Lituânia: um paraíso neoliberal à beira do colapso econômico
Via AbrilAbril
Trabalhadores da LTG, a companhia nacional de transportes ferroviários da Lituânia, afixam cartazes com imagens da guerra na Ucrânia, em solidariedade com as vítimas. Poucas semanas depois, como consequência das sanções, foi anunciada a demissão de cerca de 25% destes trabalhadores.
Créditos da inagem: D. Umbrasas / LRT
Frequentemente tida como um caso de sucesso na aplicação de medidas econômicas neoliberais, a Lituânia enfrenta, hoje, grandes desigualdades econômicas e uma das maiores taxas de inflação da Europa: 16,6%.
Em conferência de imprensa nos finais do mês de Abril, a LTG, a companhia nacional de transporte ferroviário da Lituânia, anunciou a demissão de, pelo menos, dois mil trabalhadores. Representando 22% de toda a força de trabalho da empresa, é a resposta capitalista à perda de 50% dos serviços de exportação, consequência das sanções aplicadas à Rússia e à Bielorrúsia.
Numa reportagem da Euronews, publicada em 28 de abril, um pequeno empresário da área da construção temia não conseguir acompanhar a escala de preços de produção e garantir um salário digno aos seus funcionários: «tenho de arranjar alternativas ao aumento dos salários, como benefícios e vantagens, os que não têm contrato exigem o ajuste todas as semanas».
Por seu lado, uma sondagem realizada pelo Swedbank, um banco sueco, demonstra que nove em cada dez lituanos se encontra muito receoso quanto ao futuro da economia do seu país. As razões são evidentes: após anos de desinvestimento no setor público, com uma cada vez maior parcela da sociedade sendo ocupada pelo setor privado, o efeito boomerang das sanções já está sendo sentido pela população.
Como resposta, o governo lituano, que reviu em baixa o déficit para este ano, vai começar a financiar diretamente a população, aumentando as pensões e isentando parte da sociedade do pagamento de impostos. A ação do governo vem demasiado tarde e pouco efeito terá num mercado em que os preços aumentam quase diariamente e os produtos alimentares começam a faltar nas prateleiras.
Os efeitos desta recessão serão sentidos, majoritariamente e como não podia deixar de ser, pelas populações com menor poder aquisitivo. No caso da Lituânia, a situação atinge contornos particularmente graves: a desigualdade econômica atinge de tal forma a sociedade que 54% da população não terá poupanças superiores a mil euros, rapidamente consumidas pela inflação.
Com um crescimento de 37,5% no setor da Habitação, 17,1% na Alimentação, 22,1% nos transportes, os trabalhadores da Lituânia são as principais vítimas das sanções econômicas e comerciais aplicadas à Rússia, no contexto da invasão da Ucrânia.
Paraíso econômico, inferno dos povos
Depois de décadas sucessivas de continuado crescimento populacional, o desmembramento da União Soviética deu lugar a um autêntico exôdo: desde 1991, quase um milhão de pessoas, majoritariamente jovens, saiu do país em busca de melhores condições de vida e de trabalho, o que corresponde a uma perda populacional de 25%.
Não é difícil perceber por quê. A esperança média de vida na Lituânia, 74 anos, é uma das mais baixas na União Europeia, apenas ligeiramente acima da média mundial de 72 anos. A inexistência de uma boa rede de cuidados médicos e a fragilidade das leis laborais contribuem significativamente para esta realidade.
No fundo da tabela do PIB per capita europeu, Portugal degladia-se com a Lituânia, estando, em dados de 2020, ligeiramente acima desse país. Esta realidade é frequentemente usada por dirigentes da Iniciativa Liberal (IL) para justificar a defesa da flat-tax, aplicada pelo governo de inspiração liberal em funções.
«A Lituânia introduziu reformas liberais na economia e ofereceu a investidores e trabalhadores um sistema fiscal muito atrativo», referia, nas suas redes sociais, a IL, em 2019. Sem nunca explicar porque é que a atratividade da economia continuava a empurrar dezenas de milhares de jovens lituanos para o estrangeiro, esta aparente liberdade econômica esconde uma realidade menos conveniente aos desmandos dos liberais.
Com uma das despesas mais baixas da UE em termos de gastos com a saúde e com o encerramento de dezenas de unidades hospitalares desde a saída da União Soviética (52 desde esse período), se explica, em parte, a fraca esperança média de vida da população que decide continuar a viver no país. A privatização do setor obriga a uma despesa avolumada da população para ter acesso a cuidados médicos essenciais.
A liberdade econômica, conferida pela mística flat tax, pouco fez para reduzir a elevada taxa de suicídios, a mais alta do mundo: atualmente corresponde a 26 mortes por 100 mil habitantes. As condições de trabalho não ajudam. Em 2015, 37% dos trabalhadores afirmavam que o seu trabalho prejudicava seriamente a sua saúde.
Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o desempenho acadêmico dos estudantes da Lituânia está abaixo da média mundial. O investimento na educação, tão valorizada no período soviético, está hoje em níveis mínimos históricos.