Comunistas nas eleições: construir a independência política da classe trabalhadora

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Por Fernando Savella

O Partido Comunista Brasileiro anunciou publicamente hoje que terá uma pré-candidatura própria para a presidência, ao lado de algumas pré-candidaturas já anunciadas para governos estaduais. Existem alguns pontos importantes a abordar sobre essa escolha tática no momento das eleições:

1) Em 2018, o PCB se somou à candidatura do Boulos (PSOL) no primeiro turno, e depois girou toda sua militância (e foi realmente nossa prioridade à época) no “Vira Voto” pelo Haddad (PT) no segundo turno contra o Bolsonaro. Isso por si só já indica que o horizonte eleitoral do PCB não é o sectarismo ou isolacionismo, muito menos o anti-petismo, mas sim a tática subordinada a uma estratégia que vai para além das eleições. Não ganhamos cargos, não ganhamos dinheiro, não ganhamos nada pelas campanhas que fizemos para outros partidos. O fato de estarmos nos separando das candidaturas mais hegemônicas da esquerda neste momento (somado ao fato de que até 2014 também tínhamos candidatos próprios) também evidencia que o horizonte eleitoral do PCB não é a rabeira de organizações maiores, como costumam acusar algumas organizações de orientação (ou simples inspiração estética) maoísta.

2) A candidatura de Lula representa a principal possibilidade eleitoral (frisando muito: eleitoral) de derrota do bolsonarismo, sobre isso não existem dúvidas. Normalmente isso serve como argumento para o apoio irrestrito ao lulismo no momento das eleições. No entanto, subordinar todo o trabalho político à “derrota do bolsonarismo” é um equívoco muito grave. Não se trata de simplesmente derrotar o bolsonarismo porque essa tendência política é apenas uma expressão particular de um programa de classe, que dirige a política nacional desde o estrangeiro. Trata-se de evidenciar essa relação para derrotarmos o próprio programa da classe dominante e do imperialismo. Nunca basta bater nessa tecla: com o Bolsonaro derrotado a burguesia continuará promovendo o mesmíssimo programa. De genocídio, destruição do país, rifa das nossas riquezas e economia estatal, destruição das mínimas estruturas de bem-estar social, etc. Ao subordinar o trabalho político à simples “derrota do bolsonarismo”, rebaixando o programa da nossa classe em nome de uma pax brasileira com a burguesia que quer nos matar, estamos abrindo mão de construir o avanço da nossa capacidade de derrotar de vez as causas das nossas mortes e sofrimento. A candidatura do PCB é um esforço muitíssimo modesto de avançar esse processo.

3) Existe – e isso é algo que só se identifica ao trabalhar nos diversos locais de existência da nossa classe – uma contradição entre a classe trabalhadora e o lulismo, o que não é um dado supérfluo. Lula é capaz de mover muito capital político, mas isso é um movimento próprio do campo político capitalista. Não se trata de uma relação de apadrinhamento com a classe trabalhadora, como se fosse a nossa única opção e fosse uma lei de ferro da classe trabalhadora brasileira. Esse tipo de afirmação, extremamente comum, não faz o menor sentido do ponto de vista sociológico. Essa contradição já se expressou no crescimento da direita, apenas movendo uma espécie similar de capital político, similaridade normalmente situada no campo do “populismo”, mas com conteúdo extremamente reacionário e vil.

Não seríamos comunistas se não olhássemos precisamente para essa contradição, e descobrir exatamente do que se trata, não através da análise distante e intelectualista, mas através do próprio processo de trabalho político. Se nós, como anticapitalistas e revolucionários socialistas, não acreditamos no lulismo como horizonte político para nosso país, somos moralmente obrigados a explorar as possibilidades de sua superação, contra todo discurso de que Lula “é a única opção”. Sabemos que esse discurso é típico do catastrofismo burguês.

Queremos a organização permanente da classe trabalhadora, sua determinação anti-imperialista e pela sua soberania enquanto classe frente àqueles que roubam o fruto do nosso trabalho. Evidentemente existe uma diferença radical entre as forças reformistas e social-democratas, por um lado, e as forças puras e reacionárias da burguesia, o que abre a possibilidade para nosso trabalho conjunto com aqueles que defendem Lula, não apenas nas nossas lutas diárias, mas também em um eventual segundo turno contra o Bolsonaro ou herdeiro do facho. Mas isso significa respeito mútuo entre as forças políticas que organizam os interesses da classe trabalhadora, e não subordinação irrefletida àqueles que já são hegemônicos.

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