O dia em que o PCB não morreu!

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25 de janeiro de 1992: 30 anos do “racha”

Por Ivan Pinheiro

Hoje completam-se exatamente 30 anos do dia 25 de janeiro de 1992, em que centenas de comunistas brasileiros, vindos de todas as regiões do país, garantiram a manutenção do seu Partido e inauguraram uma etapa desafiadora de sua história, em cujo êxito só eles e outros poucos militantes das lutas pelo socialismo acreditavam. Até porque não se tratava apenas de preservar o partido, como se fosse uma peça de museu, mas de mudar radicalmente sua política e seu caráter, no processo que chamamos de Reconstrução Revolucionária.

Havia pouca gente que apostava que essa resistência pudesse durar alguns meses, o que era natural naqueles dias. A contrarrevolução acabara de derrotar a principal experiência de construção do socialismo no século XX. Não havia mais a União Soviética e muito menos o Partido criado por Lenin, que levou à vitória a Revolução Russa em 1917 e influenciou o PCB desde sua fundação, em 1922. Durante muitos anos nossos amigos e interlocutores achavam estranho ainda nos declararmos comunistas. Perguntavam-nos, quase invariavelmente: “mas o comunismo não acabou?”.

Esse ambiente, que sugeria a vitória definitiva do capitalismo e o fim da luta de classes, contaminou a maioria reformista do Comitê Central, que já vinha descaracterizando o partido, durante toda a década de 1980, com sua política de conciliação de classes com a burguesia.

Impossível descrever em poucas palavras os antecedentes e os desmembramentos desse dia histórico, incontornável, em que o PCB não acabou, às vésperas dos seus 70 anos e, exatamente por isso, é hoje a força política mais legítima para comemorar seu Centenário no próximo 25 de março! Não faltam meios para conhecer melhor os fatos e as circunstâncias que resultaram no que ficou conhecido entre nós como o “racha”. Além de muitas fontes de pesquisa já disponíveis, durante este ano virão a público muitos livros, documentos, textos, debates e documentários a respeito.

Apenas a título de resumo, lembro que poucos dias após o início da dissolução da URSS e da restauração capitalista, realizou-se em Brasília (01.09.91) uma reunião do CC para debater estes acontecimentos. A maioria aprovou a convocação de um congresso extraordinário do partido para 25 e 26 de janeiro de 1992, em São Paulo, tendo como pauta a liquidação do PCB e a criação de uma “nova formação política”. Imediatamente à proclamação do resultado, a minoria de cerca de um terço do CC assume a mesa dos trabalhos e, após a saída dos renegados, inicia uma histórica reunião que decide pela divulgação de um manifesto contra a liquidação do partido e pela criação do Movimento Nacional em Defesa do PCB.

Em 12 e 13 de outubro de 1991, reúne-se no Rio de Janeiro o Encontro Nacional em Defesa do PCB, com a presença de camaradas da grande maioria dos Estados brasileiros que, por unanimidade, comprometem-se com a luta pela preservação e reconstrução do partido e decidem impulsionar o movimento na perspectiva da mobilização e organização dos milhares de comunistas por todo o país que viriam a garantir a vitória. Não foi uma obra de poucos!

No mesmo sábado, 25 de janeiro de 1992, e na mesma São Paulo – cujo aniversário de fundação se comemorava -, em locais próximos, enquanto os que queriam enterrar o partido simulavam um “congresso extraordinário”, realizamos a Conferência Nacional de Reorganização do PCB , com cerca de 300 participantes, cujas primeiras decisões, ainda ao nascer do dia, foram no sentido de não reconhecer o “congresso” manipulado com direito de voto de não militantes, de caminharmos em passeata até o local de sua realização para exigir o debate e a palavra de dois camaradas e, em seguida, voltarmos ao local da Conferência para formalizar a continuidade do partido, discutir e aprovar uma Declaração Política, eleger o novo Comitê Central e convocar o verdadeiro X Congresso do PCB, que realizou-se um ano depois, no Rio de Janeiro, de 25 a 28 de março de 1993.

A decisão de, em qualquer circunstância, entrarmos em passeata dentro do próprio auditório em que se realizava a farsa da “nova formação política” e lá presencialmente a denunciarmos e provocarmos o debate entre oradores de cada posição foi fundamental para formalizar e publicizar o “racha” de forma clara e transparente, para podermos virar aquela nebulosa página da história do PCB de forma digna e combativa, sem espaço para versões que insinuassem nossa desistência da luta ou derrota política. Tanto é assim que fizeram de tudo para impedir nossa entrada naquele auditório, desde a expulsão sumária e administrativa, sem processo disciplinar nem direito de defesa, dos membros do CC que haviam assumido a direção do Movimento Nacional em Defesa do PCB à contratação de uma equipe de segurança privada que, até o momento de nossa chegada, só permitia a entrada de quem apresentasse credencial oficial do evento fornecida pelos organizadores. A energia política com que chegamos ao local levou-os prontamente a aceitar nossas exigências.

Para lembrar este dia histórico, homenageio aqui alguns destes heróis que participaram de eventos desta vitoriosa jornada e que hoje só estão entre nós como memória e exemplo de suas vidas de luta, como Ana Montenegro, Armando Ziller, Carlos Telles, Celso Manso, Expedito Rocha, Fernandes Pacheco (Pachecão), Francisco Milani, Irun Santana, Isnard Teixeira, Moacir Dantas, Oscar Niemeyer, Osmar Costa Silva, Paulo Cavalcanti, Paulo Gnecco, Raimundo Alves (Raimundão), Raimundo Jinkings, Tia Helena, Wilson Previdi, Yeda Santos e os dois únicos Deputados Constituintes de 1946 vivos à época: José Maria Crispim e Oswaldo Pacheco.

E para lembrar alguns momentos decisivos e emocionantes do “dia em que o PCB não morreu”, não posso deixar de destacar a participação decisiva neste processo de lutas do saudoso e querido camarada Horácio Macedo, que dirigiu o partido entre 1992 e 1995 e nos deixou fisicamente em 1999.

Convido-os, uns a conhecer e outros a rever suas contundentes e sábias palavras na intervenção em que Horácio representava o Movimento Nacional em Defesa do PCB nos momentos decisivos do “racha”, para um auditório em que, num ambiente de tensão, misturavam-se em pouco espaço os comunistas que lutavam pela manutenção e reconstrução do seu partido e os oportunistas que pretendiam enterrá-lo naquele dia e que hoje, cinicamente – ainda que agrupados em uma legenda eleitoral de centro-direita que atende pelo nome de Cidadania -, se apresentam como herdeiros do partido fundado em 1922, mas que não estaria comemorando seus 100 anos de vida ininterrupta este ano, se não fossem aqueles que ousaram lhes enfrentar e derrotar em 1992!

Ivan Pinheiro
(25 de janeiro de 2022)