Jayme Miranda, um revolucionário brasileiro
Fundação Dinarco Reis
Geraldo de Majella (1)
Jayme Amorim de Miranda (1926-1975), jornalista, advogado e dirigente comunista, nasceu em Maceió, no bairro do Poço, no dia 18 de julho de 1926, filho do casal Manoel Simplício de Miranda e Hermé Amorim de Miranda, o segundo de uma família de dez filhos. São eles: Haroldo (1925-1988), Jayme (1926-1975), Valter, Edvar, Zenaide, Wilton (1931-2006), Nilson (1933), Neiza, Hélio, Manoel − Manelito − Amorim de Miranda.
Casa-se com Elza Rocha de Miranda e constituem uma família de quatro filhos. Dois nasceram em Maceió e dois no Rio de Janeiro: Olga Tatiana (1960) e Yuri Patrice (1961), são alagoanos; os outros dois, Jaime (1965) e André Rocha de Miranda (1970), são cariocas.
Teve origem numa família de classe média baixa: o pai era proprietário de um bar e lanchonete na região central de Maceió, onde os filhos mais velhos o ajudavam no balcão. A família morou por muitos anos num bairro também de classe média, o Poço. Iniciou os estudos, o antigo curso primário, em escolas públicas. Em 1937 foi matriculado no colégio Diocesano (Marista), onde cursou o ginasial, sendo em 1941 transferido para o Liceu Alagoano e aí concluindo o curso colegial em 1944.
No final de 1944, presta vestibular para Química em Recife − numa manifestação de um desejo acalentado desde a adolescência pelas ciências exatas −, mas não foi aprovado. No ano seguinte, em Maceió, presta novamente vestibular desta vez para o curso de Direito e é aprovado para a Faculdade de Direito de Alagoas, onde se bacharelou.
Entre 1941 e 1945 tem dupla jornada de trabalho como revisor dos jornais: Jornal de Alagoas, órgão dos Diários Associados, e A Notícia, vespertino, aliás o único no gênero em Alagoas. Nesse período o mundo vivia os horrores da II Guerra (1939- 1945). Nas redações dos jornais em Maceió trabalhavam alguns jornalistas simpatizantes e outros militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). É nesse ambiente de ebulição política que Jayme Miranda aprende o ofício de jornalista e intensifica as suas relações com a militância clandestina do PCB.
Estudante de Direito e revisor, inicia a militância política na União da Juventude Comunista (UJC), participando das manifestações de ruas contra o nazi-fascismo, mobilizando a população para pressionar o governo Vargas a romper com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Os vínculos políticos e ideológicos com o PCB tiveram laços familiares evidentes, pois dois dos seus tios paternos, Ezequiel2 e Isaías Simplício de Miranda, e uma tia, Tabita Miranda, haviam se ligado ao partido na década de 1930. Ezequiel Miranda se filia à Aliança Nacional Libertadora (ANL), entidade legal e de massas. Após a proibição de funcionamento da ANL, mantém a militância comunista e participa do processo de organização da Insurreição Comunista, movimento que ficou conhecido como Intentona Comunista de 1935. É preso em Maceió, processado pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN) e condenado a cinco anos de prisão, pena cumprida no presídio da Ilha de Fernando de Noronha.
Escola de Sargento das Armas
No ano de 1946 ocorre uma mudança radical na vida do jovem acadêmico de Direito. Ao se inscrever e prestar concurso para a Escola de Sargento das Armas (ESA), foi aprovado e segue para Realengo no Rio de Janeiro, onde inicia a carreira militar. No ano seguinte é promovido a terceiro-sargento, indo servir em Pindamonhangaba (SP). O curso de sargento tinha duração obrigatória de cinco anos, período não cumprido integralmente.
A vida na caserna não lhe fez bem; a rigidez e outras formas de controles, incluindo a formação militarista, causaram-lhe sérios transtornos disciplinares. Tomou conhecimento, por colegas de fardas, de que seria transferido para o estado do Mato Grosso, como punição. Antes que isso se efetivasse, rescindiu o contrato e regressou a Maceió, na condição de terceiro-sargento.
O amigo de infância, Rubens Jambo (1926-2010), que também havia sido aprovado no concurso da ESA e com quem Jayme mantinha contatos frequentes, se ligou ao PCB no meio militar. Naquela época O PCB tinha um núcleo de militares de várias patentes e possivelmente foram esses companheiros que o informaram, levando-o a tomar a decisão de rescindir o contrato.
Em Maceió e com 22 anos, no dia 15 de setembro de 1948 é contratado e tem a carteira assinada como escriturário da Cooperativa dos Plantadores de Cana de Alagoas. O emprego contou com a influência do então deputado udenista Rui Palmeira, naquela época aliado dos comunistas.
O contrato de trabalho assinado pela Cooperativa dos Plantadores de Cana de Alagoas foi o primeiro e único vínculo empregatício na vida do jornalista e dirigente comunista. As anotações encontradas na carteira profissional n° 34.659 indicam que teve duração de apenas um ano. A vida dupla, de trabalhador na principal organização da elite rural, as atividades como estudante de Direito e as tarefas, cada vez maiores, como membro da União da Juventude Comunista (UJC) do PCB, tornou-se impraticável. A opção entre o trabalho com carteira assinada e a atuação exclusivamente no movimento estudantil e na organização do PCB deu-se pela segunda das alternativas e foi definitiva até o “desaparecimento” em 1975. Jayme Miranda não mais trabalhou para qualquer patrão.
A reabertura de A Voz do Povo
A primeira edição de A Voz do Povo saiu no dia 1º de maio de 1946. Fundado por André Papini Góes (1908-1966), diretor, e outros jornalistas como Floriano Ivo Júnior, Arnoldo Jambo, George Cabral, a redação contava com a colaboração também de dirigentes do PCB. O jornal foi diversas vezes invadido, depredado e empastelado pela polícia, que obedecia às ordens do governador Silvestre Péricles de Góis Monteiro. A polícia em 1947 − menos de dois anos após a sua fundação − empastelou A Voz do Povo e não mais permitiu que o jornal voltasse a funcionar legalmente. Os comunistas, na clandestinidade, resistiram e colocaram o jornal para circular de maneira precária.
Em 1950, pouco dias antes da posse do governador Arnon de Mello (1911- 1983), A Voz do Povo é reaberto, agora sob a direção de Osvaldo Nogueira, com uma redação formada essencialmente pelos jovens estudantes: Jayme Amorim de Miranda, Rubens Figueiredo Ângelo (1929), Murilo Gameleira Vaz (1930-2012), e trabalhadores como Renalvo Siqueira e Benedito Silva, que aprenderam o ofício de repórter numa redação improvisada.
No dia 31 de janeiro de 1950, dia em que o governador de Alagoas, Arnon de Mello, foi empossado, o jornalista Jayme Miranda foi preso quando protestava nas ruas do centro de Maceió. Os soldados do exército o levaram para o Quartel do 20º Batalhão de Caçadores (20º BC) e o entregaram ao coronel Mário de Carvalho Lima (1908- 1983), comandante da guarnição federal, que viria a ser padrinho de batismo do jornalista preso. Muitos anos depois do incidente o militar reformado na patente de general publicaria, no livro Sururu Apimentado, o seguinte depoimento:
“Só ligeiro incidente veio ensombrar a completa normalidade da ordem pública. Um grupo de obstinados comunistas, chefiado pelo nosso talentoso, mas fanático afilhado, Jayme Miranda, tentou realizar um comício, na praça Rosa da Fonseca, na mesma hora da posse do governador. O saudoso e então tenente Alfredo Camarão, que chefiava o controle do policiamento do centro da cidade, conseguiu detê-los no tempo exato. Transportou-os, em uma das nossas viaturas, para o quartel do Farol onde, para maior tranquilidade, determinamos que ali pernoitassem”.3
No dia seguinte à posse do governador, A Voz do Povo é invadido pela polícia, que destrói a oficina, sendo quebrada a máquina impressora. O jornal mais uma vez fica sem condições técnicas para circular. A denúncia de que houve violência nas prisões dos comunistas foi depois noticiada pelo semanário, que voltou a circular clandestinamente. Os gráficos também foram barbaramente espancados pela polícia militar. A única denúncia possível na época partiu naturalmente do semanário comunista. Na edição que restou depois de tantas invasões policiais encontra-se esta nota:
“Continua em Alagoas o império da violência. O demagogo Arnon de Mello, cujo servilismo ao imperialismo americano é posto em evidência por ele próprio com apenas um mês de governo, não suporta as críticas do povo e, enfurecido como um louco, manda intimidar primeiro e depois prender os trabalhadores de A Voz do Povo, chegando ao cinismo de mandar a sua polícia invadir as nossas oficinas e roubar 700 exemplares do nosso jornal. É a sequência do crime ocorrido no dia da investidura do mesmo Sr. Arnon de Mello no poder, quando foi a nossa redação assaltada e presas 56 pessoas. Apesar das numerosas prisões realizadas na semana passada e do verdadeiro bloqueio em que se encontra a cidade, com beleguins e soldados da polícia militar localizados nos principais pontos, o jornal foi impresso e levado à população, principalmente aos trabalhadores”.4
O jornal continuou a ser publicado em Maceió e vendido através de comandos organizados pelos militantes nas portas das fábricas têxteis. A fábrica Alexandria, localizada no bairro da Cambona, era um dos locais onde os operários sistematicamente eram desrespeitados. Mesmo em condições desfavoráveis, as denúncias saíam do interior da fábrica e encontravam a única maneira de ecoar na sociedade alagoana através das páginas do jornal A Voz do Povo. O jornal entrava nas fábricas pelas mãos dos operários, que organizavam a “patrulha de vigilância a fim de evitar os efeitos do terror policial. Centenas de exemplares foram vendidos nessa concentração”.5
Curso Stálin
Em 1951 o Partido Comunista Brasileiro organiza nos estados um curso paramilitar, inspirado no Manifesto de Agosto de 1950. O curso era dividido em três fases: o básico ou elementar, o intermediário e o superior, este ministrado em dois momentos: o primeiro realizado no Brasil, com duração entre 40 e 50 dias, e o segundo, na Escola internacional de quadros, em Moscou.
O Comitê Central, em fevereiro de 1951, decidiu criar uma escola nacional de formação de quadros, e a comissão de educação, órgão auxiliar, teve a incumbência de coordenar os trabalhos. Também foram criadas escolas em dezenas de cidades e em diversos estados. A escola que os militantes de Alagoas participaram ficava em Recife. Um professor, membro da comissão e que já havia estudado em Moscou, foi quem ministrou as aulas dessas fases do Curso Stálin.
O dirigente comunista Rubens Colaço participou da organização do curso Stálin em Alagoas, onde 28 militantes e dirigentes intermediários de Alagoas e Pernambuco fizeram o curso, realizado numa fazenda no município de Murici (AL), em absoluta clandestinidade.6
Para o primeiro curso realizado em Recife, de Alagoas foi designado pelo Partido o operário têxtil Sílvio da Rocha Lira. A comissão de educação do Comitê Central havia planejado três cursos para atender aos estados de Pernambuco, Alagoas e Paraíba. O encarregado pelos cursos foi o jornalista mineiro Marco Antônio Tavares Coelho, que naquela época passou a residir em Pernambuco. Os principais dirigentes desses estados participaram do curso Stálin: Hiran de Lima Pereira, Jayme Amorim de Miranda, Ivo Valença, Paulo Cavalcanti, José Raimundo da Silva, Djaci Magalhães, Claudio Tavares, Clodomir Morais, entre outros.7
O trabalho de educação implantado pelo PCB naquele momento, início da década de 1950, tinha a perspectiva de formar quadros teóricos e ideologicamente comprometidos com a linha política definida no Manifesto de Agosto de 1950, na perspectiva da luta armada. Nessa conjuntura, a preparação de quadros dirigentes em todos os níveis era essencial.
Apelo de Estocolmo
O comitê permanente do Congresso Mundial dos Partidários da Paz, reunido em Estocolmo, em março de 1950, lançou um apelo pela proibição da bomba atômica através de uma campanha de assinaturas. Os comunistas brasileiros, a exemplo dos comunistas de todo o mundo, deram início à campanha pela paz, contra o envio de tropas à Coreia e a utilização de armas atômicas. A coleta de 4,2 milhões de assinaturas realizada pelos comunistas brasileiros causou certa surpresa em nível mundial.
O coordenador do trabalho de coleta de assinaturas em Alagoas foi Jayme Miranda, mas este trabalho foi dividido com outros militantes. O foco principal do PCB eram os operários fabris, os trabalhadores portuários, os ferroviários e os estudantes. Numa das atividades de coleta de assinaturas no distrito de Fernão Velho em Maceió, a polícia militar, a serviço da fábrica Carmem, empresa do grupo Othon Bezerra de Mello, proibiu a coleta e exigiu que fossem entregues as listas com as assinaturas dos operários. Nesse momento estavam presentes Renalvo Siqueira, José Benedito, Antonio Carlindo, Sílvio Lira e José Gomes, os dois últimos, operários da fábrica Carmem.
O resultado desse conflito por pouco não foi trágico. O jornalista Jayme Miranda foi atingido com a baioneta de um dos militares; esvaindo-se em sangue, é levado ao hospital de Pronto-Socorro, enquanto os outros comunistas foram dominados e levados para uma delegacia de polícia em Maceió, onde passaram a ser espancados.
A repressão aos comunistas e ao movimento social era articulada entre patronato e governo, e muito pouco se divulgava na imprensa, a não ser quando a matéria, acrescida de sutilezas, dava como uma fonte qualquer, mas tratava de prisões, como ocorreu em 1952: a principal manchete da Gazeta de Alagoas anuncia como manchete principal de primeira página: “Desmorona-se o Comitê Estadual do P.C. em Alagoas”.8
Os processos contra os militantes comunistas foram seletivamente abertos. Os principais e mais conhecidos foram atingidos: Jaime Barbosa, José Gomes, Silvio Macário, Tibúrcio Tenório das Neves, José Rosa de Oliveira, Júlio de Almeida Braga, Péricles de Araújo Neves, Manoel Barnabé de Lima, os irmãos Joaquim e José Costa, José Cavalcante, Osvaldo Nogueira. Alguns foram condenados, a saber: Benedito da Silva, Renalvo Siqueira dos Santos, Carlindo Silva e Jayme Amorim de Miranda. As penas variaram entre um e cinco anos de prisão.
Os comunistas organizaram uma campanha pela liberdade de Tibúrcio Tenório das Neves. O jornal A Voz do Povo denuncia que:
“Decorridos três meses e meio da ação popular que impediu (sic) o aumento das passagens dos transportes, continua encarcerado na masmorra da praça da Independência o bravo patriota alagoano Tibúrcio Tenório das Neves. Sequestrado na praça dos Martírios, quando se colocava à frente de centenas de alagoanos, solidarizando- se com o vitorioso movimento do nosso povo que não permitiu mais este assalto a sua minguada bolsa. Tibúrcio juntamente com seu companheiro Renalvo Siqueira foram submetidos a bárbaros espancamentos pelos sicários da polícia política do Sr. Arnon de Mello. Em seguida, graças ao enérgico movimento de solidariedade e protesto de todas as camadas sociais de Alagoas, Renalvo Siqueira foi arrancado do cárcere, mas Tibúrcio permanece submetido a um processo de farsa, tendo os doutos juízes desembargadores lhe negado os recursos de habeas-corpus e fiança, “legalizando” desta maneira as arbitrariedades policiais”.9
As dificuldades enfrentadas pelo PCB para atuar em Alagoas nesse período foram tão grandes que alguns dos seus quadros, os mais conhecidos, tiveram de viver totalmente clandestinos. Outros foram obrigados a deixar o estado de Alagoas, a exemplo dos irmãos Jayme e Nilson Miranda, que foram atuar em Pernambuco.
Clandestinidade e prisão em Pernambuco
A perseguição política sistemática tem como alvo o PCB, clandestino. Sobrevivendo com dificuldades, a direção estadual decide que Jayme Miranda deixe o estado de Alagoas, em 1951, para atuar em Pernambuco. Nessa época já é o dirigente com maiores responsabilidades, ocupando o cargo de secretário-político. Em Recife, onde se fixa, atua no trabalho de organização. Mas em meados de 1953 é preso pelo Dops, sendo torturado e em seguida transferido para Maceió, onde fica preso na antiga Penitenciária por mais de um ano. O que motivou a prisão e condenação à revelia foi um editorial publicado no semanário A Voz do Povo, ainda em 1951, criticando o então governador Arnon de Mello.
A imprensa local silenciou quanto ao fato de que um jornalista no exercício da sua profissão fora perseguido, preso e torturado por expressar a sua opinião através de um editorial. Mesmo os jornais onde havia trabalhado como revisor, o Jornal de Alagoas e A Notícia, não deram uma linha sequer sobre o fato de o jornalista ter sido preso e o que motivou a prisão: o exercício da profissão. A imprensa local estava totalmente subjugada ao governo.
Ao sair da prisão em 1954 deixa novamente Maceió, indo para Recife cuidar da saúde debilitada em decorrência das torturas na prisão. Com a saúde recuperada, é enviado para o estado do Pará. Nessa época já é um quadro profissionalizado pelo partido. Permanece no Pará até 1957, regressando a Alagoas após as eleições e a posse de Sebastião Marinho Muniz Falcão no governo de Alagoas, reassumindo a direção do jornal A Voz do Povo e o cargo de secretário-político.
A vitória de Muniz Falcão
O PCB participou do processo eleitoral apoiando as candidaturas presidenciais de Juscelino Kubistchek (1902-1976) e João Goulart (1919-1976), e de Sebastião Marinho Muniz Falcão [1915-1966]10 para governador de Alagoas. Muniz Facão venceu as eleições derrotando o advogado Afrânio Salgado Lages (1911-1990), candidato apoiado pelo governador Arnon de Mello. A disputa pela prefeitura de Maceió se deu entre Abelardo Pontes Lima (PTB), Oséas Cardoso (UDN e Sebastião da Hora (PSP), antigo militante do PCB.11
O empenho do PCB na campanha de Muniz Falcão passou a ser uma questão de sobrevivência, já que os comunistas vinham de uma longa jornada de repressão nos dois períodos governamentais, o de Silvestre Péricles e o de Arnon de Mello. A aliança política estabelecida entre o PCB e Muniz Falcão tinha origem nas boas relações políticas travadas desde o período em que o líder petebista havia exercido a função de delegado do Ministério do Trabalho em Alagoas.
A vitória de Muniz Falcão descortinou um novo cenário para os comunistas em Alagoas. Os movimentos sociais, o PCB e o PSB passaram a ser tratados com respeito e o aparelho policial cessou a repressão aos comunistas e ao movimento sindical. Jayme Miranda não participou dessa jornada de lutas, pois se encontrava trabalhando na organização do PCB no estado do Pará. A conquista da liberdade em Alagoas é um caminho para os comunistas rapidamente se reorganizarem em Maceió e em muitas cidades do interior.
A edição de A Voz do Povo, nº 38, de 29 de setembro de 1957, traz no expediente Jayme Miranda como diretor e Nelito Nunes de Carvalho como secretário. O jornal abriu a sede na rua do Comércio, 606, e realizou uma vigorosa campanha de finanças para modernizar o semanário com a aquisição de novas máquinas. Os anunciantes durante o governo de Muniz Falcão não foram importunados por quaisquer perseguições policiais ou pelo Fisco estadual. Atuando com liberdade o PCB encontrou as condições essenciais para ampliar as relações do jornal com o empresariado, conquistando anunciantes.
Renalvo Siqueira e Mironildes Peixoto, vereadores comunistas
O sapateiro Renalvo Siqueira e o funcionário público Mironildes Vieira Peixoto foram eleitos vereadores em Maceió nas eleições de 1958. Ambos eram militantes do PCB. Renalvo, nessa época, já não trabalhava como sapateiro; era dirigente estadual do PCB. No jargão comunista, era um “revolucionário profissionalizado”, mas em face da precariedade da redação do jornal A Voz do Povo, vinha trabalhando como repórter, responsável pela cobertura das atividades parlamentares na Câmara Municipal de Maceió.
Esse tipo de trabalho era comum naquela época, e a direção do jornal estimulava os militantes a serem “correspondentes” em seus locais de trabalho, moradia, estudo, no movimento sindical e também nas casas legislativas, na assembleia e nas câmaras municipais.
A Voz do Povo, sem que tivesse essa preocupação histórica, serviu de escola para várias gerações de operários, estudantes, profissionais liberais e jovens intelectuais, no exercício diário de jornalistas formados na prática cotidiana.
Os mandatos parlamentares de Renalvo Siqueira e Mironildes Vieira Peixoto sinalizavam mudanças de ações do PCB em Alagoas. Ambos com atuação parlamentar dedicada às causas populares, à defesa da política do PCB e do aliado Muniz Falcão. Foi, pois, numa conjuntura política favorável, para os comunistas, trabalhistas e socialistas que esses mandatos fizeram crescer a influência do partido aliado ao movimento sindical em ascensão durante o governo de Muniz Falcão.
O reforço no trabalho de direção do PCB foi potencializado com o retorno de Jayme Miranda, que havia passado os últimos três anos na região Norte do país. Some- se a isso a vinda para Alagoas de Nelito Nunes de Carvalho, jornalista baiano e quadro com experiência na organização partidária em vários estados, imediatamente levado para a redação do A Voz do Povo como chefe de redação.
O crescimento do PCB à luz da liberdade conquistada durante o governo Muniz Falcão gerou também alguns problemas internos, e nas eleições seguintes o nome do radialista e jornalista Nilson Miranda foi apresentado como candidato a vereador, sendo eleito com expressiva votação. Renalvo Siqueira e Mironildes Peixoto se afastam da militância comunista. O radialista Nilson Miranda passou a ser o terceiro vereador comunista na história do partido em Maceió.
Eleição para o Comitê Central
Em 1960, o PCB realizou pela primeira vez em sua história um congresso, numa situação de semilegalidade. Os delegados ao congresso representavam um contingente de aproximadamente 15 mil militantes, distribuídos pelos estados da federação. O V Congresso ocorreu na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, no mês de setembro. O clima político vivido no país garantia a liberdade de expressão. Aproveitando-se dessa conquista durante o governo Juscelino Kubistchek, o PCB se preparou para solicitar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o registro para atuar legalmente e inclusive participar do processo eleitoral.
A direção nacional que emergiu do V Congresso rompia com a antiga política do culto à personalidade e principalmente apontava para a
“existência de duas contradições fundamentais que exigem solução radical na atual etapa histórica do desenvolvimento da sociedade brasileira, quais sejam: a contradição entre a Nação e o imperialismo e seus agentes internos, e aquela entre as forças produtivas em crescimento e o monopólio da terra, que se expressa, essencialmente, como contradição entre latifundiários e massa camponesa.”12
A Resolução Política aprovada pelo V Congresso dizia que as transformações em direção a uma sociedade socialista não ocorreriam de imediato, mas mediante etapas históricas, fruto essencialmente das lutas das forças sociais.
O comitê central eleito pelos delegados incluía pela primeira vez o dirigente alagoano Jayme Amorim de Miranda como membro efetivo. Outros três nomes identificados com o estado de Alagoas também foram eleitos: José Maria Cavalcante, marítimo que em 1947 havia sido deputado estadual pelo PCB e que em 1960 militava em Niterói (RJ); José Francisco, ex-operário com longa trajetória de atividades partidárias, que deixou o estado de Alagoas na década de trinta e havia sido candidato a suplente de senador na chapa com Luís Carlos Prestes em 1946; e o coronel do exército Henrique Cordeiro Oest, comandante da guarnição federal em Alagoas, secretário de segurança pública do governo Muniz Falcão, eleito para o comitê central. Oest era carioca e tinha também uma longa militância no PCB, tendo sido até mesmo candidato a deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro em 1946.
O VI Congresso foi realizado em dezembro de 1967 em São Paulo, e em condições adversas, clandestinamente, com um número menor de delegados. Jayme Miranda já não morava nem atuava em Alagoas, e havia ficado meses na prisão durante o golpe militar de 1964. Ao ser solto, passou a viver na clandestinidade no Rio de Janeiro.
Foi reeleito para o comitê central e em seguida foi escolhido para a comissão executiva do CC. A comissão executiva escolhida era composta por Luís Carlos Prestes, Giocondo Dias, Orlando Bonfim Júnior, Zuleika Alambert, Dinarco Reis, Geraldo Rodrigues dos Santos e Jayme Miranda, membros efetivos; Ramiro Luchesi, Walter Ribeiro e Marco Antonio Tavares Coelho como suplentes13.
Jayme trabalhou na organização do PCB em vários estados das regiões Sudeste e Sul, mas fixou-se no Rio de Janeiro; como membro da comissão executiva fez parte do grupo dirigente que cuidava da organização partidária na clandestinidade. Esse tipo de atividade o obrigava a se deslocar por vários estados e cidades, mantendo contatos com dirigentes locais do partido.
Em razão do tipo de trabalho que desenvolvia era obrigado a mudar constantemente de endereço, por questão de segurança pessoal e partidária. Morou em diversos bairros do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro.
Viagens ao Exterior
Em 1949, aos 23 anos de idade, foi eleito delegado pelo estado de Alagoas, para representar os estudantes no Congresso pela Paz, na cidade do México. Esta é a primeira viagem internacional.
Em companhia de Napoleão Moreira, Edler Lins e Mozart Verçosa Damasceno, Jayme Miranda participou do Festival Mundial da Juventude Democrática, realizado em Viena em 1959. O grupo esteve no festival e também foi a Moscou, capital da então União Soviética, a Paris, Lisboa e outras cidades europeias. Foi a primeira vez que Jayme esteve na antiga URSS.
A primeira viagem como membro do comitê central ao exterior aconteceu em 1961, como membro de uma delegação composta de jornalistas, advogados, políticos, sindicalistas de Alagoas e de outros estados do Brasil, organizada pelo então deputado federal Francisco Julião (PTB-PE), fundador e coordenador nacional das Ligas Camponesas. Fizeram parte da delegação os jornalistas alagoanos Alberto Jambo e Nilson Miranda, o advogado Ciro Casado Rocha e o deputado estadual Mendes de Barros (PSP) − este não concluiu a viagem, pois quando estava pronto para embarcar pelo aeroporto do Recife, recebeu a notícia de que Robson Mendes, seu primo e prefeito de Palmeira dos Índios, havia sofrido um atentado a bala, o que o fez retornar a Alagoas.
O jornalista, e deputado estadual do Rio Grande do Norte, Luiz Inácio Maranhão Filho também fez parte da delegação. Os membros da delegação participaram de várias sessões públicas com os principais dirigentes da revolução cubana, entre eles Fidel Castro e Ernesto Che Guevara, e também vários dirigentes do Partido Comunista Cubano, sob a direção do secretário-geral Francisco Calderío Blas Roca.
Jayme Miranda, secretário político do PCB em Alagoas e outros dirigentes nacionais do PCB se encontraram reservadamente com Fidel Castro e Che Guevara e se reuniram num outro momento com o secretário-geral do Partido Comunista Cubano, Blas Roca.
A segunda viagem internacional na condição de membro da direção nacional foi para a China, em companhia do também dirigente comunista gaúcho Jover Teles. Ambos participaram da primeira delegação oficial do PCB àquele país e se reuniram com vários dirigentes do Partido Comunista Chinês (PCCh). Os dirigentes brasileiros tiveram um encontro reservado com o líder da Revolução chinesa, Mao Tsé Tung. Para chegar a Pequim, passaram alguns dias em Moscou, cidade a que Jayme, durante os próximos anos, voltaria algumas vezes.
Em 1974 e 1975 Jayme Miranda foi novamente a Moscou. A rota é pela Europa, passando pelo aeroporto de Orly em Paris, onde é vigiado pelo serviço secreto francês, como consta do seu prontuário. Essa foi, sem que ele pudesse supor, a sua última viagem internacional. No dia 4 de fevereiro de 1975, no Rio de Janeiro, é sequestrado pelo Doi-Codi. Até hoje não apareceu, nem as forças armadas entregaram seus restos mortais. Jayme Amorim de Miranda é um dos “desaparecidos políticos” brasileiros.
Notas:
1. Geraldo de Majella, historiador, escreveu Caderno da Militância – história vivida nos bastidores da política (Edufal, 2006), Execuções Sumárias e Grupos de Extermínios em Alagoas (1975-1998, Edufal, 2006), Rubens Colaço: Paixão e vida – A trajetória de um líder sindical (Edições Bagaço, 2010), O PCB em Alagoas: Documentos 1982-1990 (Cepal, 2011) e Mozart Damasceno, o bom burguês (Edições Bagaço, 2011).
2. Ezequiel Simplício de Miranda, político, tornou-se militante do PCB na primeira metade da década de 1930. Pertenceu à Aliança Nacional Libertadora (ANL). Em 1947 candidata-se a deputado estadual pelo PCB, para contribuir com a chapa de candidatos. Obtém 42 votos.
3. Lima, Mário de Carvalho. Sururu Apimentado, Maceió, Edufal, 2008, p. 275.
4. A Voz do Povo, 1951, p. 3. A coleção do jornal foi salva pelo historiador Moacir Medeiros de Sant’Ana, após o golpe militar de 1964, quando trabalhava na assessoria do general Bittencourt, na secretaria de segurança pública de Alagoas. Em depoimento ao autor no dia 19/8/2005, o historiador disse que: “Trabalhamos muito tempo depois de 64. Então, resolvi carregar. Não pedi, não. E se eu pedisse, não daria e terminaria dando fim àquilo ali. Aí, tranquilamente, amaciei o Rivoredo e, realmente, tirei de lá e fui para casa. Morava bem pertinho. Aliás, mandavam me levar para casa de carro.”
5. Idem.
6. Majella, Geraldo de. Rubens Colaço: Paixão e Vida – A trajetória de um líder sindical, Recife, Edições Bagaço, 2010, p. 36,37.
7. Coelho, Marco Antonio Tavares. Herança de um sonho, as memórias de um comunista. Rio de Janeiro, Record, 2000, p. 150, 151, 154.
8. Gazeta de Alagoas, 3/5/1952. p.1.
9. A Voz do Povo, Ano VIII, nº 3, 7/11/ 1954, p. 2 − Suplemento.
10. Nas eleições de 1955 votaram 106.984 eleitores. Muniz Falcão (PSP) obteve 53.085 votos; Afrânio Salgado Lages, 49.669 votos; 1.927 votos brancos e 2.303 votos nulos. Júnior, Heider Lisboa de Sá, A Justiça Eleitoral em Alagoas, Maceió, 2008, p. 195.
11. Tenório, Douglas Apratto. A Tragédia do Populismo – O impeachment de Muniz Facão, Maceió, Edufal, 2ª edição, 2007, p.167.
12. Vinhas, Moisés. O Partidão – a Luta por um partido de massas – 1922-1974, São Paulo, Editora Hucitec, 1982, p. 183.
13. Idem, p. 243.
Bibliografia
Lima, Mário de Carvalho. Sururu Apimentado – Apontamentos para a história política de Alagoas, Maceió, Editora Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2008, p. 275, 276.
Miranda, Nilson. http://www.jaymemiranda.org/
A Voz do Povo, edição de 1951. Há poucos exemplares do jornal no Arquivo Público de Alagoas; este não tem outras informações que não sejam apenas as do ano da edição. Direito à Memória e à Verdade: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos/Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Brasília, 2007, p. 397.
Júnior, Heider Lisboa de Sá. A Justiça Eleitoral em Alagoas, Maceió, 2008, p. 195. Majella, Geraldo de. Rubens Colaço: Paixão e Vida – A trajetória de um líder sindical, Recife, Edições Bagaço, 2010, p. 36, 37.
Coelho, Marco Antonio Tavares. Herança de um sonho, as memórias de um comunista. Rio de Janeiro, Record, 2000, p. 150, 151, 154.
Vinhas, Moisés. O Partidão – a Luta por um partido de massas – 1922-1974, São Paulo, Editora Hucitec, 1982, p. 183, 243.