apelo” público aos comerciantes para conter o preço do arroz. Isso nos faz lembrar também das recessões nos EUA onde, ao invés dos apelos aos vendedores, se investiu em campanhas de marketing sobre o dever patriótico de consumir. Percebemos que nos dois casos há uma quebra da “naturalidade” ou do pensamento “não ideológico” no momento em que as contradições econômicas do capital se tornam insustentáveis.

A necessidade de colocar em ordem isso que está em desarranjo é crescente, sobretudo desses mecanismos de interiorização. Mas a crise é tão profunda que não existe ideologia burguesa que dê conta. É evidente que esse processo vem de muito antes da pandemia, por isso a dificuldade de justificar a crise. Não é possível esconder isso. No ano anterior à pandemia as principais bolsas já estavam em queda, o preço do petróleo em baixa, o desemprego crescente, com redução da produtividade da indústria.

A profundidade desta crise ideológica, que não consegue esconder essas contradições capitalistas, afeta politicamente de forma direta a democracia burguesa e, em tempo, o fascismo pode ser uma alternativa violenta para salvar o sistema de produção de mercadorias.

A atual e perigosa crise ideológica é reflexo da crise estrutural geral das instituições capitalistas. Como afirma Mészáros (2016):

A questão principal é que as instituições do capitalismo são intrinsecamente violentas e agressivas. Elas são construídas com base na seguinte premissa: Guerra, caso falhem métodos normais. A lei natural do mercado, cega do mecanismo do mercado, a realização do princípio do bellum omnium contra omnes, traz consigo que os problemas sociais jamais são resolvidos, mas só adiados ou mesmo – já que o adiamento não pode funcionar indefinidamente – transferidos para o plano militar.

Se o sistema que nos cerca é radicalmente violento, ou seja, a violência está na raiz do processo de exploração e de valorização do valor próprio do sistema capitalista mesmo em sua normalidade e sobretudo em um momento de crise estrutural, onde a acumulação não pode ocorrer sem a destruição acelerada da nossa vida e de nosso planeta, é nesse momento que temos também que apontar para uma solução estrutural que seja radical.

Não é possível superar estas contradições sem a superação do sistema capitalista. Contudo, o início da liberdade é a pronúncia da palavra, é o poder denunciar e o poder questionar. E para que nosso objetivo seja alcançado precisamos explorar essas contradições por meio de um processo educativo socialista. A disputa acerca dessas contradições rumo à elevação da consciência só pode ter êxito com a organização da classe trabalhadora por meio do trabalho educativo interno e externo do Partido Comunista. É preciso disputar com amor e com convicção as mentes e corações da nossa classe, a classe trabalhadora, rumo à uma revolução de caráter socialista que destrua os imperativos do capital.

*Professor de Filosofia, militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira e do PCB no Piauí.

Referências:

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho, 4 ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982, p. 7-8.

MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. 1 ed. São Paulo. Boitempo, 2016.